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Cartas-->"Em nome do Pai" -- 05/05/2007 - 10:51 (Alexandre Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

“ Espere um pouco! Vá devagar! Primeiro me tiram os ídolos da música. Renato Russo e Cazuza. Raul Seixas e Fred Mercury. E tantos outros. Depois me tiram os amigos Pedro Doyle Lontra e Otto de Carvalho Araújo. Agora, me tiram meu pai. E também na hora errada, pois suspeita-se de erro médico. Todas as mortes inesperadas. Todos tão jovens, tão inteligentes e tão vivos! Como vocês fazem falta! O mundo anda tão sem graça. Me sinto impotente, depressivo, com as mãos atadas diante do destino devorador, do acaso impiedoso. A vida é tão frágil e a morte tão gratuita. Dá até uma estranha vontade de ir junto, partir. Mas lembro de minha filha, linda Camila, minha companheira Isabel, E todos os meus amigos e familiares.Na verdade, é egoísmo querer morrer, e também é egoísmo querer que os outros não morram. Tudo deve seguir a misteriosa seqüência da vida, a engrenagem que não para, e que ninguém explica. Pelo menos até hoje.
Pai, seus últimos anos não foram fáceis. De cadeira em cadeira, você fez a sua vida. Da cadeirinha de bebê, passando por milhares de cadeiras, à cadeira do ônibus que nos trouxe do Rio de Janeiro à Brasília, em 1979. Você sentou na cadeira da faculdade de Administração. E como foi competente nessa cadeira!Sentou nas cadeiras dos bares e das maternidades, nas cadeiras das mesas de nossas diversas residências em Brasília. Mas a vida estranhamente segue e nos surpreende.Da hipertensão à cadeira de hemodiálise, do transplante renal à cadeira de rodas. E se tudo existir e tudo for verdade, tenho certeza que nesse momento, estás sentado na cadeira ao lado de Deus. Sei que não tenho muita fé, e nem acredito muito nisso. Me perdoe, meu pai, por isso.Mas entenda aqui, Deus em sentido amplo. Entenda meu jeito estranho de ter fé. Estou triste sim. Mas como já disse, não quero ser egoísta e chorar. Se foi para o seu bem, para alívio de sua dor, é melhor que tenha sido assim. Nesse momento, pouco importa nossa dor, e sim somente a sua.
Meu velho Domingos; que conversou sempre comigo sobre diversos assuntos.Que brigou e que riu comigo. Que debochou dos políticos da TV. Que escreveu sobre tudo e todos.Que já me levou e buscou na Escola Classe 308 Sul.Que me levou para brincar na máquina de datilografia do extinto DASP, quando eu ainda era uma criança.Que bebeu cerveja comigo e que passou tantos outros momentos inesquecíveis, agradáveis, alegres e tristes. Que foi meu professor de ética, de vida, de inteligência, de humildade, de pureza da alma e simplicidade.Meu professor de bom humor, embora nesses últimos anos, tenha sido raro o seu sorriso. Mas pode ter certeza que todos nós, no fundo, apesar das brigas, estávamos torcendo por você. Pra você voltar a andar, a viver e a sorrir. È estranho meu pai, mas o amor tem diversas facetas. Às vezes brigamos, xingamos, falamos a verdade cortante, embriagante e desconcertante, mas mesmo assim se quer o bem.
Getúlio Vargas disse que saiu da vida para entrar na história.Você saiu da vida pra fazer nossa história. Seus filhos e esposa, seus melhores poemas. Sua vida, sua obra prima. Obrigado por tudo e por todos esses anos de convivência, ensinamentos, e novamente, alegrias e tristezas. Perdoe os nossos pecados. Em nome do Pai, da Mãe, dos filhos, de todos os espíritos e santos, Amém!
Alexandre Medeiros, em 03/05/2007.
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