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Cartas-->Canção do Exílio -- 22/04/2000 - 10:50 (Luís Maximiliano Leal Telesca Mota) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Canção do Exílio
Brasília, 22 de março de 2000

Começo a escrever este punhado de desaforos , os quais servem para ti e para tantos outros que prezo, preocupado com a maneira de começar uma missiva. Onde deveria eu colocar as melhores e adequadas palavras para a abertura de uma carta a um amigo distante? Porém, como a estética não é o fim, inicio com as seguintes considerações acerca do que vem norteando a minha concepção de vida nestes últimos três anos, no que tange as amizades.

Primeiramente, devo te dizer, sem hipérboles, que tenho quase uma centena de coisas a fazer e que, inclusive, o dia de hoje foi muito atribulado. Mas isto jamais configuraria óbice para este contato contigo, e é exatamente isto que eu gostaria de abordar de início.

Ora ora meu velho comparsa, quando foi que fomos de nos atentarmos demais para as futilidades da vida cotidiana? É claro que hoje estamos em uma outra realidade, poderia até arriscar um trocadilho: uma realidade mais real. Por óbvio que as circunstâncias de outrora relegavam nossas vidas a um contato mais permanente com o ócio e com o distanciamento (quase sempre provocado artificialmente) da rotina e dos afazeres mais robustos. Mas mesmo estas tarefas mais fortes do dia a dia não se podem costituirem em impedimentos para o diálogo dos amigos, mesmo os que estão mais distantes fiscamente.

Peguemos o exemplo de uma amiga muito estudiosa e próxima a ti. Com certeza mantenho mais contato com ela aqui de longe, do que tu com ela aí de perto, e o vínculo de amizade entre nós três é o mesmo. Sempre quando converso com nossa querida formanda, as desculpas que utiliza para a separação e o mutismo são duas: a falta de tempo e a conta telefônica cara.

Ora, quanto ao primeiro ponto, concluo com base no que disse acima, ou seja, que pessoas como nós, aparentemente desapegadas dos valores caretas em tempos antigos, não poderiam ou podem terem mudado tão radicalmente. No que toca ao segundo argumento, digo que, no mínimo, é mesquinho falar dessa forma reles e pueril para alguém tão caro a ela

A partir dessas situações um mito pode ser derrubado, qual seja, o de que as distâncias separam os amigos. Tomando como base esta constatação, assim como outras tantas que tive no segundo semestre do ano passado, principalmente com o teu colega de Turma de Medicina e também amigo comum, nos quais foi observado o mesmo fenômeno, cai por terra qualquer afirmação nesse sentido.

Já se foi o tempo em que as reuniões se davam em rodas intermináveis. Passaram e são lembranças saudáveis justamente porque passaram. Com efeito, foi bom exatamente por isto: fomos e ainda bem que não mais o somos. Tomemos outro exemplo significativo: grande conviva, habituè da periferia dos assuntos, mestre na arte de não dizer porra nenhuma e falar tudo, doutor da conciliação e Senhor Absoluto do Passado. Por tais características, as quais o fazem mais afeito a conversas do tipo "te lembras?", e por ter estado mais próximo a mim nos últimos tempos, o contato deveria ser mais freqüente. Alguém poderia sair em defesa deste nobre amigo e invocar sua principal característica que é a inoperância, faria, com certeza, uma defesa às avessas, pois a ninguém é dado o direito de invocar um defeito pessoal para suprir outro. Realmente, para que tal personagem seja absolvido, deveria ser condenado de antemão, o que poderíamos considerar como consumado e, por assim dizer, dado o caso para o querido e despreocupado amigo, como encerrado, mas o perdão do subscritor não lhe é devido.

Exemplo gritante e que salta aos olhos é o que me aflige quando penso que nem a figura mais talhada para o convívio telefônico, pois em situação análoga a minha, tem o hábito de ligar para este relativamente novo companheiro de partido.

Temos mais um caso, o qual poderia ser reconsiderado, visto que acometido de patologia mental que obscurece a sua comunicação com o mundo exterior a ponto de o deixar enclausurado ainda no passado.

Estes são apenas exemplos primeiros que me vieram à cabeça e faço injustiças, pois todos, sem exceção, não entram em contato.

Não quero aqui começar nenhum rompimento, nem ao menos parar de brincar com meus amiguinhos, eis que restaria contraditório este pequeno rol demonstrativo da irresponsabilidade com a qual a amizade é tratada. Ao revés, gostaria sim de alertar a ti, pois não quero que esta se transmita a mais ninguém, sobre os malefícios do distaciamento.

Amizades como as nossas são sólidas, construídas ao longo de um tempo muito importante para a formação de nossos caracteres, justamente porque foram à época moldadas em material maleável. Um amálgama de conceitos, paixões e contradições foi desenvolvido. Individualidades e características próprias foram transmitidas entre nós e o resultado é muito bom: pessoas do mais alto grau de generosidade, simpatia e coleguismo.

Com relação a ti, nem tenho palavras para expressar todo o meu repúdio ao teu comportamento. A crítica é generalizada, não só minha. Sei de todos os teus afazeres sextanistas e da normal putaria em que deves estar atolado. Mas não fazes o mínimo contato. Creio que, se alguns anos de análise ainda não te fizeram perder a autocrítica, deves ter remorso de não ligar, e quando me desavergonho, enfraqueço e dedilho os números do teu telefone, ou não estás em casa, ou estás em vias de ir embora, embromando o amigo velho aqui com conversinhas e compromissos que todos temos, adiando nossa prosa para um "te ligo" deslavadamente mentiroso.

Com certeza não me responderás em tempo hábil, e minha catilinária se perderá pelas ondas do ciberespaço, configurando-se em monólogo e punhetagem de novo escritor.

Gostaria de não ficar aqui somente nas preliminares, falando em mais autêntica terminologia jurídica, precisava, e por demais me aprouveria adentrar no mérito. Conversar sobre a felicidade ao lado de Jeanice, do meu trabalho e do meu carro novo. Por outro lado, dizer da minha contrariedade e decepção de quando ouvi o amigo dizer que em "Pelotas eu não sou mais um", numa nítida demonstração de acomodação com o feijão com arroz medíocre, falar a respeito do futuro e da falta que todos estes que eu à pouco defenestrei me fazem.

Satisfazer-me junto com o amigo sobre literatura, cinema e música, ou somente tomar uma cervejinha e profetizar sobre os feitos vindouros do Ronaldinho no Grêmio.

Falaria horas a fio como aqui estou, buscando um eu distante e diferente, saudoso de si mesmo, precisado de cada vez mais abraçar e dominar o mundo, mais ao mesmo tempo temeroso de que os porvires me enlaçarão por completo e que os espaços de tempo onde procurarei o passado para buscar forças, restarão exíguos e compostos de minguadas lembranças.

Gostaria, ainda, de falar com o amigo que não lamento as coisas do atrás temporal. Pelo contrário, prefiro acercar-me dos amigos e discutir o que faremos, e é esta a razão do escrito até agora.

Tenho que fazer duas ressalvas: Sandro e José Menna. Este último o mais autêntico e que com mais sucesso encarnou o desbunde que sempre quis ter e nunca tive coragem (ou competência) de encenar. Este sim me escreve, e neste momento faço o mea culpa, no mesmo instante em que o louvo pela sua inteligência e por seu estômago de avestruz, treinado na arte juvenil de beber as mais variadas porcarias.

Devo parar por aqui, mas peço a tua liçença, ou melhor, estupro mais uma vez tua paciência para declarar a minha revolta contra a mais intrigante característica humana, a contradição, e é com ela que termino esta carta, consciente de sua valia para que eu possa excusar-me das impropriedades que cometi nestes instantes.

Um abraço pelas costas do teu velho e caro irmão Max.






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