País conflagrado
SÃO PAULO - Fui ao Oriente Médio e, na volta, encontro o Brasil conflagrado.
Quando saí, o governo Dilma respirava por aparelhos; agora, estertora.
O fato que mais contribuiu para lançar combustível às chamas foi a divulgação,
por Sergio Moro, da gravação de um diálogo comprometedor entre Dilma e Lula.
Para os simpatizantes do Planalto, o juiz federal violou todas as regras atinentes
a escutas telefônicas, ao privilégio de foro e desrespeitou a instituição da Presidência da República,
a soberania nacional etc. Deveria estar atrás das grades. Para a turma pró-impeachment, Moro agiu
como herói ao lançar luzes sobre as entranhas pouco iluminadas do poder.
Como tudo na vida, a questão é mais nuançada. Pelas análises de juristas que li, acho que dá
para sustentar que a produção das provas, que incluem o diálogo comprometedor, foi legal;
há dúvidas sobre sua validade num eventual julgamento da presidente;
e é mais ou menos certo que Moro avançou o sinal ao revelar "urbi et orbi" seu conteúdo.
Isso, é claro, só vale no âmbito jurídico. Na esfera política, é preciso ser apaixonadamente
petista para não perceber que o juiz recorreu a um expediente de que o PT não só se utilizou
no passado como frequentemente elogiou, que é tornar público aquilo que aos poderosos
interessa manter secreto – mesmo que para isso certas leis tenham de ser violadas.
Para ficar num caso recente, o governo não se mostrou tão zeloso com procedimentos
quando o ex-agente americano Edward Snowden, em violação às leis dos EUA, divulgou
em 2013 dados que mostravam Washington bisbilhotava a presidente brasileira.
Um ministro de Dilma disse na ocasião que o ex-espião prestara um "serviço à humanidade".
No que a atitude de Moro difere da de Snowden? Mesmo que o diálogo não valha como prova
num tribunal, foi bom para o país ter tomado conhecimento dessa conversa?
O velho PT teria dito "sim" sem pestanejar.
Hélio Schwartsman (Folha, 25.03.2016)
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