Dei uma olhada na janela e vi um dia lindo.
Umas balas perdidas, porfim encontram, felizes, um destino certo. Ora um coração, ora um cérebro.
Era o fim de uma jornada incerta que poderia acabar infrutífera em um muro ou poste ou mesmo na chaparia de um veículo.
Mas que baita sorte!
Encontraram um ser vivo, e humano, para concretizar aquilo para que elas foram projetadas: causar a morte.
E o dia continua lindo.
Não é que uma enxurrada na noite anterior levou algumas toneladinhas de lama morro abaixo, varrendo a sujeira para os rios e levando dejetos poluentes até o mar.
No caminho também trataram de promover uma reforma urbana mais que necessária na cidade, arrastando barracos e casebres que enfeiam a paisagem das cidades e ainda contribuindo com a redução efetiva da pobresa, com a morte dos pobres.
É isso que se pode chamar de um belo dia.
Um dia em que a velocidade dos veículos mais potentes tende sempre a vencer seus obstáculos humanos, atropelando-os.
Um dia em que o grupo de donos-do-poder continuam suas articulações para perpetuar a permanencia hereditária no comando do país, e ainda sangrá-lo monetariamente, enquanto o sol já chega em seu zênite.
Que beleza!
Vou dar um passeio pelas ruas e parques, onde posso ver a fauna humana de pedintes, loucos, miseráveis e pivetes, todos ávidos de ganhar pipocas ou carteiras, mediante uma movimentação fortuita ou mais violenta.
Pela tarde, após a lauta refeição, tiro minha soneca, minha "siesta", já que nesse país sem personalidade é feio não falar outro idioma, somos obrigados a entender tudo o que falam os gringos, mas sabemos que eles cagam e andam para "nosotros".
Com o sol forte da tarde vou à praia, ver as xotinhas desocupadas que vivem a rolar nas areias, mas me deparo com lixo na calçada, despachos na areia e manchas de óleo na praia, acompanhadas de uma procissão de pássaros e caranguejos moribundos.
Mas que hora feliz é o crepúsculo, que antecede nosso merecido repouso, também chamado de "ângelus" nos tempos da violenta dominação católica, hoje é sinicamente chamado de "happy hour", como querem nossos dominadores ianques, e vamos embora.
Mais um dia feliz que se acaba.
Que mentira, os dias são eternos, nós é que ficamos a girar feito perús do espaço.