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Cartas-->DOCE SAUDADE -- 14/06/2006 - 05:45 (Ivone Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DOCE SAUDADE
(Ivone Carvalho)

Éramos apenas três. Eu, a única menina e a mais velha dos irmãos. Nascemos a cada dois anos, portanto, a diferença de idade não era grande. Assim, ao mesmo tempo em que eu me impunha por estar sempre na frente em tudo, recebia a proteção deles dois, por entenderem que, por serem homens, tinham que cuidar de mim. Portanto, eu me sentia meio mãezinha deles e realmente o era, vez que desde crianças, era sob a minha responsabilidade que ficavam enquanto nossos pais trabalhavam. E eles se sentiam meio paizinhos desta única irmã.

Então eu os levava ao colégio e ia buscá-los, apesar dos meus dez, onze anos de idade. Ensinava-os a ler e escrever e os ajudava nas lições de casa. Fazia o café matinal, o almoço, de preferência o que eles mais gostassem de comer. Limpava a casa, cuidava das plantinhas da mamãe, inventava brincadeiras em que pudéssemos nos divertir juntos, já que éramos proibidos de sair de casa enquanto mamãe não chegasse, já quase no final da tarde, quando eu fazia questão de que todos nós já estivéssemos de banho tomado, roupa limpinha, casa arrumada, deveres escolares prontos. Ao chamado de algum professor para qualquer recomendação ou reclamação, lá estava eu, prontificando-me a ouvir e repassar para papai e mamãe.

Em compensação, o horário de trabalho dos nossos pais, somado ao reduzido número de ônibus que servia o nosso bairro, fazia com que ficássemos sozinhos em casa a partir das três horas da madrugada. A vila estava só começando a ser habitada e poucas eram as casas vizinhas e, com isso, ficávamos meio isolados entre terrenos ainda vazios ou moradias em construção.

E, claro, quando mamãe e papai saíam, nós três dormíamos numa única cama, pois assim nos sentíamos mais protegidos. Bastava um mínimo barulho lá fora para que eu, acostumada a dormir atenta e apreensiva, acordasse e, incontinenti, os chamasse para que, juntos, rezássemos e pedíssemos ao Menino Jesus que se mantivesse ali, conosco. Nessas ocasiões, não existia qualquer diferença de idade, pois o medo era de todos. Embora eu soubesse que qualquer providência que precisasse ser tomada, a iniciativa teria que ser minha. Mas o que eu poderia fazer, se fosse esse o caso? Não havia telefone e acho que eu nem sabia ainda o que era isso. Não havia vizinhos. Havia, sim, um guarda-noturno que fazia sua ronda e que, sabendo que ficávamos sozinhos, a pedido de papai, prestava mais atenção à nossa casa.

O tempo passou e a nossa união jamais esmoreceu. Óbvio que, a cada vez que eu me interessava por algum menino, eu não guardava segredo para os meus irmãos e estes, imediatamente, iam investigar a “ficha” do garoto. Se não tivesse a aprovação deles, nem tenha dúvida de que faziam de tudo para que eu desistisse da idéia de qualquer aproximação com o rapazinho!

Os amigos eram sempre de todos: os meus eram deles, os deles também eram meus. Freqüentávamos os mesmos lugares: bailinhos, cinemas, passeios. Eles jamais escondiam os seus ciúmes quando viam os rapazes mais interessados do que o normal, em mim. Mas eu também tinha lá os meus ciúmes quando as meninas não davam trégua a eles, embora me orgulhasse de vê-los tão bonitos e tão cobiçados.

Nem preciso dizer da irrestrita investigação que foi feita na vida do homem que me desposou! Embora também fosse nosso colega de colégio, pois todos estudávamos na mesma escola, em alguns anos em horários diferentes mas, depois, todos à noite, os meus anjos protetores fizeram uma verdadeira devassa na vida do homem que pretendia se casar comigo, já que, sendo bem mais velho que eles, não fazia parte dos seus grupos de amizade mais íntima. Devidamente aprovado por eles, pude, então, levar adiante os projetos para o casamento. Nem preciso dizer que toda essa investigação foi feita logo que contei que estávamos namorando, mas chegou ao meu conhecimento tão somente após eu ter afirmado a nossa intenção de ficarmos noivos.

Quando me casei, meu irmão mais velho já estava namorando a garota que depois se transformou em minha cunhada e mãe dos meus sobrinhos. Mas o caçula, que à época, contava apenas com dezessete anos, por não estar vivendo qualquer namoro mais sério, sabia que sentiria muito a minha falta, após o meu casamento, pois costumávamos ficar conversando sempre até altas horas da madrugada, mesmo sabendo que o dia começaria muito cedo para nós, pois o trabalho nos esperava.

E até o dia do meu casamento, sempre sorrindo e brincando mas me permitindo ver, nos seus olhos, a saudade antecipada que sentiria das nossas noites de altos papos, confidências, trocas de idéias, sempre ouvindo música e tantas vezes escrevendo poesias ou compondo canções, saudade essa que eu também já sentia antecipadamente, perguntava-me: “maninha, não quer desistir? Ainda dá tempo!” e ria, me abraçando, me beijando o rosto ou os cabelos e completando: “brincadeirinha, mas você sabe o quanto vou sentir sua falta aqui, na nossa casa”. Eu ria e ele prosseguia: “quero você sempre feliz, mas já sabe, não é? A casa será sempre sua, quando quiser voltar...” E ria novamente.

Inúmeras vezes recordamos nossa infância, nossa adolescência, nossas brincadeiras, nosso afeto sempre presente, nosso amor, nosso carinho, nossa preocupação, e, sempre que possível, minimizávamos a saudade daqueles tempos, esquecendo-nos da hora, quer nas nossas casas, quer na casa dos nossos pais, quer dentro do carro, quando voltávamos de algum lugar onde fossemos juntos. Olhávamos o relógio e dizíamos: “nossa, já passou da hora de ir para casa”. E as despedidas eram sempre alegres, carinhosas, com promessas de brevemente esticarmos o papo novamente daquela forma.

Hoje eles já não vivem entre nós, são anjos que, certamente por serem maravilhosos, foram chamados muito cedo pelo Criador. Em mim ficou a saudade. Uma saudade que tantas vezes machuca, mas que aplaco quando me recordo que, enquanto estivemos juntos, fomos irmãos de verdade, almas que se completavam e aproveitaram, ao máximo, o convívio na Terra, enquanto nos foi possível. Uma saudade que também minimizo ao me lembrar que voltaremos a nos encontrar, no outro plano, em outras vidas e, com toda certeza, reviveremos o amor que tão bem soubemos usufruir enquanto estávamos todos juntos aqui, nesta vida...


14/06/2006



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