No canto dos pássaros ouço a tua voz murmurando o meu nome. Flagro-me, incontinenti, num diálogo telepático com esses amigos que demonstram o quanto a natureza é maravilhosa, quão perfeita é a Criação.
Vejo, através deles, a personificação da beleza. Suas cores, o seu trinado, sua comunicação, sua liberdade, seu respeito à noite e ao dia, sua alegria e sua dor sempre expressas através do seu cantar.
Nasceram para ser livres e, como os homens, nem sempre conseguem. Há pessoas que se sentem bem aprisionando o que amam, sentindo-se seus proprietários. Há os egoístas que preferem manter numa redoma (gaiola), o que reputam belo, para sua apreciação exclusiva. Há quem entende como troféu a presa mantida. Há quem interprete o canto sofrido e a poesia, substitutos de lágrimas, como marchas carnavalescas ou românticos tangos e boleros.
Nasceram para voar e, como nós, sonham alçar as alturas. E dão velocidade às suas asas como nós damos asas à nossa imaginação. Tudo que precisam, como nós, é que não sejam encontrados, às vezes por simples e pequena distração, pelos malvados estilingues, ora encontrados nas mãos de quem pensa estar brincando, ora nas mãos de quem atira sua pedra por pura maldade.
Cantam a vida e conversam com seus iguais, tantas vezes chamando ou respondendo também para nós, estrangeiros em sua seara, mas contemplativos e admiradores de sua realeza.
Foi assim quando te conheci. Vi um menino passarinho, com vontade de voar, permitindo-se mostrar toda sua beleza, expondo os seus trinados através da poesia e das palavras doces, sentindo o perfume das flores que atapetavam o nosso jardim, inspirando o ar puro que envolvia o nosso espaço.
Dei asas à nossa imaginação e, juntos, alçamos vôos inusitados e nos vimos, tantas vezes, tão próximos das nuvens!
Viajamos, através dos pensamentos e dos sentimentos, para lugares inimagináveis, nos sentindo verdadeiros pássaros que tanto se assemelham a anjos alados.
Com toda certeza, nossas vozes trinavam belas sinfonias, quando, envolvidos no mais puro amor, permitíamos tão somente às nossas almas e aos nossos corações que extravasassem o que sentíamos.
Sem dúvida alguma, nossa pele refletia o brilho e a maciez de suaves penas que protegiam os nossos corpos, guardando o calor que sentíamos arder dentro de nós.
E sonhávamos e viajávamos! Não nos interessava o passado, tampouco o futuro. Importava, sim, o momento vivido. E, assim, seguíamos batendo as nossas asas, sempre juntos, pois quando a necessidade da ausência imperava, só tínhamos uma forma de saciar a nossa saudade: compondo novas canções (poesias) para, juntos, trinarmos uma nova sinfonia.
Tem sempre um “mas”, não é mesmo? Conosco também houve.
Crianças inconformadas com a beleza do nosso vôo armaram os seus estilingues e fizeram o que mais sabiam fazer: atiraram pedras!
E tu foste o primeiro a ser atingindo! Tentei salvá-lo através de luta inglória. Quis te mostrar que eras mais forte do que as pedras atiradas, que elas tentavam me machucar e tinham até conseguido, mas que o nosso amor era soberano, maior, imune a qualquer arma ou atirador e que deveríamos vencer todas as batalhas a que fomos submetidos.
Não eras tão forte quanto eu acreditava e, como num passe de mágica, sentiste, com força incomum, a dor que te causaram as pedras atiradas atingindo o teu coração e que modificaram os teus pensamentos, levando-te a crer que os atiradores seriam os teus benfeitores, arrancando-te da agonia que te apertava o peito.
As pedras continham perigoso veneno. Foste contaminado.
E, sem demora, abandonaste o nosso vôo e desceste para o tão almejado encontro com os imaginados benfeitores.
Tuas asas não ficaram feridas, mas os vôos que alçaste depois, indubitavelmente, não tiveram a beleza, o perfume, a poesia, o amor que existiu nos nossos vôos.
Hoje os meus vôos são solitários. Meus trinados traduzem as lágrimas que molham as penas que me protegem do frio, da chuva, da tristeza, da solidão.
E quando estou nas alturas, acelero as minhas asas todas as vezes que um sinal me acena que a esperança voa comigo e, em algum lugar, algum dia, nos encontraremos novamente. Tu, sem cicatrizes. Eu, com as asas abertas para te abraçar mais uma vez!