O homem mais triste é o poeta.
E o mais triste poeta, aquele que publica.
Um poema é a autópsia da alma.
Mas a publicação é o desfile do homem decapitado.
Um homem decapitado, vivo.
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Eles se foram
O meu avô, pai da minha mãe, tinha a fama de contar piadas com perfeição.
Os gestos, as palavras azeitadas com estilo, o tempo exato para as pausas,
E um detalhe importante, muitas vezes negligenciado por outros,
A seriedade enquanto todos riam.
Meu outro avô, pai de meu pai, tinha a fama de contar longas estórias,
Com profundas mensagens e personagens variados.
Os seus maxilares marcavam as faces a cada personagem que falava,
Sua voz algodoada variava como os timbres variam em uma orquestra,
E sua magreza de homem profundo, suas pausas para degustar o tabaco.
Tudo isso dava uma graça e charme únicos
Em cada estória, por mais longa que fosse.
Eles se foram. Há um tempo não escuto estórias ou piadas.
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eXISTÊNCIA
Às vezes ela vem como se Deus existisse,
E, penitenciando-se, pedindo-me perdão
Por me roubar tanto prazer,
Andando em direção ao oratório,
E sugando de mim, de joelhos, toda a nossa oração.
Às vezes ela vem como se Deus não existisse,
Pula em minhas costas arranhando minha cara,
Feito um íncubo me domina com um açoite,
Com essa língua cheia de sangue que ela tem...