Desde criança sou uma sonhadora. Lembro-me, como se fosse hoje, o quanto eu passava tardes inteiras e, sempre que possível, noites, contemplando o céu. Existia, para mim-menina, uma certa magia em tudo que eu observava.
Ficava horas de pé, sozinha, imaginando o que poderia existir lá, tão distante, onde nuvens ficavam soltas, e que não caiam, formando figuras que eu sempre tentava interpretar.
Tentava descobrir de que forma as estrelas ficavam presas ao céu, umas grandes, outras pequenas, quase sem luz, mas todas fazendo aquela imensidão tornar-se linda, poética, deixando-me tão maravilhada.
Observava a lua como um “pedaço do mundo onde vivia Deus”, talvez porque sempre ouvia minha mãezinha dizendo que lá morava São Jorge. Eu procurava identificar o dragão, o cavalo, a espada, o Santo, e sempre conseguia enxergar tudo isso.
E sonhava. Ah, meu Deus! Quanto eu sonhava! Dizia para mim mesma, no meu silêncio e na solidão que eu buscava naqueles momentos, que um dia, quando eu fosse grande, iria desvendar aqueles mistérios. Um dia, quando crescesse, eu iria viajar num avião daqueles que vez ou outra cortava aquele céu e que, quem sabe, ali, mais perto de Deus, eu descobrisse os segredos do Criador, que dividira a terra em duas partes: uma em baixo, onde eu morava, e outra em cima, para que a gente pudesse acreditar na existência Dele, já que a parte mais bonita tinha ficado fora do nosso alcance.
E, com o tempo, vi o homem pisar na lua, desmontando dentro da adolescente romântica e apaixonada, a imagem da infância, de que a Lua era um pedacinho da Casa de Deus.
Mas é claro que muito antes disso, a eu-menina-adolescente já tinha lido e estudado esses segredos e necessitava acreditar nas teorias da física, da astronomia, da quântica, da geografia, enfim, todos os meus sonhos já tinham sido destruídos pelos livros e pelos professores.
Porém, a menina-paixão, a menina-poeta, a menina-sonhadora e eternamente apaixonada, jamais conseguiu misturar os seus sonhos de infância com as aulas tão bem ministradas pelos mestres ou pelas obras que lia.
E, assim, separei, definitivamente, dentro de mim, as duas definições, deixando prevalecer sempre acesa, no meu coração, a magia e o encantamento que em criança eu encontrei no firmamento.
O mesmo aconteceu com o mar. Vi o mar, pela primeira vez, quando já contava vinte e um anos de idade. Até então, sonhava com o dia em que veria aquela imensidão superior que eu encontrava em filmes.
Mais uma vez ressalto que determinadas coisas, para mim, jamais se misturarão.
Tal como as estrelas e a lua, podem os estudiosos me dizerem tudo que quiserem, mas, dentro do meu coração, os corpos celestiais e as águas do mar sempre terão mistérios que alimentam os meus sentimentos, as minhas crenças, os meus pensamentos e a minha vida.
E, conhecendo agora um pouquinho mais de mim, talvez você possa conseguir imaginar tudo que eu senti quando vi o oceano pela primeira vez. Meus olhos brilharam, meu corpo levitou, minha alma parecia ter se desgarrado da matéria e, feliz, mergulhado naquela imensidão. As lágrimas não me permitiam contê-las!
E vieram as grandes paixões da mulher que jamais perdera o romantismo e que nunca deixará de ver poesia no céu ou no mar.
Hoje, quase meio século depois das cenas da menina que contemplava o infinito, sonhando desvendá-lo, não sei deixar de olhar todas as noites para o céu. E creiam-me louca os que assim o desejarem, mas não existe noite, ainda que chuvosa ou escura, que eu não consiga enxergar pelo menos uma estrelinha brilhando em meio às trevas.
Eu sei que não importa se a noite é clara ou é de trevas, mas elas, as estrelas, continuam lá, brilhando como todas as noites, tal como o sol, a estrela maior, que sabemos assumir seu posto todos os dias para nos trazer a claridade e o calor que precisamos, todos nós, seres vivos animais e vegetais, para podermos viver.
Para vê-las, basta que olhemos o céu na certeza de que elas ali estão e, sem dúvida, todos nós somos capazes de enxergar o brilho de pelo menos uma delas, que se fará presente para nos garantir que elas existem.
E hoje, mais de trinta anos após ter conhecido o mar, tenho nele um dos meus maiores cúmplices, portador de todos os meus segredos vez que é para ele que eu abro o meu coração completamente todas as vezes que posso estar na sua presença.
Suas águas, que nos separam do horizonte, dão-me a impressão de que, se de uma forma estamos muito distantes do “fim do mundo”, de outra constatamos que o arco-íris não está tão distante de nós, que a lua e o sol “se escondem” e “surgem” bem ali, do outro lado, onde ele, o mar, “termina”.
Suas águas representam autoridade, domínio, mas, ao mesmo tempo, proteção, beleza, pureza.
E hoje, meio século vivido contemplando a lua de São Jorge, o pedacinho das terras de Deus, a mulher-menina encontra sempre o seu amor, porque o luar, inspiração de poetas, amantes, namorados, é sim, para mim, o olho através do qual não só Deus nos observa de Sua morada, mas, também, o reflexo do brilho dos olhos de quem me ama, de quem eu amo e dos meus próprios olhos porque refletem, com toda certeza, o amor que existe dentro de mim.
Por isso tudo eu me rendo sempre ante as estrelas, o mar e o luar.