Uma cortina de “voile” nos separava. Fictícia, mas real. Eu quase podia ver os seus olhos, quase via o seu sorriso, quase via os detalhes talhados em sua face, quase o tocava. Podia ouvi-lo e quase via as expressões do seu rosto enquanto falava. Podia beijá-lo e quase sentia os seus lábios tocarem os meus. Podia abraçá-lo e quase sentia o calor do seu corpo.
Por vezes, a cortina quase se abria permitindo a nossa aproximação. Por vezes ela se tornava mais opaca e mal me deixava ver o contorno do seu corpo e os seus gestos. Por vezes eu chegava a duvidar de que você continuava ali, vez que até a sua respiração parecia calar.
E, nessas horas, eu já não podia saber se você chorava ou sorria, se estava sério ou sereno, se existia brilho no seu olhar, se havia sinceridade nas suas palavras, se eram ternos os seus movimentos, se murmurava ou gritava, se estava em paz ou remoendo ódio.
Tão próximos e tão distantes. Uma distância que inexistia entre nós, mas que era imposta pelas suas palavras: ora agressivas, ora repletas de ternura, ora espaçadas, ora vomitadas como se fossem lavas de um vulcão em erupção.
Transpor a cortina era impossível. Tentei várias vezes, mas quando tinha a impressão de que você até a abriria para mim, facilitando a minha passagem, era surpreendida, instantes depois, com a imposição da sua força para mantê-la fechada.
Pedi-lhe para que a abrisse. Ah, pedi sim, muitas vezes! Sua sombra, que eu ainda via atrás do suave e delicado tecido, parecia traduzir receio, dúvida – a incerteza sempre presente – motivada pela insegurança que eu atribuía às desilusões do seu passado. E, sem coragem, você optava por mantê-la fechada, embora insinuando que eu deveria transpô-la. Como? Sua anuência era imprescindível!
O tempo passou. Tantas vezes avancei nas minhas atitudes visando realizar o grande desejo de ficar ao seu lado. Não mais do lado oposto, mas ali, junto de você! Tinha a impressão de que faltava um único passo, meu e seu, para nos abraçarmos verdadeiramente, para olharmos nos olhos um do outro, sem mais qualquer coisa que pudesse anuviar o brilho do nosso olhar. Para que nos tocássemos e, na mistura do calor dos nossos corpos, assinássemos o juramento que fizéramos um ao outro de que seríamos um, pela eternidade.
Faltou-lhe coragem. Faltou-lhe crença. Faltou-lhe confiança. Não tanto em mim, mas, muito mais, em você mesmo! O meu amor não deixava margem para dúvidas, mas a sua insegurança não lhe permitiu acreditar nele e nem mesmo em você.
A distância parecia cada vez menor, quando você decidiu afastar-se, recuar. Vi sua sombra caminhando de ré, dando-me a esperança de que assim seria mais fácil voltar, correr para mim, envolvendo o meu corpo com firmeza, com paixão, com amor, de forma a selarmos a nossa união.
Mais uma vez o medo venceu. E sua opção foi a menos provável, a menos esperada, a mais dolorida de todas. Engatado na marcha ré, você acelerou o passo, desaparecendo na escuridão, longe de mim, do sol, da lua, das estrelas, transformando a suave cortina de um branco e transparente “voile”, numa verdadeira porta de aço intransponível.
Algo inexplicável não me permite sair do lugar. Não mais vejo sua sombra, não mais vislumbro os seus movimentos, não mais ouço a sua voz. Mas ainda espero que a barreira de aço não seja matéria prima do seu coração e volte a ser substituída pelo tecido leve. E quando isso acontecer, não esperarei pela sua aquiescência! Vou me transportar para o seu lado e não mais o deixarei partir! E o farei feliz, como sempre sonhei!