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Cartas-->LEITURA DE 2 POEMAS DE INFERNÁLIA TROPICALIS DE JAYRO LUNA -- 02/07/2006 - 10:45 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
LEITURA DE DOIS POEMAS DE INFERNÁLIA TROPICALIS DE JAYRO LUNA
Por: Jonas Negalha


É com grande prazer que li esse Infernália Tropicalis do jovem poeta, professor e amigo Jayro Luna. O pequeno volume de poesias tem um arcabouço teórico e estético muito bem engendrado, em que cada poema se ajusta numa estrutura - que pode ser entrevista na tabela das últimas páginas - complexa que relaciona técnicas, vanguardas e temas.
Nesse breve comentário, quero chamar a atenção para dois poemas, não porque eles possam ser os melhores, ao contrário, o volume possui uma grande unidade, de forma que não vejo um poema que se sobressaia em termos de forma ou conteúdo sobre os demais, todos são bem elaborados nesses aspectos e, acima de tudo, originais. Destaco esses dois poemas por questões de preferência pessoal relativas aos temas que eles abordam.
O primeiro é um pequeno poema, mas de grande título, “Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas”. O título, é claro, é uma referência à obra de André João Antonil (pseudônimo do italiano João Antônio Andreoni) que em 1711 fez publicar em Lisboa o livro cujo título completo é “Cultura e Opulência do Brasil, por suas drogas e minas, com várias notícias curiosas do modo de fazer açúcar; plantar e beneficiar o tabaco; tirar ouro das minas; e descobrir as de prata”. O livro de Antonil apresenta uma visão de progresso em que defende a necessidade de conhecimento técnico e cultural dos proprietários de terras no Brasil, para que possam desenvolvê-la de modo a sustentar uma sociedade baseada no apego à religião e aos valores sociais e morais que a completam. Descreve Antonil, com grande propriedade, aspectos técnicos relativos às diversas atividades econômicas da colônia com uma visão arguta e com um colorido na forma de escrever que dá prazer à leitura. O poema de Jayro Luna ao fazer referência ao livro de Antonil acrescenta ainda uma dedicatória a Oswald de Andrade, cuja teoria da antropofagia poética também defendia uma autonomia cultural do país, mas com maior enfoque nacionalista e artístico. Duas epígrafes, uma de Capistrano de Abreu que dialoga com uma do próprio Antonil (apresentado com seu verdadeiro nome: Andreoni de Luca).
Os versos do poema, escrito num tom próximo da coloquialidade e da ruptura versificatória dos modernistas, buscam se apresentar como um diálogo amistoso com Antonil: “Meu caro Antonil”. Porém, no lugar do ufanismo ou do nativismo, o que se apresenta é a ironia como forma de criticar os desmandos políticos que não permitiram a realização completa do projeto de Antonil para o país: “Devia o Brasil / De fazer uma obra monstra / Coisa que há de se ver muito pouco / Um enorme Santo de Pau Oco”. Esse “enorme santo de pau oco”, artifício já folclorizado pela cultura popular pela qual religiosos não muito escrupulosos e ladrões praticantes da simonia guardavam dinheiro e valores num vão escondido na parte de trás de estátuas de santos, seria agora feito pelo país para esconder as riquezas que o estrangeiro cobiça: “Que os gringos nessa parte / Haviam de ficar meio moucos / De nossa indústria nessa arte!”.
O segundo poema que me chama a atenção e que gosto de ler e reler é “Poema Látex”. O poema tem quatro epígrafes (Chico Buarque, Raul Bopp, Raul Pompéia e Márcio Souza), duas delas quero lembrar se referem a autores cuja obra tem ligação com a região amazônica (Márcio Souza e Raul Bopp).
O poema faz uma sutil referência a Plácido de Castro, herói do estado do Acre, que liderou os seringueiros na luta com as forças bolivianas que culminou no tratado entre Brasil e Bolívia pela cessão daquele território - originalmente boliviano - ao Brasil: “um castro / não fidel, mas plácido”. Os nomes próprios (Fidel e Plácido) são aqui transformados em adjetivos, de modo que Plácido de Castro teria sido claro no seu propósito de lutar pela posse da terra que em princípio o governo federal julgava não ser de direito, assim contrariando orientação inicial (portanto, não “fidel” ao governo, mas ao sentimento patriótico). Numa segunda parte do poema, se faz referência ao acontecimento mais recente que foi a morte de Chico Mendes - líder seringueiro - em Xapuri do Acre: “90 anos depois / Chico cai como Castro”. As seringueiras que motivaram a luta de Plácido de Castro agora “sangram” “seu alvo látex / num rubro rastro”. A cor branca do látex se vê transformada no sangue de Chico Mendes. O poema ainda apresenta ao final uma sugestiva indicação de que teria sido escrito em “Basiléia”. O propósito dessa indicação de lugar é mais poética que verídica. Basiléia é de sentido ambíguo, uma vez que designa famosa cidade da Suíça, mas ao mesmo tempo é o nome de uma pequena cidadezinha do Acre. Assim a morte de Chico Mendes é mais do que um crime regional, tem repercussão internacional pelos valores que a sociedade em geral hoje devota ao contexto da floresta amazônica.
Podemos perceber como nesses dois poemas, Jayro Luna faz uma teia de ligações entre a história, a literatura, a cultura, enfim com todos os valores da civilização. E isso pode ser lido em todos os poemas de Infernália Tropicalis, abordando os mais diferentes, polêmicos e instigantes aspectos de nossa grande nação.

(press-release para artigo que não chegou a ser publicado, Guarulhos, 1999).
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