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Cartas-->Sonhos apenas... -- 11/10/2002 - 03:58 (Jose Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Nestes últimos dias tenho tentado separar o corpo do coração e o coração da alma.
Quando penso que poderíamos ser dois corpos e duas almas num só, as lágrimas teimam em surgir. Pela mágoa. Por desconhecer o tempo exacto da vida. Por desespero.
Tenho odiado as palavras. O som oco que elas projectam na alma e o eco profundo que causam no coração. A ressonância que elas provocam no corpo... O som das sílabas a impor-se ao som ritmado do coração; o coração a bombear, incessantemente, sangue e o sangue a percorrer a dor da distancia do teu coração e do teu corpo (que se tornaram, entretanto, independentes e distantes do meu).
As palavras não conseguem exprimir um pedacinho, por mais pequeno que seja, daquilo que sinto...
Ouviste o meu chamamento, ainda há pouco?
Sentis-te a resignação que me invadiu quando o som repetitivo do telefone te chamava sem resposta? Não porque não o atendesses, mas porque eu desliguei antes disso.
Quiseste ter–me a teu lado para me abraçares? Para partilhar agonia, desespero, fúria, dor e tudo o mais que se juntou nos dias que te separam de mim?
E os dias... longos, ásperos, cinzentos e sem emoção! Sem o teu olhar brilhante. Sem o teu sorriso cúmplice, aquele que guardavas só para mim, para partilharmos na intimidade. Na intimidade da alma. Na cumplicidade do coração.
Aquelas que se perderam.... e o tempo que se arrasta... e eu sem ti!...
Onde estávamos nós quando escolhemos caminhos diferentes? Em que ponto da nossa rota nos desviamos? Lá à frente existe alguma encruzilhada?... eu vou contigo...e tu virás sempre, sempre, sempre comigo. Onde eu for, tu estás. O que eu lembrar, tu partilhas. O que eu pensar, tu guias... e eu sei, assim, que vou estar certo, ou pelo menos, menos errado.
...e eu sem ti!... e o tempo a arrastar-se!... longo, monótono e infinitamente triste.
Nunca pensei que estava a fazer uma escolha, ainda que inconsciente, para partilhar uma nova e enorme amizade!
Nunca quis aceitar que a outra cumplicidade espelhava a separação – gradual – do meu sangue e do teu coração; que separava o teu corpo da minha alma; que separava o teu toque do meu olhar; que separava os teus sussurros dos meus espantos; que separava os teus segredos do meu riso; que te separava de mim... perdi–me, quando te comecei a sentir que estava cada vez mais próximo de ti.
Sabes o que dói mais? O que me faz sentir estupidamente impotente? O que me arrasta com o tempo, sem me importar a inércia da alma?
É o eu sentir–te; saber que estás aí perto, mas infinitamente longe de mim. Que partilhas o tempo com os outros e eu não sei o que tu sentes; não sei o móbil do teu pensamento; não sei se o alívio faz de ti um ser diferente e ainda mais distante de mim; não sei o que o teu olhar observa; o que a tua boca exprime; o que o teu corpo emana; não sei se a tua alma – também – sangra...
Eu sei o quão fútil tu achas este pedaço de mim; imagino o sorriso prazenteiro ao leres o que me vai na alma; receio o teu completo alheamento desta minha breve – e longuíssima – realidade.
Os meus músculos esboçam sorrisos; as palavras comunicam trivialidades inconsequentes; mas eu sinto (eu vejo), o meu olhar triste, cansado, demasiado desesperado e faminto de ti.
Depois deito–me e vejo–te em pedaços de papel, que contam a história de um momento que ficou imortalizado pela luz que incidia nos pequeninos halogenetos de prata. E tu estás aqui, a sorrir e eu sinto–me ainda mais triste, mais desesperadamente impotente.
A razão responde. A alma grita. O coração acelera. O corpo esmorece.
O tempo... aquele sinal vago, que conta quando o contamos, que pesa quando nos apercebemos. O elixir do qual precisamos para conhecer o amanhã. O amanhã que eu desespero para conhecer, o amanhã que eu sonho ser.


Aparece o medo. Irrompe a alma. Entorpece o coração. Adormece o corpo... e se o amanhã não for uma continuação? E se o amanhã for um (outro) recomeço? Dói-me a alma. O coração sente um vácuo crescente que abafa a vida. O corpo chora baixinho. Por ti. Por nós. Por mim.
Sinto-me vazio por dentro; perdi qualquer coisa de mim. Afastei-me tanto da vida que não sei voltar... perdi o Norte, a bússola; o relógio parou e o tempo desapareceu. Deixaram de existir significados para a rotação da terra, do sol e da lua.
Não existem significados concretos, palpáveis, tangíveis, envolventes ou reais.
A razão tornou-se numa arma única e solitária, que não tem rival, por isso não tem importância. A alma repete incessantemente as mesmas sensações, os mesmos receios, os mesmos sentidos e, à força de tanto repetir, parou; parou por cansaço e por impotência. O coração trabalha para manter, aparentemente, a vida do corpo, mas espera teimosamente pelo ritmo do teu.. O corpo contrai-se e reage mecanicamente aos impulsos interiores e exteriores, mas sente-se faminto, sente-se corroído pelo desespero da solidão.
Não te oiço a chamares por mim, mas sinto-te a pensar em mim. Não te vejo à minha procura. Não te encontro. Não te vejo. Não te sinto. Não te oiço. Não suporto. Não quero. Não aguento. Não quero chorar. Não quero sentir-me feliz sem ti. Não quero acordar sem ti. Não quero perceber que te afastas. Não quero acreditar que te sentes feliz assim, sem mim.
Dói muito. Dói tudo. A razão comandou uma vontade que exprimia (só) um bocadinho de mim! Importante, mas pequeno.
Fecho os olhos e sonho contigo, amanhã, juntos, para sempre.
Os dois a formarmos um único.
Amanhã, onde o tempo espera, onde o tempo retoma devagar o nosso ritmo.
Amanhã, tu e eu, cúmplices e amantes, amigos e confidentes.
Amanhã, se o tempo permitir parar para nos juntar num único caminho. Juntos, até lá bem à frente, lá muito ao longe no horizonte. Longínquo. Eterno.
Não sei o que custa mais: se a espera, se a dor.
Não sei o que dói mais: se ter a certeza, se ignorar.
Não sei o que esperar: se por ti, se pelo amanhã, se por mim.
Amanhã. Sabe a infinito, não sabe? O significado do tempo. A certeza que eu aguardo recolhido, algures no tempo, em mim, na dor, na espera...
Talvez...
...talvez nunca vás ler o que eu te dedico com todo o meu carinho. Talvez nunca vás ler o que eu não digo muitas vezes: que erro, eu sei; que dói e custa muito a perceber e a assumir; que me perco muitas vezes na (nossa) realidade, porque tenho o costume de sonhar acordado com amanhãs perfeitas; que às vezes gostava de ser totalmente diferente, para experimentar novas sensações e ver novas reacções; que resmungo muitas vezes, porque custa infinitamente mais dizer o que realmente quero e sinto: que gosto muito de ti, com todas as qualidades e defeitos.
Só não sei se basta. Não sei se chega para os amanhãs.
Não quero ser capaz de compreender o óbvio: que tu e eu temos caminhos paralelos e por isso eu choro com a alma a gritar de dor, de saudades, de pânico e de angustia.
Gosto de cada pedacinho de ti, como se fosse meu.
Gosto muito de ti
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