É madrugada. Você dorme o merecido soninho que o revigorará para mais um dia.
Aqui, chove torrencialmente. Nem tenho como sair do escritório agora para atravessar o quintal (o escritório fica nos fundos) e ir para casa dormir, apesar do curto espaço que devo atravessar. É muita água! Parece que São Pedro está bravo! Prevejo um alagamento daqueles que dão trabalho ao povo da minha terra, que transforma o trânsito num caos, que alucina os moradores de locais tão sofridos pelas enchentes, que deixa em pânico os infelizes que não têm um teto, um cobertor, um lar.
O barulho da chuva parece martelar nos ouvidos e a impressão de solidão, talvez pelo meu estado de espírito do momento, se intensifica.
Talvez agora chegue o frio. Afinal de contas, abril está chegando! E será, então, hora de abrirmos os armários para retirar as roupas quentes, pesadas, escuras, que nos transformam em pessoas aparentemente mais sérias, já que escondemos quase todo nosso corpo, diferentemente dos dias quentes, quando, quanto menos roupa, melhor!
É outono, época em que as folhas caem das árvores, visando a renovação destas.
E as nossas vidas, qual estação do ano estariam atravessando neste momento?
A primavera, quando tudo é colorido e até o ar parece mais leve, o perfume das flores embriaga os nossos corações, o amor paira no ar e é por nós inspirado, numa ânsia imensa de expirá-lo, pois de nada adianta apenas sentirmos o amor penetrando nossos corações sem que possamos extravasá-lo, renovando-o, multiplicando-o, partilhando-o com o ser amado, tal como o pulmão precisa fazê-lo com o exterior, para manutenção da vida?
Estaremos vivendo o outono de nossas vidas, permitindo a queda das velhas folhas, deixando nossas almas nuas, para que recebam o amor e a ternura renovados, que nos permitirão respirar o puro ar que a mãe natureza nos oferece, sentindo que a pureza de sentimentos, tal como a do ar, é o que nos move e dá sentido à nossa vida?
Ou estaríamos sob a égide do verão, sentindo-nos em férias, relaxando nossos espíritos, transformando tudo em carnaval, mas sempre preocupados com a quarta-feira de cinzas?
Quiçá seja o inverno a estação que os nossos corações estejam vivendo neste momento!
Um período onde buscamos, na medida do possível, o silêncio, a introspecção, a análise dos acontecimentos recentes, respaldando no passado, nem sempre tão remoto, os fundamentos e a base para os seus desfechos. O período em que precisamos nos agasalhar, porque tememos o frio até de algumas almas que não conseguem sentir o calor do mais belo dos sentimentos e assim transmitem insensibilidade, egoísmo, frigidez e, ironicamente, ficamos impossibilitados de doar-lhes o calor dos nossos corações e dos nossos mais puros sentimentos, pois, não consigo entender o motivo, mas tenho a impressão de que a frieza é tão dura, insensível e contundente que se torna refratária ao calor do amor.
Penso que a grande verdade é que todos nós vivemos as quatro estações muitas vezes num único dia, dependendo de quem e do que dominam nossos pensamentos, nossos sentimentos, nossos corações.
Eu quero, sinceramente, que você esteja vivendo a estação primaveril, que é linda! Ela tem cheiro de amor, tem cor de arco-íris, tem música dos anjos, tem a suavidade das pétalas de uma flor, tem a ternura do sorriso de uma criança, tem a alma apaixonada do adolescente, mas tem, também, a consciência adulta do que se quer: jardins floridos, corpos leves, corações abertos ao amor. Para dar e para receber.
Eu seria pretensiosa demais se dissesse aqui que o meu sonho é fazer parte da sua primavera, é ser a principal flor do seu jardim, a mais bonita, a mais atraente, a mais viçosa, a mais perfumada, a mais amada.
Porém, sonhar não é crime. Sonhar não é pecado. Sonhar não é morrer. Sonhar não é ofender! Sonhar é viver!
Sonhar é, também, a primavera de nossas vidas. E, somente sonhando é que podemos conquistar a realidade, não é mesmo?
A chuva diminuiu. Sua música, agora, é aquele ritmo gostoso que nos dá vontade de apoiar a cabeça no travesseiro, relaxar o corpo, fazer um Sinal da Cruz, agradecer a Deus pelo dia que findou, pela noite que mais uma vez poderemos descansar, por tudo que nos aconteceu de bom e ruim neste dia, pois tudo nos faz crescer e nos mostra a bondade Divina que nos permite atendermos aos objetivos de nossa vida, expiando constantemente e buscando nos redimir de todos os nossos erros, culpas e omissões do passado.
E, após nossas orações, abraçarmos o travesseiro confortavelmente, fechar os olhos e deixar que nossas almas se transportem para cumprirem suas missões, pedindo-lhes, antes, que visitem o ser que amamos e lhe transmita o nosso amor, o nosso carinho, o nosso abraço, e o nosso desejo de que também ele pense em nós, com o mesmo amor que estamos pensando nele, até que o sono nos domine e os sonhos cheguem...