Foi como um lapso de memória. De repente, descobri que já não sabia quem sou eu. Vi-me em atitudes que sempre contestei e sempre afirmei jamais aceitá-las para mim, na minha vida.
Passei a calar quando se fazia necessário gritar. Passei a falar quando o silêncio imperava. Passei a me humilhar, quando a situação determinava a minha altivez ante a arrogância e o atrevimento de quem não tinha qualquer direito ou razão para me tratar da forma que não se deve tratar sequer um animal, quem dirá a mim!
Reduzi-me a um ser pequeno demais, sensível ao extremo, medroso de perder algo que nunca tivera, mas que acreditava ter tido.
Transformei-me num ser nulo que, embora consciente das injustiças, das traições, das aventuras a que fora submetida (inconscientemente), insistia em fazer valer o que o coração me confidenciava no silêncio que me fora imposto.
Deixei de ser eu mesma. Abaixei a cabeça, quando mantê-la no mesmo nível do interlocutor era imprescindível. Passei recibo erroneamente, respondendo ofensas e tentando me defender de “crimes” não praticados, igualando-me ao ofensor.
Alimentei-me de lágrimas e de esperanças, de sonhos e desilusão. Confiei, cegamente, no que não era confiável, enganando-me, na certeza que morava no meu peito, de que tudo não passava de um grande e ledo engano, de um filme que teria fim e que acabaria com a mesma felicidade que terminam todos os filmes.
Esqueci-me, por longo tempo, de praticar um ensinamento de um velho professor que afirmava que ninguém é tão importante que mereça o nosso sofrimento.
Mas não sofrer por ele, seria aviltar os meus sentimentos, seria negar tudo que meu coração sentia, e, confesso, hoje tento driblar esses sentimentos, porque sei que pertencem a quem sequer se lembra da minha existência, quem dirá que tenha, em algum momento, sofrido por mim. Tento, mas não consigo...
Agi como fera ferida, lambendo minhas chagas na esperança de cicatrizá-las. E, simultaneamente, atenta para reagir em minha defesa, a cada nova ameaça. Alguns seres humanos não conseguem se sentir felizes enquanto não vêm completamente destruído aquilo ou aquele que lhes incomoda, que, de alguma forma, ainda que involuntariamente, sentem como pedra em seus calçados, violentando os seus passos, mesmo que errados. Para esses, o importante é caminhar, seguir em frente, com liberdade, mesmo que seja necessário transformar as “pedras” em areia, em pó.
Falta saliva para que eu siga tentando cicatrizar minhas feridas e o provável medicamento correto foi tirado de circulação, talvez porque seu prazo de validade estivesse vencido. A maior de todas não tem cura, eu sei, vez que ficou enraizada no mais íntimo do meu ser. Mas esta, com toda certeza, não seria bom se fosse curada, pois é ela que me mostra que estou viva, que sou amor, que sou luz, que sou poeta, que sou gente.
Acordei de um sonho, ou, quem sabe, de um pesadelo. E volto a ser eu com todas as letras, que não são apenas as duas da palavra eu.
Feridas à parte, estou inteira, maravilhosamente inteira, porque hoje, apesar de tudo, sou completa, pois tenho o que me faltava antes de tudo isso acontecer.
Tenho um amor imenso dentro do peito que, mesmo que seja relegado, maltratado, desprezado, oprimido, ofendido, aviltado, é um presente que recebi do Criador e a maior prova de que o amor é o mais puro dos sentimentos, porque está acima de tudo e de todos, independentemente do seu reconhecimento ou da afeição do seu destinatário.
Voltei a ser eu, como apenas eu e tão somente eu conheço. Quis dar oportunidade a mais alguém para partilhar o meu íntimo. Tentei, mas descobri que isso é quase impossível, porque as pessoas são muito preocupadas consigo mesmas e suas vaidades não lhes permite tanto... E, quem mais me ama, sou eu!