Toda uma vida, a tua vida, em quatro breves mas assazes sentidas décimas, está resumidamente descrita. Procurei com minúcia carregar as palavras do mais profundo sentido, vestindo-as quanto possível com poesia.
Agora, como outrora na Candeia de todas as noites, coloca os versos sobre o punho da camisa, disfarçados sob a manga do casaco, e canta. Talvez em momento inspirado o versejo te solicite uma nova música na toada do Fado Corrido.
MIRADOURO DA GRAÇA
Nasci em graça na Graça
de amor muito engraçado,
por isso não há desgraça
que desengrace meu fado
desde sempre enamorado
pelas guitarras trinando
luto na vida cantando
entre o gosto e o desgosto,
soldado firme a seu posto
em miradouro sonhando...
Com o Tejo murmurando
meu destino proibido,
avançando ou recuando
fui de sentido em sentido
de sonho à vela erguido
e da esperança aliado,
pelos ventos afagado
nas ondas do sobressalto
aportei no Bairro Alto,
cais no mar das leis do fado...
Quiçá impulsionado
pelo condão andarilho
do lusitano passado
dos nautas, fui-lhes no trilho,
seduzido pelo brilho
de acender a novidade
pus-me a cantar a saudade
na floresta benquista
para o fado dar na vista
bem no centro da cidade...
De regresso à realidade
sempre avante, sempre agora,
para minha felicidade
encontrei enfim a aurora
dos meus dias hora a hora
que em ternura me abraça
e enquanto o mundo passa
em direcção ao poente
canto o fado do presente
no Miradouro da Graça...