Testemunho de uma sobrevivente familiar. (1)
Ana Zélia
Manaus, 22.01.1976. Retirado de um diário que silencioso foi testemunha fiel da minha vida.
Vamos aos relatos.
O que vou escrever hoje será como testemunho da minha vida, quando for assassinada terão meus colegas nesse diário,
argumentos sérios para condenar esse sujeito que some trouxe infelicidade, não só a mim como a meus filhos.
O seu primeiro erro foi dizer que eu não era mais virgem quando casei; o segundo foi dizer que o tinha traído
e o terceiro é o de julgar-me uma mulher qualquer.
Ando correndo com meus filhos, não digo com medo deste homem, mas tentando evitar essa desgraça.
Ontem quis me bater, juntamente com minha filhinha, uma vez já o fez quando ela tinha um mês de nascida,
ela ficou com o rostinho roxo, fiquei até tarde na rua, de vez em quando ela perguntava, já passou a cachaça dele?
Ele não vai me bater, nem na senhora? Coitada, custou a dormir, dormiu agarrada comigo,
hoje novamente me fez a pergunta, ela como os outros está nervosa, com medo.
O que farei meu Deus? Não sou covarde, mas deixá-lo agora será pior, ele sempre me persegue
quando o deixo já fiz três vezes e a quarta quero que seja definitiva.
O que eu tenho a fazer é ter fé e esperar nque um dia Deus me ajude um pouco mais.
É um alcoólatra inveterado.
O que farei? Contar a alguém, a quem? Curso Direito e não sei como resolver meu drama, sou uma pobre coitada.
Se contar a meus professores, eles me aconselharão a deixá-lo logo, mas como?
Será pior, o que tenciono fazer é depois de formada ir embora se ele não me matar levar meus filhos para bem longe,
mas, minha filha é uma moça, tenho um quase rapaz e a pequena.
Será meu Deus que nunca poderei ser feliz? Fazer meus filhos pessoas sem recalques?
Ajuda-me Senhor a salvar meus filhos, por favor, estou desesperada e não tenho ninguém que me ajude, só Vós.
Ajuda-me meu deus, preciso vencer salvar essas crianças.
Por favor, não me deixe só, pois só tenho a Vós. É ruim não se ter amigos em quem se confie.
Se algum dia for vítima desse homem, Deus irá me livrar e meus filhos, mas se não o fizer, não o perdoem, pois eu jamais o faria.
Sei que ele é elemento perigoso, pois premedita facilmente, levará o crime para o sentido passional,
é capaz disto, talvez diga ser débil mental, nada disto é um patife que bebe para fazer o mal com duas doses começa
a se modificar completamente, falar me desmoralizar parece que se transforma quando passa aquela fase é um cordeiro, patife, covarde, odeio.
Por favor, colegas que o defenderem, é a missão do advogado, defender. Esse homem não merece piedade.
Deve pagar pelo resto da vida, pois jamais será um ser normal. Dê-lhe a pena máxima.
Pois se eu puder evitar isto, eu evitarei, fugirei para bem longe, mas serei como andarilho, sem lugar certo,
sem um canto para descansar, andarei fugindo sempre.
Pergunto: De que adianta o meu esforço, sacrifício para vencer, ser advogada. Para isso?
Às vezes sinto asco de mim mesma. Será que sou covarde? Não. Isto nunca serei, odiar-me-ia.
Quem ler essa página, por favor, reflita bem, quem escreveu foi uma infeliz desesperada que nunca
teve amigo a quem pudesse pedir ajuda. Só teve esse amigo mudo a quem confiou sua vida.
Adeus. Ana Zélia.
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Nota da autora- Eu sobrevivi, mas a cada dia dezenas, centenas de mulheres sãpo mortas covardemente
mesmo com a Lei Maria da Penha. Nada funciona a estes bandidos, são cruéis e desumanos. A eles a vingança maior é a morte da mulher.
Este diário escrevi entre os anos de 1975, 1976, quase finalista de Direito. Manaus, 02 de abril de 2013. Ana Zélia
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