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Cartas-->SÃO PAULO - SAMPA QUERIDA -- 25/01/2009 - 16:34 (Ivone Carvalho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SÃO PAULO – SAMPA QUERIDA
(Ivone Carvalho)

Há mais de meio século eu vivo em São Paulo, na maior cidade da América Latina. Aqui nasci e sempre vivi. Foi nesta terra abençoada, onde a energia parece emergir do solo, que aprendi tudo que sei. Foi na Vila Maria, bairro da zona norte, que nos tempos de Jânio Quadros, tornou-se o mais conhecido da cidade, que morei até os vinte e um anos. Há vinte e nove anos estou na zona oeste, mas é na zona norte que estão as minhas raízes.

Vi esta cidade crescer. E como cresceu! Mas fecho os olhos, neste momento, e com saudades vejo a São Paulo que me ensinou a amar e respeitar o meu berço.

Mergulho num passado não muito distante e vejo bondes trilhando sobre as principais avenidas. Iluminação pobre nas ruas e alamedas. Amplos terrenos vazios, iniciando loteamentos que se transformaram em grandes e populosos bairros. Capelas da periferia que hoje são quase catedrais. O caos que revolucionou o trânsito da cidade, quando foram iniciadas as obras da primeira linha de Metrô – a Norte-Sul, com poucas estações no início, mas já servindo uma grande população que, fascinada, utilizava o coletivo de primeiro mundo, tão diferente dos poucos ônibus que serviam esta terra.

Vejo o Martinelli, atualmente escondido no centro da cidade, ante os elevados edifícios que tiraram dele a marca de mais alto prédio da Capital. Vejo Sampa sem viadutos cruzando o Parque Dom Pedro, em todas as direções. Eu admirava aquela região central que, na minha opinião infantil e de adolescente, só perdia sua beleza quando a eterna garoa se transformava em temporais, obrigando o transbordamento do Rio Tamanduateí, que mesmo após canalizado, utilizava-se dela para a vazão necessária, inundando o Parque e proibindo o acesso de qualquer veículo.

Lembro-me dos blocos de Carnaval desfilando pelas ruas do bairro. Quem quisesse brincar, não precisava ir tão longe! Bastava juntar-se aos foliões e sair cantando e pulando. Mais tarde, era nos salões paroquiais que nós, adolescentes, vivíamos a alegria da festa carnavalesca. Não se pagava ingressos a preços altíssimos para ver passistas e baterias e, assim, quase toda população participava.

As escolas de samba principais desfilavam na Avenida São João. Eu ainda encontrava os retardatários, com suas fantasias mas já descalços e cansados, quando, na quarta-feira de cinzas, eu ia para o trabalho, no início da tarde. Nesse dia, eu me sentia uma privilegiada por trabalhar em plena São João! Aliás, não saberei nem reproduzir o orgulho que senti e as lágrimas que chorei quando ouvi, pela vez primeira, Caetano homenageando em “Sampa” o cruzamento da Ipiranga com a São João – era exatamente ali que eu trabalhava e, portanto, passava a maior parte do meu dia!

Ah! São Paulo, minha Sampa querida! Você cresceu para todos os lados! Hoje, atravessando a imensidão de bairros tão afastados e tão povoados que mais parecem cidades, eu volto ao passado e penso: “mas o mapa não era tão grande assim!” Ou será que era e nós, os paulistanos, não percebíamos?

Sampa cresceu e, com ela, a criminalidade, a falta de escolas, o número de filhos desaparecidos e de crianças marginais e marginalizadas, o desemprego, os congestionamentos, as inundações, a precariedade do atendimento à saúde, a insegurança, o medo de sair à noite, de parar em cruzamentos de trânsito e até de descer do carro, na porta de nossas próprias casas, para abrir o portão e estacionar.

Sampa cresceu e, com ela, as possibilidades de trabalho, os lugares dedicados ao lazer, o mercado hoteleiro, o turismo, o número de restaurantes, de negócios, de centros de compras, de parques, de escolas, de hospitais, de gente sempre apressada, de gente que ri e que chora, de pessoas que ainda encontram algum tempo para tomar uma cerveja com amigos, nos finais de expediente de trabalho.

São Paulo é isso! Uma cidade repleta de contradições, onde o pobre e o rico caminham na mesma calçada, em busca de uma vida melhor.

Nem poderia ser diferente! É esta a terra que mais agasalha brasileiros migrantes de todos os Estados do país. Que abre os braços a todas as raças, que faz seus filhos chorarem indistintamente pela morte trágica de qualquer irmão. Enfim, que tem sempre um cantinho em algum lugar, para abrigar a todos, independentemente de cor, religião ou nacionalidade.
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