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Cartas-->APENAS UM VENDAVAL -- 30/06/2006 - 05:29 (Ivone Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
APENAS UM VENDAVAL
(Ivone Carvalho)


Um vendaval! Talvez um ciclone! Um tufão ou um furacão? Ah, não sei qual nome tem, mas foi algo muito forte que tentou me destruir, me arrancar do solo, me atirar longe, me tirar a beleza, a dignidade, a autoridade, a sensibilidade, a vida.

Sempre o entendi amigo, companheiro, irmão, pois me tocava, por mais forte que fosse, por maior que fosse a sua velocidade, com afeto, com respeito, com realeza.

Quando pressentia a sua chegada, me sentia feliz, criava expectativas pois, mesmo que passageiro, seu assobio era uma doce melodia tocada nos meus ouvidos; seu abraço era afetuoso, seu beijo era gratificante.

Eu o descobri com todas essas qualidades, depois de adulta, ou, como diriam tantos, depois de velha.

Sou uma árvore frondosa. Venho de excelentes sementes, plantadas com muito amor e muita responsabilidade. Finquei raízes em terra sólida e fértil. Fui adubada, cresci aprendendo que para ser bela, dar lindas flores e bons frutos, eu precisava do sol, da água, do vento, da proteção da natureza e do amor de todos que me descobrissem viva, para que, em nenhum momento, eu fosse destruída, sob qualquer pretexto.

Transformei-me numa senhora árvore! Guardei no meu seio a essência de toda seiva que me sustentou. Aprendi a amar e respeitar a tudo e a todos que me permitiram ser eu mesma, crescer sempre dentro dos princípios éticos, morais, incontestes, que se tornaram vitais para mim e para quem de mim se aproximasse, para quem se sentisse capaz e à altura para absorver a minha sombra, que sempre doei com carinho, com desprendimento, com prazer.

Assim, sempre ocupei tão somente o meu espaço e, se às vezes o avancei, foi por conquista, com autorização, respeitando a área alheia.

Meu tronco forte, prosseguimento das imensas raízes que me mantém viva, é a estrutura que sustenta meus longos galhos, repleto de folhas verdíssimas e flores perfumadas e multicoloridas. Tenho bases sólidas, por isso não temo a proliferação, tampouco o tamanho, dos galhos que se espalham ao meu redor, aumentando sempre a sombra que posso dar. Muitos deles apontam para o céu. São como braços estendidos durante eterna prece em agradecimento ao Criador que, não satisfeito em apenas me dar vida, me transformou em algo sublime, que agrega beleza, sensibilidade, humildade, utilidade, maternidade, perfume, bondade, riqueza.

Sou rica e distribuo meu tesouro a todos que de mim se aproximam, me respeitam, me aceitam. Permito a outros seres que instalem nos meus braços a sua morada, os seus ninhos, o seu abrigo, a sua proteção.

Tenho um prazer indescritível em poder me doar a quem reconhece o meu valor e respeita a minha vida, o meu ser.

Acolho com alegria os raios do sol, que me dão vida, que permitem o meu alimento.
Sorrio com imensa felicidade, mostrando minhas cores com mais brilho e mais vivas, quando sou visitada pela chuva, pelo sereno, pelo orvalho.

Recebo com indefinível carinho o toque do vento que tantas vezes brinca com as minhas folhas, flores e frutos, chegando a derrubá-los e afastá-los de mim. Sei que eles terão outras utilidades mais importantes além de enfeitar-me e se sentirem protegidos sob as minhas “asas”.

Mas, e sempre tem um mas, esse mesmo fenômeno que tanto me acariciou, que refrescou minhas folhas, flores e frutos, que fez companhia à minha sombra amenizando o calor provocado pelos raios solares... Esse mesmo vento, que sempre provocou em mim expectativas de momentos mais amenos, ao apontar distante, decidiu transformar-se nesse vendaval, ou melhor, furacão, tufão, ciclone. Não me importa que nome tenha, mas, sim, suas atitudes.

E me arrancou do chão, me arrastou, me atirou longe, destruiu a minha beleza, os meus frutos, as minhas flores. Levou minhas folhas, deixou-me nua, atirada num canto qualquer do planeta, e seguiu seu caminho, em busca de outras árvores e outros seres que, como eu, certamente confiavam na sua ternura, no seu discernimento, na sua sensibilidade, no respeito e na ternura que demonstrava quando chegava de mansinho, deixando que somente a sua brisa tocasse carinhosamente meu corpo, meus galhos, meus frutos, espalhando o meu perfume.

Felizmente sou uma árvore e fui tão frondosa que as minhas raízes não puderam ser destruídas e conhecem as fontes vitais para que voltem a se fixar em terra firme, para que eu possa sugar e absorver o alimento que me dará vida e me dará forças para novamente reproduzir, embelezar, perfumar, amar, dar sombra, viver...


30/06/2006

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