Acordei há pouco, tentei recair no sono e não logrei êxito.Fiquei pensando na vida, revirando fatos e acasos, nessas andanças que a gente percorre quando pretende modificar os atalhos que se insinuam desconfortáveis ou sinuosos demais.
À medida em que, fotograficamente, o passado desfilava em minha mente, percebia a sua presença por perto, cúmplice e calorosa. Minha alegre e forte amiga prestando atenção nos meus passos, legitimando minhas qualidades e me estimulando,
com seu exemplo, na busca do melhor que trago em mim.
Quem mais, querida amiga, conseguiria se lembrar do meu vestido
azul nas peraltices da minha infância? Ou se recordaria, com risadas, da ida ao teatro, onde eu, vinte e quatro horas antes de cabelos claros, apareci com madeixas negras, saltitante e irreconhecível?
Muito provavelmente, Helô, se eu não a conhecesse, ignoraria a força do abraço bem dado e da expontaneidade de se assumir posturas diferentes quando todos parecem ser ridiculamente tão iguais...Incrível a sua preocupação com o outro, a capacidade inata de proteger seus amigos e os tomar para si como tesouros preciosos, cristais poderosos e belos, não fadados à quebra jamais.
É bom para mim e muito me orgulha,o carinho mútuo existente entre você e meus filhos. Aprecio sua torcida por eles, a referência que constitui para suas vidas no que diz respeito ao fato de se poder ser extremamente séria em suas convicções, sendo ruidosamente alegre e bem-quista. E fazê-los rir aberto quando lhe encontram, doce sintonia...
Retornam, minha querida, inúmeras lembranças suas. A hilária festa da Sopa dos Pobres (assim denominada pela Cátia...), o amigo espartano do meu ex-marido que se encantou por você e ficou a ver navios, a aula esotérica do português que utilizava pêndulos para selecionar bananas, as incursões noturnas pelos supermercados. Enfim...
Momentos difíceis também vieram...Dia nove do mês nove de mil novecentos e noventa e nove, quando a imprensa sensacionalista alardeava a possibilidade do fim do mundo, o relacionamento que havia estabelecido desde os meus dezoito anos rompeu-se na frieza do Forum. Ali estava você comigo, paciente e preocupada, tentando
compreender a trajetória desfeita de um "casamento perfeito". Caminhadas pela Lagoa ajudaram a dissipar temores, desenvolvendo a sábia percepção de que a vida continuava e que uma nova bela fase precisava ser vivida.
Quero que saiba, minha vaidosa e bela amiga, que lhe tenho um apreço de irmã. O seu abraço só fica desclassificado para o da Thelma Tablada, nossa competente e amada terapêuta, com seu "bip" paranormal. Temos, por certo, uma longa estrada, refrescada a reflexões elaboradas visando um mundo melhor e cobranças mútuas com relação às recaídas glutônicas (afinal, você se apropriou do velho lema "mente sã em corpo são", não é?...)