“Quem sabe agora neste mês abre-se a válvula de escape, quem sabe o sonho de escrever um sonho em detalhes não me escape, eu que desejo deter um fiapo de delírio nas mãos mas o medonho me foge, oh quimera danada, que sempre me aparece aos poucos, sempre sorrindo distante e eu, pouco, me reservo o direito de amá-la às escondidas, bandida. Quem sabe eu possa destrinchar teu sorriso de fátuo-fogo, quem me dera desobedecer às normas de todo o tempo, obedecer ao cego impulso de saltar etapas e voar sobre ti num momento delicioso para então macular teu rosto lindo com um sonoro beijo estalado, ah se eu pudesse, doçura. Ah se eu pudesse. Se eu pudesse me perder agora em tuas mãos, em teu gosto definitivo, em tua língua que equilibra os pontos do doce-azedo com o sal de minha alma, ah se me deixasse envolver em tuas suaves ondas de pele macia, branca, alva como a nuvem que me acompanha, ah, eu seria o homem mais feliz da face da terra. Viu? Eu sofro à distância e me dou este direito, o de te desejar oculto nas sombras de minha outra presença, o de esperar em segredo que as lavras de ouro dos desejos assomem à superfície de teu gozo, eu me arvoro a vontade de ficar á espreita de teus passos leves a desenhar na esquina teu suave contorno de nariz altivo, olhos grandes e pensativos. Ah se desse. Se eu fosse mais ousado te convidaria a dar um passeio por distantes campos que habito, em minha vida nada deserta, te convidaria a percorrer meus caminhos difíceis já trilhados e libertaria todas as forças que se ocultam por trás de todo sonho represado; ah se eu ousasse mais, decerto não te escreveria, apenas como fazem tantos(eu julgo) te convidaria em pleno sol a conhecer as nuances de minha alma experimentada e o mais que pudesse ouvir de “não” seria em tua boca o mais sonoro sim, tal é meu encanto. Ah, se fosse mais sólido este nosso romance, se fosse mais nítido o limite entre ternura e tesão, se fosse mais terra e menos ar evaporado, seria mais eu e tu e não tu e nunca eu, entendes? Sei que sim, que o sabes, sei que flutuas num mundo de reais mudanças, sei que podes tentar, mas, bandida, quimera linda, enigma alva de pêssego, nada mais óbvio que te amar num segredo abissal, como o meu que declaro agora ao mundo. Pelo menos ninguém sabe de ti, só eu!”
