Dia sete próximo passado foi o meu sepultamento.
Eu morri num acidente automobilístico ocorrido nas proximidades de Miracema do Norte, no Tocantins, nada pude fazer para evitar. E hoje, um mês após, quero revelar a todos da terra, o que pensa, o que sente uma pessoa que morre.
Quero agora comunicar-me com minha família e com meus amigos, mesmo que seja assim, através de uma carta.
- CARTA PRIMEIRA – DO CÉU PARA A TERRA.
“Queridos,
meu corpo ainda encontra-se quase intacto sob o solo, as flores ainda têm perfume, as minhas vestes estão em perfeito estado, a madeira do meu caixão ainda está envernizada.
Em meus ouvidos soam até agora as lamúrias de vocês.
Ainda ouço minha linda esposa chorando, dizendo em altos brados que jamais me esqueceria, sinto-a segurando fortemente minhas mãos gélidas.
Querida,
aqui onde estou sinto falta de tudo:
dos conselhos de papai, dos carinhos da mamãe, do sorriso do filhão e de suas carícias, mulher.
Daqui avisto você sentada no sofá da sala olhando a TV e a porta, como se estivesse a esperar que eu chegue de repente.
Ainda recordo seus beijos quentes, seu modo de falar e até de quando dormindo falava coisas sem nexo, e depois de tantas lembranças, choro sozinho.
É muito triste e doído saber que eu não mais irei voltar, apesar de desejar tanto, saber que jamais vou abraçar-te e que nosso filhinho nunca mais vai me beijar.
Querida,
não sei quanto tempo suportarei ficar olhando vocês sem poder estar aí, é por demais doído aceitar a distância ir me expulsando de todos e de tudo, pouco a pouco.
É triste e doído ver que meu filhinho não mais me espera na hora de dormir. Será que já me esqueceu? – até ele?
Nas horas que te vejo um pouco alegre, ao invés de me alegrar eu me entristeço. Já estais me esquecendo.
Nos lugares que eu freqüentava, não mais falam de mim. Meu pai até sorri, minha mãe prepara viagem de férias.
Será que de minha existência nada ficou?
Será que a dor que eu sinto de nossa separação dói somente em mim? Será que quando eu morri morreu também em vocês os sentimentos antes tão sólidos? Será que em nada eu marquei? Será??
Queria agora fechar os olhos e sentir que alguém na terra esta pensando em mim. Queria viver um pouco mais em vocês, eu queria. Peço-lhes que não me esqueças tão rápido, hoje está completando apenas um mês, deixe que complete um ano, depois podem começar a me esquecer. Ama-me um pouco, um pouquinho mais de tempo.
Sei que não fui famoso, nem lhes deixei fortuna,
nem mesmo um nome digno de respeito deixei ao meu filho.
Mas fui sempre um lutador, isso ninguém pode negar, fui honesto, não lhes bastaram??
Fui homem em todo sentido da palavra, jamais recuei nem me curvei ante as dificuldades. Deixei sempre os meus desejos em segundo plano, eu lhes ensinei o certo, eu lhes mostrei onde estava o perigo, eu fui acima de tudo, amigo.
Deixei que em mim o amor florescesse tão forte e ele continua a existir mesmo apesar da morte. Não lhes peço que se orgulhem de mim, mas também não deixei motivos para que se envergonhem.
Vou terminar,
pois dos meus olhos começaram a brotar as lágrimas e eu não sei mais o que fazer com tamanha saudade que sinto nesta hora.
Filho aqui vai sua bênção, viva sempre atento aos bons princípios e aos exemplos cristãos que o papai lhe ensinou, seja bom filho para a mamãe, você é o orgulho do papai, a minha recompensa por um dia eu ter existido na terra.
Querida esposa,
que tenha sempre sobre seus pensamentos uma luz a dar-te sabedoria, senso de justiça e forças para prosseguir..., saibas que eu ainda te adoro.
Papai, mamãe,
a bênção.
Agora percebi o quanto de bom me ensinaram,
o quanto suas palavras me valeram, mamãe.
Os seus conselhos papai, mesmo quando eram difíceis de serem ouvidos, agora os entendo.
Vocês dois foram tudo para mim e eu nesse exato momento consigo apenas dizer-lhes – muito obrigado – obrigado mesmo.
Diga aos meus amigos que eu me lembro muitíssimo deles, um por um, jamais os esquecerei.
Desejo a todos felicidades, muita paz e que Deus sempre proteja vocês, até breve........................
De quem muito amou e ainda ama,
IVAN LUÍS CORRÊA DA SILVA”
