Um pouco de sorte. Um pouco de sorte e eu acerto bem este talho. Se você não corta direito, não morre, sangra muito, mas não morre, te resgatam, te salvam, você vira louco, você ganha cicatrizes, alguns anti-depressivos e só... Você volta e tenta de novo. Não me faça tentar de novo. É pior. É como viver pela segunda vez, agora com medo de que não morra. Não me faça repetir. Repetições me impedem de viver. Vai, passa logo. Não repita, vida. Passa! Passa para que eu possa ir embora! Vai vida, vai tempo. Voa. Poucas vezes você esteve aqui, vida! Sou apenas saudades. Me livra, vida! Vai embora! Antes que eu sinta, antes que eu me arrependa... Vai... Corta esse pulso... Me salva... Não me faça repetir... Um pouco de sorte, alguém de longe aparece, arromba a porta e me salva. Um pouco de sorte... Não me faça repetir. Não, não me faça porque... Ah... Orações não devem ser refeitas. Se não atendidas no primeiro clamor... Esquece... Não me faça repetir que te amo, que quero sim viver e ser feliz, mas com um pouco de sorte eu acerto este talho e não repito mais orações já desfeitas, ignoradas, e faço de minha morte subterfúgio, desculpa, birra infantil pra compensar minha mágoa, vida... Ô, vida... Por que me abandonou? Por que me deixou tão sozinha aqui? Com um pouco de sorte erro este talho, e a vida volta, vem e me salva...