[A POESIA É SEMPRE MARGINAL E CONTRACULTURAL]
Haroldo de Campos
Agradeço, meu jovem poeta, o envio de sua plaquette Infernália Tropicalis (1) e da breve análise que fez em sua carta acerca da importância que a poesia concreta teve para sua formação. Não costumo responder por carta aos jovens autores que não conheço ou que me mandam constantemente suas novas publicações porque sei que a filosofia não é para os jovens e para mim a poesia está cada vez mais próxima da filosofia (2). Chega um momento na vida do poeta, quando o peso dos anos e a vivência de muitas situações se sobrepõem ao ímpeto precipitado da juventude, em que o melhor a se fazer é buscar o silêncio sapiente ao invés do comentário impensado fruto só das benevolências e das vazias congratulações. No entanto, seus poemas me aguçaram a fazer este ínfimo comentário que, ao contraponto de sua brevidade está a concisão para deciframento. Sua poesia você mesmo a define como marginal e contracultural. Se isso se refere ao tema, à evocação de bandas de rock, ao revival do on the road again numa estrada BR, então você é contracultural (Rock-Poesia)(3). Se seus poemas são marginais porque existe na sua poesia a intenção e a estratégia de se colocar criticamente em relação não só ao sistema, mas ao sistema que criou a contracultura, então você é marginal (I Remenber Jeep)(4). Essas duas condições, porém, e está claro para mim, você as tem em domínio. Você fala na sua carta acerca da importância que o resgate do barroco significa para o próprio entendimento das contradições das vanguardas e também do sentido do concretismo. Por essa sua fala, já se percebe, lendo-deslendo seus poemas, que a compreensão do que seja neobarroco está bem definida em sua poética. Ainda não digeri antropofagicamente o conceito de “metamodernidade” que você constrói, mas de início se coloca ao lado do que eu escrevi na questão do seqüestro do barroco e também na abordagem que fiz da ruptura na literatura latino-americana (5). Seu percurso poético parece pautado na transgressão da transgressividade e na transcriação do incriado. Sua poesia pós-leminski e também ante-apocalíptica soa como a prefiguração do caos do verbo no momento do naufrágio. No final das contas, nós sabemos que a poesia é sempre marginal e contracultural.
Carta datilografada, datada de 05/08/97 (6).
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Notas:
1.Haroldo faz referência à primeira versão de Infernália Tropicalis, impressa em desk-jet e encadernada em espiral, o autor (Jayro Luna) a distribuiu por mala direta em 1997 para cerca de 50 pessoas. A edição de 1999, pela Epsilon Volantis, traz uma série de acréscimos e modificações tanto na quantidade de poemas quanto na modificação dos poemas que já constavam da plaquette. Quando dessa edição pela Epsilon Volantis, Jayro Luna chegou a pensar em colocar a carta de Haroldo como apresentação, mas optou por suprimi-la tendo em vista que o comentário de Haroldo era baseado numa versão bem diferente.
2.No dia 2 de março de 1991, na Folha de S.Paulo, Haroldo publica o poema “Meninos eu vi” em que se lê na última estrofe do poema: “mas vi tudo isso / tudo isso e mais aquilo / e tenho direito a uma certa ciência / e a uma certa impaciência / por isso não me mandem manuscritos datiloscritos telescritos / porque sei que a filosofia não é para os jovens / e a poesia (para mim) vai ficando cada vez mais parecida / com a filosofia”.
3.Poema de Infernália Tropicalis, p. 31.
4.Poema de Infernália Tropicalis, p. 13.
5.Referências às obras: O Seqüestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: O Caso Gregório de Matos. Salvador, Bahia, Fundação “Casa Jorge Amado”, 1989 e Ruptura dos Gêneros na Literatura Latino-Americana. São Paulo, Perspectiva, 1977.
6.A carta de Haroldo de Campos é uma resposta à correspondência remetida por Jayro Luna que incluía o volume em preparação (vide nota 1 deste artigo) Infernália Tropicalis e uma carta comentando da admiração e da importância que a obra haroldiana e a poesia concreta tiveram na sua formação de poeta e professor.