Meu querido Enzo,
Hoje, durante minha caminhada matinal, “conversei” longamente contigo. Buscava explicações para o que está acontecendo conosco. Quero crer meu querido e doce amor, que a carta de ontem foi escrita num momento de ausência do teu anjo da guarda. Sim, só pode ter sido isto. O teu anjo já conhece o meu e, por conseqüência, me conhece.
Até ontem eu pensava que possuía uma nova data de nascimento, 13 de maio. Sim, o dia em que bati à porta de um senhor que havia colocado um anúncio na internet, procurando uma mulher para “ser seu mais sincero e especial amigo”. Era um anúncio tão insólito que me pegou como um soco. Eu pude ver através dele, a sua alma, a alma especial de um ser humano diferente de todos que conheci ao longo da minha vida. Fez-me lembrar o náufrago que lança no oceano o pedido de socorro dentro da garrafa. Eu também, de certa forma, me sentia náufraga num mar de solidão. Aquele anúncio fez-me desejar que nossas “ilhas” se aproximassem. Desejei dividir com ele a beleza do luar solitário, das estrelas cadentes, o perfume noturno das flores, a maciez de tecidos sedosos onde amantes apaixonados se deitam...
Foi lindo quando aquele senhor me aceitou como amiga, mesmo impondo uma condição para tanto: de ser eu a pessoa que ele procurava desde sua juventude. Por isso pediu-me tempo para que nos conhecêssemos melhor. O adorável senhor, porém foi rápido, logo entendeu minha alma e o mais profundo do meu coração.
Na primeira semana de correspondência eu já estava enamorada. Um dia, numa de suas muitas mensagens, ele escreveu: “quase te chamei de meu amor”. Eu entendi que o que acontecia comigo acontecia com ele também. Tive vontade de dizer àquele senhor que meus pensamentos já pertenciam a ele.
As coisas entre nós aconteceram de maneira divina. Não sei qual de nós dois disse primeiro “eu te amo”. Talvez tenha sido eu, mas isto agora não importa.
O senhor em questão é escritor, tenho livros seus. É também um desenhista maravilhoso, um artista realmente especial. Gosto de tudo que ele faz. Inclusive as fotos do seu terraço florido.
Apaixonei-me pela história de vida daquele homem encantador que, de maneira elegante e respeitosa, falou-me das mulheres que passaram por sua vida. Mas agora, não sei por que, o ciúme, um mal terrível e destruidor parece estar se interpondo entre nós. Ele sente ciúmes do passado, imagina situações fantasiosas. Isto é doença, eu não tolero ciúmes. Já sepultei este período do meu passado, ciúmes para mim, é deformação de caráter.
Eu pensava que aquele senhor, escolhido pelo meu coração, havia entendido que a nossa vida recomeçava naquele 13 de maio de 2003. Por isso eu faço um apelo: se alguém encontrar pelo caminho o meu doce senhor do início, encontrado numa noite fria e de forte neblina; por favor, diga a ele, que sua Clara, a brasileira “lontana d’Italia”, sofre muito, que ela não reconhece mais seu romântico siciliano. Diga ainda que, desde o início, percebeu que seu príncipe das Astúrias, era um solitário igual a ela. Que sua Clara reconhece que ele também sofreu as penas do inferno nos relacionamentos anteriores, mas até nisso ele encontrou solidariedade em Clara e, juntos buscaram o romance que vivem através da troca de cartas. É um romance intenso, lindo e puro como um lírio, onde um sentimento inferior como o ciúme, não deverá nunca ter lugar.
Tesouro, este amor não pode ser destruído, pois nasceu sob a proteção de nossos anjos da guarda.
Eu vou parar por aqui. Hoje o dia foi longo, de muita fadiga e pleno de sofrimento. Eu sempre preparo meu coração para o momento de ser feliz, como sabiamente ensinou ao Pequeno Príncipe, a raposinha de Saint Exupéry, mas hoje eu morri um pouco.
Boa noite, meu caro, perdoa-me se não me fiz entender.
Clara
Carta da série um “Um Amor Siciliano”, o romance por correspondência vivido por Clara e Enzo.
(Hull de La Fuente)
|