Na esperança de que esta correspondência não alcance você num daqueles dias de profunda depressão, este seu tio do etéreo lhe escreve para afiançar-lhe que só uma coisa existe mais bela do que o sentimento que se tem dos fatos da vida, aquela estremecida ternura pela sorte alheia. Quando o nosso pensamento se desperta para o sofrimento das pessoas e tudo fazemos para minorá-lo, aí somos abençoados pelo Senhor.
Estela, querida, bem sei que a recordação de nossa convivência está quase totalmente apagada de sua memória. No entanto, só o fato de orar também por mim cada noite, me deixa enternecido e com muita vontade de expor tudo quanto venho aprendendo a respeito das teorias dos espíritos, ou seja, do Espiritismo.
Dentre os tópicos que iriam ao encontro de suas necessidades, está este que a traz em constante ebulição emocional, ou seja, o agravamento de sua infelicidade pela perda de seus pais em acidente automobilístico. Você tem recebido notícias mediúnicas a respeito do sucesso dos socorristas no atendimento de emergência dos recém-chegados. Mas sente a falta deles, porque havia concentrado neles os desvelos de seu lindo atendimento, sacrificando-se, às vezes, em termos de abrir mão das companhias alegres dos amigos, para ficar em casa.
Desse modo, você está agindo como se duvidasse do futuro reencontro. Toque a vida para a frente, fazendo o máximo pelo próximo, sem transferir jamais o seu amor por seus pais para outras pessoas, mas procurando encontrar nestas a simpatia que lhes é própria, até se afeiçoar em definitivo a alguém que possa entendê-la e lhe propiciar momentos de real felicidade.
Desculpe-me ter sido tão atrevido a ponto de mergulhar fundo em aspectos de sua personalidade que você tem buscado esconder, tanto que aquele chorona inicial, caindo sob os olhos de seus irmãos, talvez venha a surpreendê-los. Mas, se você eleva seus pensamentos ao Senhor e faz as suas preces em atenção dos que ama, não é justo que os do etéreo acorram para vibrar também pelas bênçãos de Deus?
Com uma recomendação da mamãe e do papai para que acenda as chamas da esperança, com o fito de debelar a sombra das insidiosas moléstias que assaltam o físico molestado pelos desgostos morais, assino esta missiva, abraçando-a em nome deles e beijando-a ternamente no rosto, daquele mesmo jeitinho como você faz nas fotografias de seu criado-mudo.
