Como vai, meu amigo? Há quanto tempo... A vida passou depressa demais, e o dia-a-dia nos sufocou e sufocou nossa amizade. Deve fazer uns 15 anos que não nos vemos. Por telefone, faz uns 8 anos. Será que ainda lembra de mim?
Sei que é estranho depois de tantos anos eu te escrever, fique tranqüilo, não venho lhe pedir dinheiro. Apenas queria ter uma oportunidade de dizer algumas coisas a você. Coisas que eu queria ter dito antes, mas por etiqueta, por convenções sociais ou medo de você não entender, preferi me calar. Mas a solidão me toma e uma grande tristeza vem junto, fico a pensar se algum dia fiz bem a alguém, ou se apenas usei as pessoas. Sinto falta de alguém para dizer que valeu a pena eu ter vivido, mesmo que seja por o ter feito sorrir em algum momento. Ninguém diz o quanto o outro é especial, apenas quando morre, mas depois de morrer, de que serve...?
Você é um cara de grande caráter. Sempre age buscando o correto, claro que erra, mas erra por ter certeza de que está acertando. Você é um cara atencioso com todos, várias vezes esqueci da tarde e dos problemas ouvindo suas histórias e piadas, e naquelas tardes você me fez feliz. Jamais esquecerei do dia em que você largou seu trabalho e foi socorrer minha filha que estava doente e eu não podia socorrer, pois estava do outro lado da cidade. Naquele dia, eu tive vontade de te dar um abraço forte, mas preferi me conter, fiz mal.
Lembra daquele dia em que você cantou junto comigo Coração de Estudante? Eu fiquei muito emocionado, minha vontade foi de te dar um abraço, mais, um beijo. Senti um grande amor naquele momento. Não se assuste, você sabe que não sou homossexual.
Mas saiba que eu te tenho como um irmão, eu te amo muito, meu amigo. Queria ter feito mais por você, ter me dedicado mais a nossa amizade, quantas vezes deixei você no bar me esperando, enquanto eu ia dormir, para não criar problemas com minha mulher. Teve também aquela vez que você precisou de dinheiro para fazer aquela cirurgia, eu tinha o dinheiro, mas preferi juntar para trocar de carro. Eu não fui um bom amigo.
Fui mesquinho, esnobe, medroso. Que grande calhorda que sou, não soube dar valor a uma amizade, fui me prender a convenções sociais.
Queria muito ir aí te dar um abraço, mas sei que no céu não vão me receber. Infelizmente morreste sem que eu te dissesse essas coisas, morreu sem eu estar junto a você para segurar a tua mão, assim como seguraste a mão de minha filha. Talvez você não tenha como ler essa carta, mas eu precisava escrever. Saiba que apesar de tudo, eu sempre te considerei um grande amigo, eu é que não era um grande amigo.
Eu te amo, cara, eu te amo. Como queria ter dito isto antes, mas eu tinha vergonha, agora que foste, apenas ela me restou.
Seja feliz onde quer que esteja, torço para que aí encontres um amigo melhor, que não tenha vergonha de dizer o quanto te ama e o quanto você é especial.