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Cartas-->NÃO POSSO MAIS ME CALAR -- 27/09/2006 - 20:39 (Ivone Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
NÃO POSSO MAIS ME CALAR
(Ivone Carvalho)

Tenho pensado muito se deveria ou não escrever um texto para expor a minha opinião. Jamais alguém leu qualquer linha escrita por mim onde o tema fosse a política. Prefiro falar de amor. Prefiro falar da vida. Prefiro falar dos temas que eu domino, que eu conheço por vivê-los na pele, em cada momento da minha existência.

Não que a política também não faça parte do meu dia-a-dia, porque afinal de contas ela existe na vida de todo e qualquer cidadão. Mas não é um assunto que me deixa à vontade para discutir ou tecer comentários. Exceto, obviamente, dentro da minha casa, onde a democracia sempre existiu em sua essência.

Sempre fui assim, mas minha posição se firmou ainda mais após uma discussão séria que tive com o meu irmão caçula, há muitos anos, durante um almoço com toda a família reunida, na casa dos meus pais. Naquele dia, eu me conscientizei de que defender ou recriminar atitudes de um candidato ou de um partido pode gerar situações incontornáveis e, se não existir muito amor entre os litigantes, a inimizade pode surgir e causar danos incalculáveis na vida de duas pessoas. Felizmente era o meu irmão o meu interlocutor e o nosso amor sempre foi muito maior do que tudo. Felizmente, também, tínhamos regado o almoço com caipirinhas e minha mãe interpretou que a discussão ocorreu por excesso de bebida alcoólica, o que eu e o meu irmão (e os demais presentes) sabíamos que não era verdade. Mas valeu, porque daquele almoço tiramos muitas lições.

Entretanto, às vésperas de nova eleição para governantes do nosso Brasil, e em especial para a Presidência, está se tornando difícil me calar ante algumas manifestações que tenho ouvido diariamente de colegas advogados, de escritores e poetas, de clientes que não são leigos. Com amigos, como já mencionei, evito o assunto e, se provocada, respondo, manifestando rapidamente a minha opinião, mas mudando o rumo da prosa logo que possível. Assim evito “acidentes”, já que sou plenamente a favor da liberdade de pensamento e de expressão, do exercício da cidadania, das convicções que devem existir dentro de cada um.

Tenho ouvido pessoas que vivem o mundo das letras, pessoas cultas, inteligentes, talentosas, das mais variadas profissões. Tenho ouvido colegas advogados. Tenho ouvido profissionais detentores de muita cultura e extraordinário conhecimento geral. Enfim, pessoas que acompanham “pari passu” os acontecimentos do nosso país ao longo de tantos anos. Pessoas que ou sofreram na carne ou viram seus familiares sofrendo os desmandos de uma nação sem democracia, sem o direito de ir e vir, sem direito de se expressar.

E ouço muitas dessas pessoas defendendo o voto nulo, ou afirmando não votar em determinado candidato ou candidata por que já sabem que não vencerá nas urnas.

Como é possível defender e lutar pela democracia e pelo voto nulo, simultaneamente? Como é possível não votar no(a) candidato(a) em que se acredita ou se tem esperança, em que se vislumbra a possibilidade de melhorar a vida dos brasileiros ou, pelo menos não piorar, simplesmente porque as pesquisas informam a derrota desses candidatos?

A continuarmos pensando assim, nada mudará! Nunca! E de nada adiantarão queixas, decepções, lágrimas, gritos, passeatas, movimentos, horários políticos gratuitos, ânsia de mudanças por dias melhores, por uma velhice menos sofrida, pela liberdade de caminhar nas ruas sem precisar olhar para todos os lados, tamanha a insegurança; pela alfabetização de todas as nossas crianças, pela mesa que não precisa ser farta, mas que tem que ter o alimento necessário à saúde da nossa gente; pelo atendimento digno em hospitais e postos de saúde; pelo cumprimento das leis justas, pela criação de leis que determinem o cumprimento integral da nossa Constituição; pela efetividade de um Judiciário que não mais nos permita ficar anos e anos a fio à espera de uma decisão, nem sempre justa.

A continuarmos votando em quem não acreditamos, em quem já nos deu provas de que muitos brasileiros sonharam alto demais quando confiaram e depositaram seus votos em urnas passadas, em quem deixou como “metas de campanha” as metas defendidas em suas campanhas, em quem se vinculou a situações tão condenáveis e outrora afirmadas que jamais ocorreriam em seus governos, passaremos recibo, daremos o aval, afirmaremos a nossa concordância com tudo que nos avilta, que nos escandaliza, que nos decepciona.

Acreditarmos nas pesquisas que são divulgadas diuturnamente e, diante delas, decidirmos o nosso voto, muitos instigados pelo comodismo de evitar um segundo turno, direito inalienável de todos os eleitores, para que possam fazer uma escolha mais justa entre dois candidatos dos mais acreditados pela população, e, diante disso, concordarmos em votar em quem já lidera os índices divulgados, é, mais uma vez, nos omitirmos e demonstrarmos concordância com todos os atos praticados durante suas vidas públicas.

E votarmos em branco é, sem dúvida alguma, pior ainda! É demonstração de falta de cidadania, demonstração de amor à ditadura, de desapego aos direitos inalienáveis de todo brasileiro, de todo cidadão; é abrir mão da única ferramenta que possuímos para demonstrar a nossa desilusão, as nossas esperanças, a nossa fé, a nossa crença na democracia, a nossa dignidade.

Domingo será um dia nosso, de todos os brasileiros, de todos os cidadãos que têm o direito de exigir um governo melhor, uma administração à nossa altura, para que os três Poderes possam funcionar de forma entrosada, buscando unicamente uma vida digna para cada brasileiro, de norte a sul e de leste a oeste; buscando o progresso deste país que está cansado de fazer parte de manchetes onde é visto como um país que nada tem além de carnaval, música, futebol (nem isso mais temos tido), favelas, pobreza, fome, crimes contra a vida e crimes de colarinho branco.

O Brasil é dos brasileiros e somente os brasileiros, através de cada um de nós, poderão escrever e assinar a sua História, que merece ser melhor, porque somos grandes, quando queremos!

A sua assinatura será o seu voto. Um voto que deve ser consciente, que deve revelar a sua discordância ou concordância, que deve dar oportunidade a quem ainda não nos decepcionou, não importando o resultado das pesquisas; que deve dar aval às atitudes que nos orgulharam, mas que deve, acima de tudo, revelar a sua dignidade, a sua consciência, a sua revolta, a sua esperança, as suas certezas.


27/09/2006



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