Na ociosidade interminável de minhas noites sem você, a imobilidade do silêncio me devora a alma feito um ácido de grande poder de corrosão. É quase insuportável a saudade no meu peito, ainda mais por saber que você também deva estar experimentando uma sensação parecida com a minha, pois tuas palavras apaixonadas me levam a acreditar que o nosso amor é infinitamente grande.
Num momento ou outro até, tento não pensar em você, mas no fracasso de minhas tentativas eu me deparo com a certeza de que minhas limitações são tamanhas que não tenho nenhuma chance contra essa gigantesca força chamada amor. E então me rendo feito um crente fervoroso ao imensurável poder de Deus. Deixo os pensamentos me lançarem até você, mais precisamente aos nossos momentos tão bem registrados na minha memória.
O passado, embora ainda recente, passa-me na cabeça feito um filme onde se pode correr umas cenas e passar lentamente outras. E cada uma delas a seu modo me provoca sensações diferentes. Uma ou outra inclusive faz-me verter lágrimas, lágrimas essas que, ao formar uma gota pesada demais, escorrem-me pelos cantos dos olhos e vai morrer no travesseiro, o qual desde a última noite, exala o perfume inconfundível de teu corpo. Aliás, talvez por causa desse teu cheiro, que penetra-me pelas narinas e chega aos mais longínquos recantos de meu cérebro, essa saudade me parece mais terrível de suportar.
Penso em saltar da cama e, assim seminu, apenas com as roupas de baixo, pular pela janela e voar até você feito Ícaro. Mas ai me dou conta de que não tenho asas, de que se me atirar pela janela, ao invés de encontrar os teus braços macios, quentes e apaixonados encontrarei tão somente a dureza e a indiferença das pedras frias da calçada. E já que não tenho asas, penso em sair em disparada pela porta da sala, atravessar a rua e correr até sua casa num único fôlego. Mas não sou aquele personagem da mitologia grega cuja corrida de uma cidade a outra deu origem à Maratona. E embora moremos na mesma cidade, a distância é grande demais para que se possa tentar o mesmo feito.
Olho no relógio. E os ponteiros se misturaram para iniciar um novo dia. Tento conter a euforia e a vontade de que estas passem rápido a fim de que finalmente eu possa estar nos teus braços mais tarde, nessa data tão especial para nós, os amantes. De repente o passado e o presente se misturam. Então surge o futuro. Penso no que faremos, onde iremos e no melhor momento de entregar-te o meu presente, o qual tenho certeza de que te provocará surpresa; tento imaginar qual será tua reação, a expressão de teu rosto, de teus olhos e de tua boca; indago-me que palavras me dirás. Mas ao mesmo tempo imagino-te muda, sem palavras.
Confesso que também sou tomado pela curiosidade em saber como me surpreenderá. Embora você me seja o melhor presente que o destino me deu, portanto nenhum presente poderá se igualar a esse. Ainda sim não posso deixar de desejá-lo. Pois por mais simples que seja, o que ele representará não há preço que pague. Nada poderá valer tanto quanto o prazer de contemplá-lo com a única finalidade de trazer-me de volta a lembrança do momento em que me foi dado. Aliás, meu amor, foi pensando nisso que comprei-te algo durável, mais durável do que a nossa brevíssima passagem por esse mundo. Passagem que apesar de tão rápida, ter-me-á valido mais do que se fosse eterna, pelo simples fato de ter-te encontrado. Porque não trocaria esse instante de existência pela eternidade sem você. Até porque como disse Stendhal, um de meus autores preferidos: “Não amar quando se recebeu do céu uma alma feita para o amor é privar-se a si mesma e a outrem de uma grande felicidade”.
Dizer-te mais uma vez que te amo, pode até parecer aborrecido. Mas sei que, apesar de dizê-lo uma centena de vezes quando estou contigo, ainda sim você sente prazer em ouvi-la. Os amantes são assim mesmo. Só para aqueles que nunca experimentaram o amor no que há de mais profundo podem nos achar bobos, ingênuos, irritantes e principalmente aborrecidos. Aliás, estas palavras um tanto exageradas, como é o meu amor por ti, também devem ser aborrecidas, sem sentido e idiotas para quem não ama. Mas alguém apaixonado assim como eu, se as lesse, compreenderia minhas palavras e dar-me-ia razão. É como disse Pascal: “O coração tem suas razões, que a razão desconhece”.
É com essas palavras, meu amor, que encerro minha carta. Agora deitarei no travesseiro e deixarei que os meus pensamentos em você me guiem ao mundo dos sonhos e permitam que eu possa atravessar a noite são e salvo até que, “acordando vagarosamente para um trêmulo conhecimento da manhã”, posso levantar e me preparar para o acontecimento mais especial do dia: estar com você, meu amor.