Chega um momento em que paramos e não sabemos mais qual direção tomar, o que pensar, o que pleitear, o que exigir. Desconhecemos como justificar o que julgamos injustificável, como defender o indefensável, como ofender o agressor, que atitudes tomar na esperança de evitar ou pôr fim ao que os nossos olhos estão presenciando, os nossos ouvidos não nos escondem e o nosso coração.... ah! este nosso coração, chora, se encolhe, não crê que seja possível alguém como nós, portador de corpo e alma, de vida, de raciocínio, dotado de todos os órgãos dos sentidos, que pode andar, ver, ouvir, falar, pensar, sentir, seja capaz de cometer as maiores perversidades, as mais vis atrocidades que um ser vivo poderia cometer, mas que nem mesmo os irracionais cometem, o que nos leva a crer que estes são mais humanos do que tantos que são classificados como homens!
E tentamos nos colocar no lugar das mães, dos pais, dos irmãos, das esposas e maridos, das famílias, dos amigos, enfim, das pessoas que amam os seres que a nossa consciência e o nosso conhecimento nos apontam como vítimas de atos inconseqüentes, selvagens, animalescos, maldosos, insanos, irracionais, de matadores inescrupulosos, egoístas, covardes.
Por mais que tentemos, não conseguimos avaliar integralmente a dor e o desespero desses familiares e tampouco das vítimas que sobrevivem carregando no corpo as marcas dos ferimentos e, na alma, as chagas do pânico, do medo, dos traumas que os seguirão enquanto viverem.
Só quem perdeu um filho pode avaliar a dor dessa perda. Só quem perdeu alguém que ama, de forma trágica, em conseqüência de um ato desumano, sabe a qual dor estou me referindo.
Podemos imaginar sim, podemos sentir a alma partida, o coração chorando, a revolta nos dominando, porque alguns de nós têm o dom da solidariedade com o nosso semelhante, têm a capacidade de se transportar espiritualmente para o lugar do outro e chorar junto ou tentar dar um pouco de conforto. Mas estamos muito longe de sentir a mesma dor, de sentir o coração sangrando como se punhais o tivessem dilacerado.
Podemos dar sugestões às autoridades, podemos exigir maior segurança e, principalmente, o cumprimento das leis penais. Podemos nos movimentar pleiteando o fim da longa espera de julgamentos. Podemos propor o fim das penas absurdas que jamais serão cumpridas, pois ninguém tem o tempo de vida determinado em diversas condenações. De que adianta condenar o criminoso ao cumprimento de trezentos anos de prisão? Condene-se ao tempo máximo permitido pela nossa legislação, mas não depois da prática de tantos crimes, depois que o próprio bandido já cansou de matar ou já transformou o crime na sua rotina de vida.
Mas, o principal a fazer não é isso! A medida mais eficaz não está nas mãos das autoridades, dos policiais sérios, das leis.
Somos todos responsáveis e a solução está dentro de cada um de nós!
É preciso que atentemos para a nossa reforma íntima!
Somos extremamente egoístas, deixamos, tantas e tantas vezes, de tomar atitudes simples demais, mas capazes de transformar, para melhor, as pessoas que cruzam a nossa vida.
Não basta, apenas, orarmos, praticarmos a caridade, sermos amigos, nos doarmos quando amamos, ensinarmos, amealharmos bens que levem o conforto aos nossos, trabalharmos com responsabilidade, nos tornarmos cultos, nos descobrirmos inteligentes, demonstrarmos sensibilidade, sabedoria, enfim, obedecermos a parte mais prática e fácil da cartilha que nos foi ensinada durante a nossa infância.
Amar alguém que amamos, dar amor a esse alguém, é fácil demais! Não requer nem mesmo que pensemos para nos doarmos. É automático! Difícil é dar amor, carinho, atenção, compreensão, a quem nunca amamos ou a quem deixamos de amar, se é que é possível deixar de amar. E isso, são raríssimas as pessoas que conseguem!
Nós somos responsáveis por nós mesmos, pelas crianças de hoje, pelos nossos adolescentes, mas, inclusive, por todos os seres que, de uma forma ou de outra atravessam nossa estrada, seja para prosseguir conosco a caminhada, seja tão somente para marcar sua presença, pois todas essas pessoas nos ensinam alguma coisa, nos doam uma parte de si, nos iluminam em algum momento da nossa vida. A recíproca é verdadeira!
É uma bênção divina amarmos e nos sentirmos amados, possuirmos família, amigos, trabalho, estudo, saúde. Maior bênção ainda é estarmos dotados da emoção sem necessidade de perdermos a razão. É sermos racionais, sem que seja preciso deixarmos de ser humanos e fraternos, sensíveis e emotivos sem perdermos a lucidez.
Como podemos exigir das autoridades executivas, do legislativo, do judiciário, de pais insanos ou irresponsáveis, carentes ou imaturos, pobres ou ricos, miseráveis ou não, que modifiquem de uma hora para outra um caos que vem num crescendo desde sempre? E não se diga que isto só acontece no Brasil, porque estamos carecas de saber que no mundo inteiro a crueldade, na essência da palavra, predomina sobre o bom senso, o humanismo, o amor.
A mudança tem que ocorrer dentro de nós! Literalmente dentro de nós! No nosso coração, na nossa alma, nos nossos sentimentos, no nosso ego!
É imprescindível que os homens aprendam a abandonar o orgulho, a vaidade, o egoísmo, a ânsia do ter antes da ânsia do ser, a dar sem esperar pelo receber, a se unir em de vez de se calar quando o silêncio só faz bem a si próprio.
Homens que cantam sua inteligência aos quatro cantos do mundo não se envergonham de dizer que não perdoam, não escondem sua indiferença ao sofrimento de pessoas que um dia lhe foram muito caras ou, por alguma razão fizeram parte de suas vidas e que continuam os amando mesmo sentindo tristeza quando se deparam com mudanças radicais decididas unilateralmente, alimentando o orgulho, a vaidade, o egoísmo.
Ninguém cruza a vida de alguém por acaso!
O que estamos ensinando aos nossos jovens e o que esperamos do seu futuro, se não tivermos a humildade de ouvir, compreender, ensinar, perdoar, tratar todo e qualquer ser humano como nós gostaríamos de ser tratados?
Ouvimos pessoas dotadas das mais importantes qualidades, física e espiritualmente, que esbanjam sensibilidade, responsabilidade, inteligência, fé, mas que não têm qualquer escrúpulo para dizer que nunca perdoarão, usando até o nome do Pai para suas afirmativas, justificando não serem Deus para perdoar.
O que é feito de um coração capaz de não perdoar e, sem qualquer vergonha, afiançar que nunca perdoará? O que é feito de uma alma que guarda mágoas, que guarda rancor, que se sente melhor do que as outras, a ponto de praticar a indiferença, o desprezo, a ignorância, a ofensa, o uso de palavras ou a prática de atos que calem tão profundamente nas pessoas mais sensíveis, a ponto de fazê-las perdoar sim, não guardarem mágoas, mas, infelizmente, sentirem a dor do desprezo que, geralmente, parte da última pessoa que se pudesse imaginar capaz de tanto?
É tão simples dizer “bom dia”! É tão gostoso oferecer um sorriso! É tão gratificante podermos tratar todas as pessoas com igualdade, com respeito, com ternura, com afeto, com amor! E se isso nos faz tão bem quando nos dirigimos a pessoas estranhas, quão bem nos faz quando nos dirigimos a pessoas que fizeram ou fazem parte de nossas vidas pessoais?
Como cobrar do outro aquilo que nós não somos capazes de fazer? Como exigir, de cabeça erguida, de um ser desestruturado material e/ou espiritualmente, que ele respeite a vida, a integridade física, o modo de ser e até mesmo o patrimônio material e cultural dos seus irmãos, se não descermos do salto, se nos julgarmos inteligentes demais, se não soubermos mudar em nós mesmos aquilo que pregamos, que recriminamos, que sabemos correto ante os olhos de Deus?
Como ensinar ao criminoso que as pessoas não merecem morrer pelas suas mãos e, no entanto, sairmos por aí defendendo a pena de morte? Ele, o bandido, não pode matar, mas nós podemos?
Como ensinar, cobrar, exigir o respeito pela vida, pela saúde, pela família, pelo ser humano, se não conseguirmos ser humildes, caridosos, compreensivos, amigos, ouvidos?
Diz o ditado que a educação vem do berço. Eu não acredito! A educação está dentro de nós. E se não conseguimos tê-la em prol de nós mesmos, da nossa vida terrena, praticando intimamente o que mais cobramos nos outros, como poderemos ensinar, cobrar, exigir dos outros? Não importa quem sejam os outros! A caridade, a humildade, a ausência de orgulho e de vaidade, a compreensão, a união, o estender a mão, o ouvir, o falar, o ensinar, o aprender, tem que ser praticado por nós com todas as pessoas, desde os nossos companheiros, pais, filhos, amantes, amigos, colegas, superiores, subalternos, parentes, até o ser mais insignificante, aos nossos olhos, porque, tenham certeza, esse mesmo ser que para nós nada significa é tão filho de Deus quanto nós e significa muito para alguém!
Mais do que nunca é chegada a hora da nossa reforma íntima. Com toda certeza não foi por acaso que o menino João teve sua vida interrompida brutalmente. Ele e tantas outras crianças e adultos cumpriram a sua mais importante missão nesta vida: abrir os nossos olhos para que compreendamos que precisamos mudar. Nós, individualmente, intimamente, para que tenhamos possibilidade de contribuir para com a mudança da nossa sociedade, dos nossos irmãos menos aquinhoados, espíritos que necessitam ser educados para, como nós, buscarem a sua evolução.