RESPOSTA A QUESTÕES DE UMA CARTA IMPORTANTE
Minha jovem amiga
Sua carta foi inteira importante, me levou a reflexões, me transmitiu seu carinho, me fez rir. Eu já a respondi e mandei. Mas alguns assuntos que levanta, achei importante publicar, por sentir que podem ter algum valor para muita gente, pois somos ambas pessoas comuns, vivendo a vida e querendo acertar.
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Você me pede: “Vamos lá, me conte um caso...... um ótimo (o melhor) gozo... a melhor forma de dar e receber prazer....... o amor que já foi e ficou...... o amigo que nem sabe que é amado...”
Bem, minha querida, o que me pede não é um caso... Daria um livro... Tive muitos amores, alguns grandiosos. Mas um especial nem pensa que é amigo, sabe que é amor, nós dois sabemos, mas não podemos
assumir a vida de novo, por mais que o queiramos... Com ele não existiu o melhor gozo, cada gozo suplantava o anterior, eram gozos homéricos todos. A gente não podia se ver, eletricidade pura... Acho que nossa vida foi um eterno gozo, não apenas aqueles da cama. Era gozo um gesto, era gozo uma palavra que parecia desimportante, era gozo um olhar ou um toque não intencional, era gozo um simples telefonema, era gozo a briga onde cada palavra de raiva era um recado de amor, era gozo cozinhar para ele, era gozo pensar nele e encontrar no caminho seu pensamento em minha direção. E, depois da separação, o gozo continua... em mim e nele. Catorze anos após a
separação nos falamos pela primeira vez. E vimos os dois que tudo estava intacto, que nos queríamos como sempre, que sabíamos ainda não termos feito tudo a que temos direito. E não voltamos... Até há explicação nas contingências da vida, mas acredito até que haja razões das quais nem temos consciência. E você me perguntará por que nos separamos. Na ocasião nem nós sabíamos, embora tivéssemos explicações corriqueiras e vazias. Hoje sabemos que foi
uma questão de instinto: nos separamos para sobreviver: ninguém pode viver o eterno gozo!
Talvez você não fique satisfeita com minha resposta. Você pede mesmo é que eu descreva o maior e o melhor gozo. E eu não posso descrever porque o maior e o melhor foram todos, eu não conseguiria descrever, são gozos que têm que ser vividos, não descritos. Se tentasse, sofreria e gozaria de novo, e sei que seria
insuportável, ao lembrar, gozar sem ele...
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Em seguida você me conta em detalhes um amor que existiu e ficou no desejo. E termina com uma frase, dele, que encerrou o amor que não foi concretizado: "às vezes, o que não acontece é o melhor. Fica a intenção do perfeito"...
Sinto o quanto essa história te marcou. E acho mesmo que marcou por causa do mistério. Ele me parece um sábio ao dizer o que disse e que muito me tocou. Até hoje tenho um amor que sempre penso ter superado e, quando percebo, estou investindo numa esperança que surgiu sem ter motivo. Quando falo com ele entro num clima de euforia, é mais que alegria, é quase êxtase. Ele vive na minha melhor fantasia, é quando me ama e eu me permito o instante que nunca será meu. Nunca o senti me rejeitando quando rejeitou meu amor. Hoje penso nele como amigo, muito especial mas amigo somente. E nunca sei quando estou me iludindo e quando realmente estou superando a dor enorme que tomou conta de mim quando me permiti amá-lo e entregar meu amor. Acho mesmo que esse sentimento confuso em mim é porque, antes dele, eu não estava acostumada à dor terrível do não ao amor. De mim para mim, eu chamo este amor de “amor domado”, pois quando me ataca como fera, eu o domo. Mas uma coisa é certa: o melhor de tudo foi o mistério que ficou, o que não aconteceu me sustenta. E lhe conto isso porque essa experiência, bem semelhante à sua, tornou-me uma mulher mais madura, mais realista também diante do amor.
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Agora, você termina: “Bem, chega de historias que não deram certo.”
Termino também. Acho que não existem histórias que não deram certo. Existem histórias que não entendemos e jamais entenderemos. E elas não existem só para nós, mulheres. ELES também sofrem, e questionam, e se culpam... E, enquanto vivem tudo isso, nos curtem, com certeza... (Ah, belo prêmio de consolação!... rs...) É tudo tão grande e tão lindo que entender chega a ser perigoso. Então, aproveitemos para crescer, enriquecer nosso dentro e... desafiadoramente, cada vez mais amar!
Beijos, querida.
Sal
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