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Contos-->RAÍZES DO PIAUÍ (Romance histórico) -- 28/02/2004 - 22:20 (Adrião Neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





Adrião Neto







– RAÍZES DO PIAUÍ –
(romance histórico)


Obra premiada em 3º lugar no Concurso de Romance
“Fontes Ibiapina”, promovido pela Fundação Cultural do Piauí, no ano de 2003.







Teresina – Piauí
2004



Revisão:
José Mendes de Sousa Moura
Valter Lima Alves





















NOTA



Os principais fatos e acontecimentos narrados nesta obra são historicamente verdadeiros. Excetuando-se Cabuçu, Cornélio, Galdêncio, Gavião, Gerusa, Inácio, Jacaré-Açu, Jaciara, Jacira, Juçara, Juvenal, Luísa, Macirajara e Manoela, que são personagens de ficção, todos os demais são verídicos.

























CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA I (1)

Pe. Miguel de Carvalho (2)

Tem o sertão do Piauí, pertencente à nova Matriz de Nossa Senhora da Vitória, quatro rios correntes, vinte riachos, com cinco riachinhos, dois olhos d’água e duas lagoas, à beira dos quais estão 129 fazendas de gados...

* * *
Esta povoação do Piauí, situada em três graus para a parte do Sul, no meio do sertão que se acha entre o rio de São Francisco e a costa do mar (... ), confina, pela parte do nascente, com os sertões desertos que correm para Pernambuco.... Para o poente confina com os matos desertos que correm para as Índias de Espanha... Para a parte do Norte, confina esta povoação com a costa do mar, correndo do Ceará para o Maranhão... Para a parte do Sul, confina esta povoação com o rio de São Francisco, para o qual tem dois caminhos (...). O primeiro que se abriu se segue por um riacho chamado Piauí, do qual tomou nome esta povoação, por ser o primeiro que se povoou...

* * *

Dentro em si é esta povoação redonda em tal forma que, fazendo peão na nova Igreja, fica com igual distância para as mais remotas fazendas que ficam para todas as partes dentro de 60 léguas, formando a Freguesia uma cruz de nascente a poente, de Norte a Sul, com 120 léguas de comprido e outras 120 de largo.

* * *

De todas estas terras são Senhores, Domingos Afonso Sertão e Leonor Pereira Marinho (viúva de Francisco Dias d’Ávila II, mãe de Garcia d’Ávila III), que as partem de meias. Têm nelas algumas fazendas de gado suas, as mais arrendam a quem lhes quer meter gados, pagando-lhe dez réis de foro, por cada sítio e, desta sorte estão introduzidos donatários das terras, sendo só sesmeiros, para as povoarem com gados seus, em tanto que até as Igrejas querem apresentar, e esta nova queriam fundada debaixo do título de sua.

* * *

Estes rios estão ao sertão povoados de muitos Tapuias bravos, valentes e guerreiros, entre os quais se acham alguns que se governam com alguma rústica política, tendo entre si Rei, e chamando a seus distritos reinos, como são os Rodeleiros que se contam com sete reinos e são tão guerreiros que até agora não foram ofendidos (...), sendo muitas vezes acometidos por grandes tropas de paulistas. Pelejam com rodelas muito grandes, feitas de um pau chamado craíba, as quais na batalha levam uns e outros. Ao reparo deles pelejam com arco e flecha, lanças e cachaporras.







































_______________
(1) – Fragmentos da “Descrição do Sertão do Piauí”, do Padre Miguel de Carvalho.

(2) – Pe. Miguel de Carvalho – Sacerdote português, autor da “Descrição do Sertão do Piauí”, uma minuciosa memória descritiva sobre o território da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, encaminhada a Dom Francisco de Lima, Bispo Diocesano de Pernambuco, no ano de 1697.




CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA II (1)

Miridan Britto Falci (2)


O território que em 1758 constituiu a Capitania de São José do Piauí, não foi originalmente o de uma Capitania Hereditária.

* * *
Com a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1621), as terras do Piauí ficaram sob a administração desse Estado até 20 de agosto de 1772.

* * *
Embora a jurisdição daqueles sertões fosse, em princípio do Maranhão, o desconhecimento geográfico da extensão do sertão e a penetração pelo Sudeste do Estado de baianos da Casa da Torre e de pernambucanos criadores de gado, estabeleceu um conflito de jurisdição dos vários governadores e Capitães-Generais (o do Maranhão, o de Pernambuco e o da Bahia), que deram datas de sesmarias e confirmaram patente real de Capitão-Mor a conquistadores naqueles sertões.

* * *
Em 1674, por exemplo, é conferida a patente de Capitão-Mor, pelo governador-geral do Brasil, visconde de Barbacena, a Francisco Dias d’Ávila (II), sesmeiro da Casa da Torre, para que pudesse fazer guerra aos índios do Piauí. Este ato deveria, certamente, partir do governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão.

* * *
Poucos anos mais tarde, em 1697, é criada a freguesia do Mocha, depois Oeiras, sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória, pelo bispo diocesano de Pernambuco, Dom frei Francisco de Lima, sendo o seu território desmembrado da paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Cabrobó, situada à margem esquerda do rio São Francisco e pertencente ao mesmo bispado de Pernambuco, ao qual estava anexo toda aquela circunscrição territorial do Piauí.

* * *
Ao final de 1700 (08 de novembro), a Carta Régia dirigida ao governador de Pernambuco, Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre, ordena-lhe a criação e provimento de alguns capitães-mores nas freguesias dos sertões de Rodelas e Piaguhy.

* * *

Em 13 de março de 1702, C. R. determinava que todos os moradores do Piauí ficassem sob o governo do Maranhão, embora grande parte do território do Piauí continuasse sob a jurisdição de Pernambuco.

* * *
Esta interferência e balburdia administrativa naqueles sertões nos é demonstrada nas várias ordens e ofícios emanados dos governantes e nos inúmeros requerimentos dos moradores dirigidos ora a Pernambuco, ora a Bahia, ora ao Maranhão.

* * *
O alvará de 11 de janeiro de 1715 determinava que a jurisdição do território do Piauí, que antes pertencia à Bahia, ficasse pertencendo ao Maranhão, declarando ao governador do mesmo Estado (Cristovão da Costa Freire), que as sesmarias concedidas no Piauí pelos governadores de Pernambuco e da Bahia não fossem consideradas devolutas.

* * *
Devido a essa interferência de vários governantes sobre a área do que seria mais tarde o Estado do Piauí é que a relação de governantes que emitiram ordens, deram sesmarias, receberam petições dos moradores dos sertões, contém os nomes dos governadores de Pernambuco, governadores da Bahia, governadores do Estado do Maranhão e Grão-Pará, governadores do Grão-Pará e Maranhão, governadores do Estado do Maranhão e Piauí, governadores da Capitania do Piauí (como dependente e independente).

* * * *
Nota: O Alvará de 11-01-1715 (citado no penúltimo item), trata da jurisdição sob o aspecto judiciário. “No foro da Bahia, onde moravam os ricos e prestigiosos sesmeiros, os desconhecidos posseiros nunca ganhavam as contendas, o que motivou um sentimento de revolta generalizado na região e uma natural certeza de parcialidade nos julgamentos do judiciário baiano, fato que culminou no lento desligamento da Freguesia do Piauí, do foro baiano e sua anexação ao Maranhão, tirando-o da rota de influência dos abastados sesmeiros.” (3).








___________________
(1) – Fragmentos do texto “Governadores e Capitães-Generais do Maranhão e do Piauí”, de Miridan Britto Falci, editado no Catálogo de Verbetes dos Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Piauí.

(2) – Miridan Britto Falci, Professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

(3) – Reginaldo Miranda, in “Piauí em Foco”, pág. 41, Comepi, Teresina, PI, 2003.

PRÓLOGO


A área que compreende o espaço geográfico do atual Estado do Piauí se constituía num corredor de migração, para inúmeras tribos que se deslocavam do vale do São Francisco em direção à região Amazônica ou em sentido contrário e para as que se movimentavam em sentido Norte / Sul, da zona litorânea com destino ao Rio do Sono (Tocantins), ou vice-versa. Mas, existiam as que, apesar de nômades, se fixavam por muito tempo em determinados lugares, especialmente em torno e na vizinhança das águas superficiais, onde viviam em paz ou raramente guerreavam entre si. No entanto, desde quando o colonizador pisou pela primeira vez em solo piauiense, que as populações nativas não tiveram mais sossego.
Depois desse primeiro momento os conquistadores se dedicaram à guerra de colonização. Bandeirantes e fazendeiros comandados por Domingos Jorge Velho, Domingos Afonso Mafrense, pela Casa da Torre e seus prepostos e por outros sertanistas, movidos pela ambição de conseguirem enormes extensões de terra, começaram a penetrar no solo piauiense. Vinham com verdadeiro aparato militar. Expulsavam os nativos e tomavam suas terras para instalar currais e fazendas. Mesmo contando com a heróica resistência dos silvícolas, que lutavam bravamente para defender o seu território, os colonizadores, armados até os dentes, os escorraçaram.
Não satisfeito em apenas usurpar as terras dos seus verdadeiros donos, os desbravadores, passando a contar com o apoio oficial, partiram para a guerra de extermínio, para fazer a “limpeza” do espaço geográfico piauiense.
Tanto os sesmeiros como os fazendeiros e os demais invasores, tinham todo o interesse no aniquilamento das tribos, que resistiam contra a penetração dos currais e das fazendas no solo piauiense.
Encarando-as como belicosas e nocivas aos seus interesses, os “desbravadores” declaravam a guerra de extermínio contra todas as nações indígenas que habitavam as terras do Piaguhy.
E, antes mesmo da instalação da nossa Capitania, o governo português representado pelas autoridades governamentais do Maranhão, organizou várias expedições militares para combater os nossos índios.
Dentre as várias bandeiras, denominadas de “expedições punitivas”ou “campanha de repressão ao gentio”, destacamos as de 1656, 1658, 1669, 1676 e 1679.
Algumas dessas expedições eram equipadas com barcos, canoas, armas de fogo e um potente aparato militar.
Logo após a instalação da Capitania do Piauí, uma das primeiras providências do Governador recém-empossado, foi a organização das Forças Regulares da Capitania (Companhia de Dragões), para combater as populações nativas.
Tendo como comandante o truculento e sanguinário Tenente-Coronel João do Rego Castelo Branco, a tropa oficial se encarregou de perseguir e massacrar várias tribos, como a dos Timbiras, Guegueses, Pimenteiras, Jaicós, Tabajaras e Acroás, dentre outras, dizimando populações inteiras.





1 – A Viagem Para o Brejo do Mocha


Novembro de 1696.
Naquela noite de quinta-feira, enquanto milhares de estrelas enfeitavam o céu, a lua cheia, exibindo a figura de São Jorge, montado em seu cavalo branco, flutuava no espaço sideral a iluminar a densa floresta daquele sertão bruto, povoado de índios bravos, animais ferozes, fantasmas, duendes e almas penadas.
O vento frio, do início da madrugada, soprava forte a revirar a folhagem do arvoredo.
O silêncio da noite entrecortado pelo pio de uma coruja solitária e pelo canto agoureiro de um rasga-mortalha, que, de quando em quando, sobrevoava aquela região, evidenciava o som melódico de uma pequena cachoeira situada no desnível de uma formação rochosa erguida no leito do riacho ali próximo, onde ao entardecer os viajantes tomaram banho e lavaram os seus animais.
Dominado pelo cansaço e pelo sono, o Padre Tomé, deitado numa rede branca de algodão, surrada e um tanto encardida, armada debaixo de um árvore copuda, roncava alto a incomodar os seus colegas de jornada, especialmente o Padre Miguel de Carvalho, que, juntamente com o seu irmão, Padre Inocêncio de Carvalho e Almeida, além de não suportarem mais as picadas dos pernilongos, estavam atordoados com a incessante cantiga de grilos.
Com o arcabuz entre as pernas, acocorado ao lado da fogueira, o chefe da escolta dando a última baforada no “pau-ronca”, jogou a “bitoca” na labareda.
A lenha crepitava no fogo e enquanto a chama se retorcia ao sabor do vento expelindo uma fumaça escura, o arcabuzeiro lambeu os lábios e apoiando-se na arma, levantou-se com agilidade e leveza.
Ao se levantar, colocou a arma no ombro e segurando-a pelo cano, caminhou até uma árvore onde apanhou uma cabaça de pinga que estava dependurada num toco de galho.
O pio da coruja, entrelaçado com o som tenebroso do rasga-mortalha lhe causou um grande arrepio, fazendo-o lembrar das inúmeras mortes que carregava nas costas.
Enquanto os seus cabelos se arrepiavam de medo, o Gritador, uma das maiores assombrações do Sertão de Dentro, entrou em ação. Os gritos ecoavam distantes fazendo-o tremer.
Tentando se encorajar, o chefe da escolta tirou a rolha da cabaça e entornando-a na boca, tomou uma grande golada.
O som estridente da voz do gritador sumiu repentinamente, dando lugar ao latido de desespero do cachorro do tropeiro, que ao se afastar do acampamento no encalce de um tatu, caiu nas mãos de um caipora, que, de cipó em punho, lhe aplicava uma longa surra.
Despertando do sono, enquanto o Padre Inocêncio se mexia na rede, o Padre Miguel levantou-se e, aproximando-se da fogueira, ficou observando o guia que, sem bater a pestana, estava de olhos arregalados para o galho de uma árvore.
– O que olhas? – Perguntou o Padre.
– Tô espiando aquela coruja agourenta duma peste, que ainda vai terminar virando tira-gosto de cachaça.
O sacerdote, sorrindo, sacou o cachimbo do bolso da batina e municiando-o de fumo, juntou um tição em brasa para acendê-lo.
Uma rajada de vento revirava as folhas das árvores. Enquanto o padre amedrontado, se acocorava ao pé da fogueira, ao lado do guia, este, deu mais uma baforada em seu cigarro de palha e, demonstrando tranqüilidade, falou:
– Não se assuste com os seres do outro mundo. O Gritador não faz mal a ninguém e o Caipora só ataca os cachorros e mesmo assim quando os donos não lhe agradam com um pedaço de fumo.
O Padre Inocêncio, levantando-se da rede dirigindo-se ao guia:
– Já que você é tão entendido nesse assunto, nos conte uma dessas histórias de assombração.
– Que tal eu lhe contar a história do Lobisomem?
– Tudo bem!
O guia temperou a garganta e foi logo desembuchando:
– O Lobisomem é uma marmota muito feia... É o resultado da transformação de um homem amancebado na figura do diabo. Dizem que de sete em sete sextas-feiras, ele, ainda sonâmbulo, sai de casa para se transformar na figura do capeta. Meia noite em ponto ele tira a roupa e, depois de virar todas as peças pelo avesso, se deita no espogeiro de um jumento. E, rolando no chão, três vezes para um lado e três vezes para o outro, se transforma num bicho feio e cabeludo. Ao se levantar sai correndo mundo afora e antes da última cantada do galo percorre sete províncias, em cada uma visita sete encruzilhadas, sete cidades, sete adros de Igreja, sete cemitérios e em cada um destes, sete túmulos. Aonde ele passa a cachorreira vai latindo atrás, mas como ele é muito ligeiro os cachorros não chegam nem perto. Ao terminar o seu percurso, volta para o lugar de partida. Veste a roupa e, sonâmbulo vai embora, sem se lembrar das suas peripécias. Dizem que é um bicho muito perigoso. Capaz de estraçalhar uma pessoa, mas se alguém conseguir lhe causar qualquer ferimento, extraindo-lhe pelo menos uma gota de sangue, ele se transforma em gente ali na bucha e nunca mais volta a virar Lobisomem. No entanto, se no momento em que ele andar cumprindo a sua sina alguém desavessar as suas roupas, nunca mais ele volta a ser gente. Vira alma penada e fica vagando no Além.
– Depois dessa eu vou dormir – disse o Padre Miguel ao sair se benzendo.
Enquanto alguns membros da comitiva se mexiam em suas redes, o Padre Tomé continuava roncando.
Sem querer demonstrar que estava se borrando de medo, o Padre Miguel rezava baixinho, pedindo a Deus para afugentar os espíritos da floresta.
O som estridente da cachoeira, como uma canção de ninar, embalava o sono dos habitantes do sertão e até de alguns dos viajantes.
Enquanto o Padre Inocêncio se aquecia na fogueira, o chefe da escolta e o guia entornavam a cabaça de pinga.
Em sua rede, após a reza, a pitar o seu cachimbo, o Padre Miguel, fitando a lua, perdia-se em reminiscências.
Seus pensamentos voavam longe e retroagiam no tempo, tendo como referencial a sua doce infância no além-mar. Recordava-se das brincadeiras nas ruas de Lisboa, dos intermináveis banhos no Tejo e dos passeios nas quintas, onde, como todos os meninos da sua turma, roubava frutas e caçava pássaros para vender na feira da Mouraria.
Relembrava o trajeto da escola feito em companhia do irmão e dos coleguinhas de vizinhança, inclusive de Mariazinha, que em companhia de dois irmãos também se unia ao grupo e seguia o mesmo percurso para logo em seguida ficar numa escola vizinha, só para meninas.
– Onde estaria Mariazinha? Teria arranjado um bom casamento ou teria seguido a vida religiosa?
Mesmo sem saber atinar porque a garota aflorou em seus pensamentos, ficou satisfeito ao lembrar do seu jeito gracioso.
A volta ao passado lhe fazia bem e era com orgulho que relembrava a sua pátria.
Os ares de Portugal amenizavam o seu medo. Era com imensa alegria que recordava das férias escolares na quinta do seu tio, nos arredores da Vila de Évora, no além-Tejo, onde brincava nas ruínas do Templo de Diana, construído no Século I pelos romanos, que durante muito tempo dominaram aquela região da Península Ibérica.
Évora se destacava pela produção de vinhos. Também era lembrada pela Capela de ossos humanos construída no interior da Igreja do Convento de São Francisco, onde, aos domingos seu tio, o levava, em companhia de toda a família para assistir a missa das sete horas da manhã.
Lembrava-se do pavor que sentiu quando pela primeira vez se deparou com aquela cena macabra – uma grande quantidade de ossos humanos, incluindo mais de cinco mil crânios transformados em paredes e colunas.
Naquele momento de elucubrações, tantos anos depois, ainda se lembrava da inscrição, em letras garrafais, estampada na parede do templo: “Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos.”
Diante de tantas recordações não poderia esquecer das explicações do tio, em voz suave:
– Miguelzinho, esta Capela, que, com certeza te causou estranheza, foi construída pelos padres do convento com os ossos das vítimas da peste negra, que na Idade Média, dizimou dois terços da população da Europa.
Em seus devaneios ressaltava-lhe na memória mais um trecho da fala do seu tio, que, em voz baixa lhe dizia:
– Os franciscanos usavam esta Capela como local de recolhimento para refletirem sobre o sentido passageiro da vida e sobre a eternidade da morte.
Lembrava-se também que foi assistindo as missas ali naquela Igreja, celebradas pelo bondoso Padre Valter Lima, que sentiu a vocação e o chamamento de Deus para abraçar o sacerdócio.
As doces recordações das férias escolares lhe transportavam para Coimbra, onde, nas margens do Mondego – cantado em verso pelo grande poeta português de sua predileção, Luís Vaz de Camões –, um tio paterno, além de um vinhedo, tinha uma enorme quinta cheia de plantações e animais. Como poderia esquecer dos banhos, dos passeios de canoa, das brincadeiras de cangapé e de galinha-gorda e ainda das peripécias na escadaria da famosa Universidade de Coimbra, onde as pessoas ilustres de Portugal e das colônias portuguesas haviam estudado.
Fechando os olhos relembrava os castelos e as belezas naturais da Vila de Sintra, situada a mais de 200 metros de altitude. Em seu regozijo, orgulhava-se em saber que a origem de Sintra se confundia com o da própria nação portuguesa, vez que a serra e a planície foram habitadas desde os tempos mais remotos, como atestam os dolmens e as necrópoles existentes, bem como os preciosos instrumentos pré-históricos expostos no museu municipal.
De acordo com os seus conhecimentos, sabia que dos romanos restavam numerosas lápides e urnas funerárias, encontradas junto ao mausoléu circular, guardados no Museu Arqueológico de Odrinhas.
Como bom conhecedor da história do seu povo, sabia também que os romanos chamavam as serras de Sintra, de Montanhas da Lua e que dos tempos hispano-árabes, o monumento mais antigo era o Castelo dos Mouros, construído a 450 metros de altitude.
No entanto, o que mais lhe chamara a atenção foi o enorme mosteiro construído por Dom Manoel I, entre os anos 503 e 511, onde do alto do zimbório a 528 metros de altitude, em companhia do irmão Inocêncio e de outros seminaristas, vislumbrara o vasto panorama da Vila.
Como se fosse uma viagem pelo túnel do tempo, levando-o pelas ruas da capital do seu país, revia o Mosteiro dos Jerônimos e seminário onde havia se ordenado.
As lembranças de Lisboa eram as melhores possíveis.
Em suas elucubrações, não poderia esquecer da majestosa Igreja de Santo Antônio, construída no lugar da casa onde o santo morou e que ainda hoje conserva o quarto onde ele dormia e a parede onde ficou projetada a cruz, que ele, ao ser tentado pelo demônio, desenhou no ar, ao tempo em que bradou:
– Afasta-te de mim, satanás! Deixa-me em paz e vai para os quintos do inferno!
Lembrava seus tempos de menino, de calças curtas.
Sem imaginar que um dia ainda viajaria para o Brasil, brincava no local, onde, em 1500, Frei Henrique Soares de Coimbra celebrou missa e pediu a proteção de Deus para Pedro Álvares Cabral e sua esquadra, composta por treze caravelas, que pouco depois zarpou do porto do Tejo, ali em frente, para logo em seguida tomar o mar e a 21 de abril daquele mesmo ano descobrir a Terra de Santa Cruz.
Com o rompimento da cortina da noite, os pássaros, em alegres gorjeios, saudavam os visitantes.
O Padre Miguel de Carvalho, voltando à realidade, observou o movimento dos colegas de jornada.
Enquanto o Padre Tomé desatava a sua rede e outros colegas faziam o asseio matinal na água corrente do riacho, que durante toda a noite os embalou com suave melodia, o guia, fazendo as vezes de cozinheiro, preparava o café e o tropeiro, por sua vez, auxiliado por dois ajudantes, encilhava os cavalos e encangalhava os animais de carga.
O cheiro forte de carne assada na brasa e do café pilado, adoçado com rapadura do engenho dos familiares do Frei Dom Francisco de Lima, Bispo Diocesano de Pernambuco, despertou o paladar dos religiosos.
Com uma caneca de café na mão e três nacas de carne assada numa cuia com farinha, o Padre Miguel comeu até se fartar.
Terminado o desjejum os viajantes montando em seus animais seguiram viagem.
O guia partiu na frente, seguido de perto pela escolta de arcabuzeiros, pelos dois Padres, pelo acólito e, finalmente pelo tropeiro e seus ajudantes.
Seguindo a trilha do gado, iam tranqüilos, quando de repente foram surpreendidos.
Uma horda de “Rodeleiros” armados com arcos e flechas, lanças, cachaporras e com um arcabuz, devidamente protegidos por escudos confeccionados com enormes rodelas de madeira, cercaram a comitiva, apontando-lhes as armas.
Diante do cerco dos nativos que agiam como um esquadrão de justiceiros formado com o objetivo principal de saquear e eliminar os conquistadores, a escolta de arcabuzeiros tentou reagir, mas, de pronto foi advertida por um deles, de espingarda em punho, que em voz grave lhes bradou:
– Quem tentar disparar a sua arma será o primeiro a ser eliminado.
Um outro gritou:
– Rendam-se e entreguem as armas.
A fama dos Rodeleiros ultrapassava as fronteiras do Sertão de Dentro (também denominado de Sertão de Rodelas), sendo conhecida inclusive na zona canavieira e de criação de gado da Bahia e de Pernambuco. Sabia-se que cada um dos sete Distritos componentes do seu Reino mantinha um pequeno exército de guerreiros e dentre estes selecionavam-se os melhores para compor um grupo de extermínio, o qual agia como se tivesse praticando apenas um saque. No entanto, depois de se apropriar dos animais, das armas e dos pertences, eliminava as suas vítimas da maneira mais cruel possível.
Preocupado com a vida de todos, o Padre Tomé, tremendo de medo, rezava baixinho, fazendo votos para que Deus abrandasse o coração dos índios.
Apegando-se a Nossa Senhora do Sertão, cuja imagem conduzia cuidadosamente em sua bagagem, o Padre Miguel de Carvalho, dizia em pensamentos:
– Minha Nossa Senhora do Sertão, eu lhe peço que nos ajude a sair desse apuro e em troca eu lhe prometo: uma das primeiras coisas que vou fazer no Brejo do Mocha é a construção da sua Capela.
O chefe da escolta, ciente de que a vida de todos dependia dele e dos seus comandados, resolveu acreditar na sua sorte de jagunço. E num raio de segundo, manejando o seu arcabuz de coronha marcada por dezenas de cortes, onde cada marcação representava a eliminação de uma vítima, disparou a arma. Enquanto o estampido ecoava na mata, o índio que lhe ameaçara com a velha espingarda bate-bucha, estrebuchava pelo chão a se esvair em sangue.
Os seus colegas, que também não perdiam a oportunidade de mandar alguém para o inferno, usando da mesma agilidade, abriram fogo contra os Rodeleiros, que corajosamente, se protegiam com seus escudos e respondiam lançando flechas.
Os padres, o acólito e o pajem se afugentaram no matagal.
Os animais de carga se alvoroçaram e sem obedecer ao comando do tropeiro, correram desordenados por dentro da mata fechada, a se enganchar nos galhos das árvores, derrubando parte das malas de couro cru e das outras tralhas que conduziam nas cangalhas.
O tiroteio não dava trégua para que os índios pudessem atacar maciçamente com as flechas, mas como eles estavam protegidos com os escudos, iam se defendendo como podiam e num verdadeiro alarido a se comunicar na linguagem deles, ao invés de recuar, brandiam as suas lanças a enfrentar o perigo com bravura e determinação.
Mesmo diante do fogo cerrado, embora desfalcados com algumas baixas e atingidos pelos caroços de chumbo não interceptados pelos escudos de madeira, os índios partiram para cima dos arcabuzeiros, que já sem munição tentaram reagir com seus punhais, na maioria das vezes usados para sangrar suas vítimas. No entanto, ao perceberem que terminariam sendo massacrados, bateram em retirada e se refugiaram no meio da mata fechada, deixando os nativos livres para capturar três animais com carga e tudo que estavam enganchados numa touceira de unha-de-gato.
De dentro da moita de mofumbo, encolhidos a se borrarem de medo, os três religiosos oravam em silêncio, com os olhos fixos na imagem de Cristo encravada num pequeno crucifixo de prata que brilhava na palma da mão de um deles.
O Padre Miguel de Carvalho, ao perceber que o perigo já havia passado, ajoelhou-se no chão e postando as mãos, agradeceu:
– Muito obrigado minha Nossa Senhora do Sertão, por ter nos protegido, pois tenho certeza: foi a Senhora que salvou a nossa vida, concedendo-nos esta brilhante vitória.
O Padre Tomé, também ajoelhado ao lado do seu superior e do Padre Inocêncio, elevava louvores a Deus e à padroeira da nova Freguesia, a ser instalada:
– Em homenagem a esta indispensável vitória sobre os nossos agressores, proponho que de agora em diante a Imaculada Nossa Senhora do Sertão passe a se chamar de Nossa Senhora da Vitória!
A proposta foi plenamente aceita e daquele dia em diante a padroeira do Sertão de Dentro passou a ser conhecida pela nova denominação.
Com o braço sangrando por causa de uma flechada que passou de raspão a rasgar uma nesga de carne e com o corpo todo riscado pelos espinhos e garranchos, o chefe da escolta, examinando os colegas também com os corpos retalhados, comentou:
– Escapamos fedendo!
Demonstrando senso de humor, um deles respondeu:
– É melhor escapar fedendo do que morrer cheirando!
Enquanto eles se examinavam e conversavam sobre a luta, um desesperado gemido de dor vindo do campo de batalha os alertou para a necessidade de socorrer as vítimas e fazer um balanço das baixas.
Além dos cinco índios abatidos a tiros e de outro que ficou se debatendo nos estertores da morte, a comitiva do Padre Carvalho contabilizou três baixas: dois arcabuzeiros que ficaram com os crânios esfacelados por golpes de cachaporras e a do tropeiro que passara mais de meia hora arquejando com várias flechas encravadas no corpo.


2 – No Início Nem Tudo Era Verbo



Naquela época, o Sertão de Dentro se constituía num grande palco de violências.
As suas terras, de campos férteis, propícios para a criação de gado eram motivo de cobiça dos bandeirantes, fazendeiros, sertanistas e demais aventureiros, que seguindo o rastro das boiadas iam plantando currais, sítios e fazendas.
A posse da terra, disputada palmo a palmo, em luta sangrenta com os índios – seus legítimos e verdadeiros donos, – depois era oficializada por meio de sesmarias, de enormes faixas de terra concedidas pelo poder público, ora de Pernambuco, ora da Bahia, ora do Maranhão e Grão-Pará, vez que, naquele tempo, reinava a anarquia e a desordem política-administrativa.
O território que constituiria a futura Capitania do Piauí – habitado por uma população rarefeita, espalhada pelas fazendas e sítios, separadas entre si por léguas de distância, constituindo-se em fator de isolamento, – era uma terra sem-lei, onde ninguém se entendia e todos mandavam e desmandavam.
Junto com os bandeirantes da estirpe de Domingos Jorge Velho, Francisco Dias d’Ávila (II), Domingos Afonso Mafrense, Bernardo de Carvalho e Aguiar, Bernardo Pereira Gago, Julião Afonso Serra e outros, vieram também os aventureiros da raia miúda que desejavam enriquecer na nova fronteira agropecuária permeada de rios de vales férteis e de excelentes pastos.
No afã de se instalarem no novo Eldorado os conquistadores davam as mãos para lutar contra os verdadeiros donos da terra, que apesar de resistirem bravamente terminavam capitulando.
Além da luta de todos contra os índios, constituindo o interesse comum, havia também uma luta interna dos posseiros e arrendatários contra os sesmeiros, que por força da violência lhes impunham altas taxas pelo cultivo das terras.
Mesmo resistindo heróico e bravamente, os índios sem dispor do mesmo poderio bélico e das táticas de guerra dos conquistadores, iam recuando e cedendo espaço, que de imediato passava a ser ocupado por currais, sítios e fazendas, contribuindo assim para a formação de grandes latifúndios.
Nessa fase em que podemos denominar de guerra da conquista do território, os índios, aos poucos, iam sendo dominados, presos e escravizados. Eram vendidos na região açucareira do Nordeste ou incorporados às tropas dominantes para combater o próprio irmão.
Mas, apesar dos revezes, não cediam o seu território de mão beijada. Esboçavam reações. Lutando isoladamente ou confederados, causavam baixas, danos e enormes prejuízos ao conquistador.
Não raro, invadiam fazendas, cometiam assassinatos dos proprietários, criados, escravos e vaqueiros. Dizimavam os rebanhos, se apropriavam das armas de fogo e depois queimavam as casas e as plantações.
Era uma verdadeira guerra, com atrocidades de ambos os lados.
Domingos Jorge Velho, Simão Jorge Velho, Domingos Afonso Mafrense, Julião Afonso Serra, Bernardo Pereira Gago, Francisco Dias d’Ávila (II) – o todo poderoso senhor da Casa da Torre – e muitos outros aventureiros, travaram memoráveis guerras contra inúmeras tribos do Sertão de Dentro com o fito de estender os seus domínios.
Apesar de algumas vitórias dos índios, resultando na morte de inúmeros aventureiros, os conquistadores quase sempre levavam vantagem. Os prisioneiros de guerra eram incorporados às suas tropas e com a ajuda deles aniquilavam outras tribos, e iam implantando dezenas e dezenas de fazendas.
Visando garantir a segurança do seu patrimônio e expandir as suas fronteiras, os conquistadores instalaram alguns arraiais militares, como o de Santa Catarina, o dos Paulistas e o dos Ávilas e alguns aldeamentos, como o do Cajueiro e o de Parnaguá, dentre outros.
Mesmo diante da inferioridade das armas e das várias derrotas, com inúmeras baixas e dos aldeamentos, onde eram tratados como escravos, padeciam de fome e de maus-tratos, os silvícolas, que às vezes guerreavam entre si, na adversidade se solidarizavam com as tribos rivais, sustentando a luta e tirando o sossego do conquistador, que apesar do grande poder ofensivo e das inúmeras vitórias, jamais se sentiu em paz.
Dentre as tribos mais aguerridas, que ofereceram maior resistência, causando grandes problemas, imensa preocupação e enorme dor de cabeça aos conquistadores, merecem destaque os Anacês, Tremembés, Crateús, Pimenteiras, e os Rodeleiros, que eram considerados os justiceiros do sertão.




























3 – Mafrense, o Nababo do Sertão


Filho de Julião Afonso e Jerônima Francisca, nascido em São Domingos de Fanga da Fé, Termo de Torres Vedras, na vizinhança de Ericeira e das duas Mafras, razão pela qual passou a ser chamado de Mafrense, o rico fazendeiro Domingos Afonso, também chamado de Sertão, aparecendo na sacada do sobrado da fazenda Cabrobó, ficou a observar o movimento dos vaqueiros reunindo uma partida de garrotes para serem comercializada na feira da Bahia.
Apesar de ter sido precedido por Domingos Jorge Velho e por outros aventureiros, considerava-se como o verdadeiro desbravador e colonizador do Piauí.
Do alto do sobrado, situado na Colina do Rosário, entre dois riachos, o grande nababo do sertão após contemplar o enorme rebanho de gado se quedou a observar o horizonte e intimamente enchia-se de orgulho, pois, onde quer que mirasse tudo lhe pertencia.
Arvorava-se de ser o maior latifundiário e o mais rico de todos os fazendeiros da região. O chapéu de couro, feito por um artesão da Bahia, escondendo-lhe a calvície, combinava com as pesadas botas que usava. Completando a indumentária, a roupa típica de um verdadeiro bandeirante contrastava com os trajes esfarrapados dos sues agregados.
Fazendo uma retrospectiva de sua vida, Mafrense lembrava da fantástica Lenda do Moribeca, que, por muitas vezes, ouvira da boca do próprio Francisco Dias d’Ávila (II), na época em que ainda era foreiro da Casa da Torre.
Segundo o relato, Belchior Dias, O Moribeca, – descendente da índia Catarina Paraguaçu e dos Garcias d’Ávila, – havia descoberto Sabarabuçu, uma enorme montanha de prata – fabulosa riqueza constituída por uma grande jazida muito maior do que as minas encontradas no Peru, pelos espanhóis.
E ao relembrar as histórias contadas pelo amigo, o fazendeiro recordava a saga de Fernão Dias Paes, o bandeirante paulista, que fascinado com a enorme riqueza, havia organizado uma Bandeira para localizar a grande montanha de prata e a propalada Vapabuçu – uma enorme lagoa de esmeraldas, que, segundo outra lenda, muito comentada pelos bandeirantes da época, ficava localizada nas cabeceiras do grande rio, nas imediações do Peru. Degustando as lembranças do passado e, especialmente, dos amigos que já haviam viajado para o Além, traçava um paralelo entre a Lagoa de Esmeraldas e a Lagoa de Pérolas, que, segundo a lenda, ficava além do Gurguéia.
E enquanto as lembranças fluíam, aos borbotões, sorria da ingenuidade de um dos seus companheiros de bandeira, que, na ambição de encontrar a fabulosa riqueza constituída por inesgotáveis depósitos de pérolas submersas sob as águas da Lagoa de Parnaguá, terminou devorado pelos índios Nogazes, os terríveis canibais que povoavam aquela região.
Dando mais uma olhada no horizonte para contemplar a paisagem, Mafrense mirou o Morro do Leme e, sem querer lembrou-se da Lenda do Carneiro de Ouro. Segundo a qual um enorme carneiro de ouro habitava o desvão daquele morro, de onde, nas noites de lua cheia, saia do seu esconderijo para passear e se esconder no Morro da Sociedade, no lado oposto. Em sua caminhada, pisando o chão sem fazer rastros, conduzia uma sineta pendurada ao pescoço a badalar, harmoniosamente, chamando a atenção dos incrédulos de sua existência. Diziam que quem conseguir pegá-lo, seria a pessoa mais rica e mais feliz da terra, vez que, mesmo depois de tosquiada, a lã de ouro nunca se acabava e, além do mais, o felizardo alcançaria todas as graças de Deus, na eternidade.
E como uma coisa liga a outra, lembrou-se do relato dos vaqueiros dando conta da existência de dois rastros gravados no lajedo, nas imediações da fazenda. Segundo os quais seriam o do Pé de Deus e o do Pé do Diabo.
Refletindo sobre aquelas marcas, por ele mesmo constatadas, e que, por orientação de um padre português do seu ciclo de amizade da cidade de Salvador, determinou para que todo o visitante daquele local jogasse uma pedra sobre o rastro do Diabo e uma flor sobre o rastro de Deus.
E enquanto contemplava o gado malhado no terreiro da fazenda, esboçando um sorriso maroto, se indagou:
– Teria sido aqui, nestas bibocas do Sertão de Dentro, o lugar onde o Cão perdeu as botas?
Voltando a olhar novamente para o Morro do Leme, lembrou-se do início de sua vida no Brasil como pequeno fazendeiro do Vale do São Francisco, onde vivia na condição de foreiro da Casa da Torre e, vez por outra, era acossado pelos silvícolas, especialmente pelos Paiaiás e pelos Guegueses.
E era com orgulho que ostentava a patente de Capitão de Infantaria, Comandante dos Troços de Combatentes da Bandeira de Francisco Dias d’Ávila (II), o todo poderoso senhor da Casa da Torre, contra os índios da região, pois foi graças à sua coragem e determinação e a sociedade firmada com aquele bandeirante que começara a amealhar a sua fortuna.
Embevecido em seus pensamentos, foi despertado pelo berro do gado misturado ao som melancólico do aboio dos vaqueiros, que eclodiu em seus ouvidos como uma doce melodia.
Repentinamente um cheiro de queimado invadiu o ambiente, denunciando uma anormalidade.
Achando que poderia ser uma coisa banal, o sertanista continuou na sacada a observar as suas propriedades que se perdiam de vista ao longo do horizonte, quando, de repente, um dos criados, gritou:
– Capitão, o roçado e os barracos do fundo do sobrado estão sendo consumidos pelo fogo!
As chamas subiam rapidamente liberando uma coluna de fumaça escura. Enquanto uma enorme língua de fogo devorava o barracão da casa de farinha e o polme ganhando as alturas se espalhava pelo ar, os vaqueiros e toda a peonada largando as suas tarefas, correram para salvar o que podiam. No entanto, foram barrados por dezenas de Pimenteiras, que, num enorme alarido, armados de tacapes, arcos e flechas incendiárias, cercaram a sede da fazenda.
O gado corria desnorteado misturando o seu berro com os gritos de desespero do fazendeiro e de Agostinho e Vidal Afonso – os seus dois filhos bastardos com uma índia, –que, de armas em punho, comandavam a resistência.
Dado a desvantagem das armas e o grande poder ofensivo do bandeirante, depois da primeira bateria de tiros que lhes causaram algumas baixas, os invasores bateram em retirada, deixando para trás os mortos e feridos.
Deixando transbordar toda fúria e ódio que sentia pelos Pimenteiras, o velho sertanista que amargava prejuízos e mais prejuízos por conta dos constantes ataques praticados por aquela tribo em várias de suas fazendas, ordenou aos seus capangas:
– Sangrem os feridos e depois degolem todos os mortos.
Insensível, Vidal Afonso, indagou:
– A gente pode enterrar esses miseráveis ou deixar que eles virem comida de urubus?
– Não, nem uma coisa e nem outra. Joguem esses infelizes dentro do fogo que eles mesmo fizeram e depois coloquem as suas cabeças nas pontas das estacas mais altas nos limites da fazenda.
Voltando para a sacada do sobrado, o velho nababo aproximou-se da janela. Sua vista perdia-se no horizonte. Seus pensamentos voavam longe.
O confronto com os Pimenteiras lhe trouxe as lembranças da Bahia. Era com prazer e com uma ponta de saudade que recordava do seu sócio, o rico fazendeiro e sertanista Francisco Dias d’Ávila (II), já falecido, com quem anos atrás se aventurou na conquista dos sertões do Piauí, onde implantaram inúmeras fazendas e acumularam enorme fortuna.
Em suas evocações vinha à tona as visitas que fazia ao amigo na sede da fazenda Tatuapara, situada no Recôncavo Baiano, onde, em decorrência da existência de uma torre fazendo parte da estrutura do casarão da fazenda, que funcionava como uma espécie de observatório, passou a ser denominada de Casa da Torre.
E ao reviver os seus momentos agradáveis na Casa da Torre, era com prazer que relembrava de dona Leonor Pereira Marinho (viúva de Francisco Dias d’Ávila II), com quem tinha a satisfação de dividir ao meio as terras do sertão do Piauí, incluídas no território da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória.
E ao relembrar de dona Leonor, lembrou-se do dia do enlace matrimonial do jovem casal, realizado pouco tempo depois do rapto de Isabel d’Ávila, a irmã da nubente, cujo marido Manoel Paes da Costa, logo ao casar, às escondidas, com a proteção de desafetos dos Dias d’Ávila, pretendeu apossar-se de sua parte na herança.
Relembrou do desdobramento do episódio, que culminou no deserdamento de Isabel, por haver casado contra a vontade da mãe, Catarina Fogaça, da avó Leonor, do tio, padre Antônio Pereira – o artífice de toda a política do feudo baiano – e dos demais descendentes.
Como gozava de um certo grau de convivência com a família, Mafrense tomara conhecimento do desatino de Isabel e a esperteza do seu marido. Sabia que aquela aventura constituiu-se numa séria ameaça para a integridade territorial e patrimonial do feudo, razão pela qual “Catarina Fogaça prontamente tratou de casar sua outra filha, Leonor, que completara 18 anos de idade, com o irmão, o coronel Francisco Dias d’Ávila II, em favor dos quais, a fim de ‘perpetuar a família’, ela, na condição de mãe, e a velha Leonor Pereira, avó, instituíram, em dote, vínculo de morgado, que o Rei de Portugal aprovou em 1681. Doaram-lhes, destarte, todas as terras que possuíam no rio S. Francisco, começando da barra do rio Verde pelo rio abaixo até o Penedo, assim como, na outra banda do rio, as da serra de Orobó, pelo rio abaixo até a volta de Casaratá, entrando nessas terras todas as que havia pelo riacho do Pajeú, com todas as suas cabeceiras.” (1).
Em seus devaneios, o velho sertanista revivia o passado e como se fosse no presente até parecia ouvir da boca do sócio e amigo de saudosa memória, as histórias dos seus antepassados, especialmente do seu trisavô, o português Garcia d’Ávila, que em 1552 viera para o Brasil a convite do primeiro Governador-Geral, Tomé de Sousa, e se instalara como sesmeiro no Recôncavo Baiano. Justamente ali em Tatuapara, onde fixou a sua primeira fazenda, com uma partida de gado que trouxera da ilha de Cabo Verde, tornando-se o maior agropecuarista da Capitania da Bahia, de onde se expandiu para Pernambuco, Sergipe e, posteriormente, para o Piauí.
Suas recordações entrecortadas apenas pelo berro do gado, que após o ataque dos Pimenterias, voltava para o pátio da fazenda arrebanhado pelos vaqueiros, lhe transportava para o ano de 1669, quando, em companhia do amigo enfrentaram os paiaiás, que constantemente atacavam as suas fazendas situadas no vale do São Francisco. As suas recordações repassavam as horripilantes cenas daquele terrível e cruel massacre, onde juntamente com o amigo, à frente de um bando de escravos e vaqueiros, armados até os dentes, de espada em punho, após a bateria de tiros, trespassavam e degolavam os mortos e feridos.
Saboreando as recordações daquela que foi apenas mais uma das inúmeras lutas travadas contra os índios, sorria de contentamento.

































4 – Bernardo de Carvalho, uma das Principais Figuras
do Piauí Colonial


Os principais eventos da nossa colonização foram marcados pela figura dominante de Bernardo de Carvalho e Aguiar, um português do Norte, da Vila de Pouca do Aguiar, onde seu pai, Antônio Silvestre de Aguiar, que havia prestado relevantes serviços a Sua Majestade, exercia grande influência.
Atravessando o mar, veio para a colônia em busca de aventuras.
Inicialmente, fixou-se em Salvador, onde viveu por algum tempo e contraiu matrimônio com dona Mariana da Silva, com quem teve os filhos Miguel e Antônia.
Iniciou a vida militar por volta de 1690, no posto de Capitão de Infantaria da Ordenança, como auxiliar do Capitão-Mor, José Garcia Paz – um dos antigos sesmeiros do Piauí, proprietário da fazenda Moicatá, situada às margens do riacho de mesmo nome.
Teve como primeira missão fazer guerra aos Precatis, que estavam tirando o sossego, assaltando e saqueando as fazendas do Sertão de Rodelas.
Estreou comandando um pequeno grupo de combatentes, formado com as suas próprias economias.
Bernardo de Carvalho e Aguiar não combatia os índios visando os prisioneiros de guerra, que podiam ser escravizados ou vendidos. O seu principal objetivo era afugentar a indiada das proximidades das fazendas e dos currais.
Embora fizesse a guerra às suas próprias custas, entregava todos os prisioneiros ao Capitão-Mor.
Tendo sido bem sucedido nessa primeira empreitada, que durou cerca de seis meses, o novel Capitão de Infantaria se recolheu na Bahia, de onde, no verão de 1691, por determinação do Governador Geral do Brasil, partiu em socorro de alguns fazendeiros. Estes embora alertados pelos jesuítas da Missão da Ibiapaba, passaram a ocupar as terras férteis do vale ocidental daquela serra – a Terra dos Alongazes – infestadas por muitas tribos, especialmente pelos Crateús e pelos Alongazes, que os atacavam constantemente.
Ao final da campanha, realizada com a participação de Miguel Pinheiro de Carvalho, Dâmaso Pinheiro de Carvalho e de outros, que, posteriormente, exerceriam grande importância no desenvolvimento daquela região, o Capitão de Infantaria Bernardo de Carvalho, sentindo-se atraído pela vida do sertão, fez uma entrada às suas próprias custas e um pouco além da área de domínio dos Crateús, encontrou uma região de abundantes brejos, onde no ano seguinte fez o seu primeiro curral em terras piauienses.
Coincidentemente, o local escolhido por Bernardo de Carvalho (Cabeça do Tapuia, atual cidade de São Miguel do Tapuia), era o mesmo da antiga aldeia dos Tacarijus, que em 1608 trucidaram o Padre Francisco Pinto e dois índios domesticados, que em companhia do Padre Luís Figueira, seguiam para São Luís do Maranhão.
Enquanto dava um tempo na carreira militar, Bernardo de Carvalho voltava-se totalmente para a vida do campo. Trocando, provisoriamente a farda pelo gibão, ia progredindo como fazendeiro.
Em 1695, após montar mais dois currais e fazer novas entradas, o novel fazendeiro seguiu para a terra dos Alongazes. Ali, na confluência do Surubim com o Longá, instalou a fazenda Bitorocara, que deu origem a atual cidade de Campo Maior.
Para montar a nova fazenda, o Capitão Bernardo de Carvalho contou com a ajuda do amigo Francisco Dias de Siqueira, Capitão-Mor das tropas dos paulistas, sediadas no Arraial dos Aroazes, que lhe cedeu alguns homens para levantar o curral, fazer a fortificação e as demais habitações, sob a orientação de Antônio Raposo.
Logo ao instalar a nova fazenda, o Capitão Bernardo de Carvalho, que além de fazendeiro e militar, era um homem de fé, amigo e protetor dos Padres, convidou os missionários da Serra da Ibiapaba para uma desobriga em suas terras, onde também em outras ocasiões recebeu a visita de outros sacerdotes.
Além dos parentes e amigos, o Senhor de Bitorocara atraiu muitos fazendeiros para a região do Vale do Longá, dando início a uma concentração de fazendas e a multiplicação dos rebanhos, que muito contribuiram para a povoação e o desenvolvimento do Norte piauiense.
































5 – A Construção da Igreja e a Instalação da Freguesia
de Nossa Senhora da Vitória


Ainda em novembro de 1696, depois de longa e cansativa viagem, no lombo de uma mula, pelas trilhas do sertão inóspito, que serviam de caminhos para as boiadas, que brotavam dos pastos da nova fronteira agropecuária conquistada pela poderosa Casa da Torre e seus associados, por Mafrense e seus amigos e por muitos outros aventureiros egressos de Pernambuco, da Bahia e de São Paulo, o visitador-eclesiástico, Padre Miguel de Carvalho, em companhia do seu irmão Padre Inocêncio, do Padre Tomé e de uma pequena comitiva, finalmente chegou à Várzea da Tranqueira.
Na pequena comunidade, constituída por algumas fazendas beirando o riacho que emprestara o seu nome àquela localidade, a comitiva dos religiosos se dirigiu à fazenda Tranqueira.
Do pátio da fazenda, de onde, em companhia do capataz e de alguns vaqueiros, apartava os bezerros e tangia as vacas leiteiras para o curral, o fazendeiro Antônio Soares Touguia, ao avistar os visitantes, aproximou-se da porteira da caiçara – uma espécie de fortaleza, construída de pau-a-pique, – onde ficou a esperá-los.
O Padre Miguel de Carvalho, dando um galope, adiantou-se dos demais e ao riscar na porteira da fazenda, foi logo dizendo:
– Louvado seja Deus!
O fazendeiro que talvez esperasse ouvir um sonoro “Bom Dia”, respondeu:
– Para sempre seja louvado!
Antes mesmo que o presbítero descesse do animal e fosse abraçar o fazendeiro, os peões estiraram as mãos e falaram, quase que simultaneamente:
– “Abença seu Padre!”
– Que Deus Nosso Senhor, a Santíssima Virgem Maria e Nossa Senhora da Vitória abençoem a todos vocês!
Depois da rápida apresentação, o fazendeiro Antônio Soares Touguia, demonstrando hospitalidade, deu as boas-vindas.
Enquanto a comitiva ia descendo das montarias, os peões da fazenda cuidavam de amarrar e de desencilhar todos os animais.
O fazendeiro e sua família acomodaram os visitantes da melhor maneira possível.
Após um demorado e refrescante banho nas águas correntes do riacho da Tranqueira e do suculento almoço à base de carne de gado, de galinha com arroz, maria-izabel, feijão-de-corda, pirão escaldado com leite, legumes e outras iguarias, os três padres repousavam em confortáveis redes de algodão e varandas bordadas, estrategicamente armadas no alpendre da fazenda.
Enquanto isso, a comitiva que os acompanharam, descansava num barracão que servia como casa de farinha.
Enquanto o Padre Tomé dormia, com as moscas a rondar a sua boca entreaberta, o Padre Miguel de Carvalho, acomodado em sua rede, relembrava o momento da partida, de frente do casarão de Dom Francisco de Lima, Bispo Diocesano de Pernambuco, que logo após a missa reuniu os principais membros da comitiva para fazer as recomendações e dar as últimas instruções sobre a viagem, que tinha por objetivo realizar uma descrição do território do Sertão de Dentro e consolidar o domínio eclesiástico nas novas terras, com a fundação de uma nova Freguesia, a ser desmembrada da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Cabrobó, sob a invocação religiosa de Nossa Senhora do Sertão. Porém, em homenagem à vitória contra os Rodeleiros, passou a ser denominada de Nossa Senhora da Vitória.
O tempo passava vagarosamente, enquanto isso o Padre-Visitador ia fazendo os seus contatos com os moradores dos vales dor rios Canindé, Piauí, Itaim e demais ribeiras, do Arraial dos Paulistas e da Terra dos Alongazes, com vistas a instalação da nova Freguesia e a construção de uma Igreja para abrigar a imagem da Padroeira.
Após vários contatos, em 11 de fevereiro de 1697 houve uma reunião na casa do fazendeiro Antônio Soares Touguia, com a participação de representantes de todas as comunidades previamente convidadas.
Depois de se discutir sobre as várias opções, a Assembléia, presidida pelo Padre Miguel, tendo como secretário o Sr. Antônio dos Santos Costa, deliberou para que se fizesse a Igreja no Brejo do Mocha, por ser a parte mais conveniente aos moradores de toda a Povoação, ficando no meio dela, com iguais distâncias e caminhos para todos os riachos e partes povoadas.
Depois de tomada a decisão, alguns fazendeiros se prontificaram a ajudar na construção do templo.
Bernardo de Carvalho e Aguiar, que fazia parte daquela importante reunião, após escrever um bilhete, chamando o Padre-Visitador a um canto, falou:
– Reverendo Padre Miguel de Carvalho, conforme eu havia lhe prometido, por ocasião em que o senhor esteve em Bitorocara a fim de me convidar para esta importante reunião, estou às suas ordens para colaborar na construção da nossa Igreja, com gente e gado. Porém como estou de partida para Pernambuco a chamado do Governador Caetano Melo e Castro, que vai me conceder a patente de Capitão-Mor de Infantaria da Ordenança do Distrito de Cachoeira até a povoação dos Rodelas, como prêmio pelos feitos militares contra os Precatis, peço que o senhor mande um portador levar este bilhete ao meu vaqueiro Mandu Ladino, para que ele traga cinco escravos e vinte cabeças de gado.
O Padre, abraçando o militar e fazendeiro, de quem já se tornara amigo, dando um tapinha nas costas, falou:
– Meus parabéns pela sua merecida promoção e muito obrigado pela substancial ajuda. Nossa Senhora da Vitória há de lhe recompensar!
Enquanto o seu interlocutor sorria, o Padre continuou:
– Espero que você chegue a tempo da inauguração da nossa Igreja!
– Vou fazer o possível!
Depois de escolherem o local, no alto de uma colina, o Padre Miguel continuou a sua peregrinação em busca de subsídios para concluir o seu relatório que culminaria com a formidável “Descrição do Sertão do Piauí.” Enquanto isso, o Padre Tomé e o Padre Inocêncio de Carvalho, ajudados pelos homens bons da região lograram a construir no espaço de 20 dias uma Capela com 24 passos de comprimento por 12 de largura, com frente para o poente.
A Igreja feita de taipa, com piso de barro batido, cobertura de palha de carnaúba e altar de tábuas, com 9 palmos de comprimento por 4 de largura, foi sagrado no dia 02 de março de 1697, pelo Padre Tomé de Carvalho e Silva – seu primeiro Vigário. Antes da missa co-celebrada pelo padre-visitador e por seu irmão, Padre Inocêncio – Vigário da Freguesia de São Francisco da Barra, a ser instalada, o Padre Tomé leu publicamente a Provisão que trazia do ilustríssimo e reverendíssimo Senhor Bispo de Pernambuco, Dom Francisco de Lima, inaugurando assim o primeiro Templo regular do Piauí.











































6 – Terra dos Alongazes


A Terra dos Alongazes começou a ser povoada pelos curraleiros da Bahia, a partir de 1690, quando o fazendeiro Miguel Pinheiro de Carvalho e seus amigos conseguiram uma sesmaria de 30 léguas na região Norte do Piauí. É uma terra abençoada. Mesmo antes da criação da primeira Freguesia em território piauiense, teve o privilégio de ser assistida espiritualmente pelos jesuítas da Missão de São Francisco Xavier, da Serra da Ibiapaba. No entanto, constituía-se no habitat natural de muitas tribos, especialmente dos Crateús e dos Alongazes, que se sentindo ameaçados pelos intrusos, os atacavam constantemente.
No ano de 1691, em atenção a um pedido de socorro dos moradores do local, o Governador-Geral do Brasil autorizou ao Capitão de Infantaria Bernardo de Carvalho e Aguiar para protegê-los.
No final da campanha realizada com a participação de Miguel Pinheiro de Carvalho e de outros companheiros que, posteriormente, passariam a exercer grande influência no desenvolvimento do Vale do Longá, o valoroso militar decidiu se instalar na região.
Dentre outros pioneiros do local, além do Capitão-Mor Miguel Pinheiro de Carvalho, proprietário da fazenda Jenipapo, destacam-se também, Dâmaso Pinheiro, proprietário da fazenda Carnaíba; Simão da Costa, dono da fazenda Estreito; Antônio Luís, detentor da fazenda Boa Ceia – todas situadas às margens do rio Marataoan; Manoel Antunes Trigo, proprietário da fazenda Barra, situada às margens do rio Cobra (Surubim); Pedro Alves Pereira, titular da fazenda Serra; Alferes Lourenço de Sousa Meireles, dono da fazenda Jatobá e o Capitão de Infantaria Bernardo de Carvalho e Aguiar, senhor da fazenda Bitorocara – todas situadas às margens do rio Bitorocara (Longá).
Apesar da grande quantidade de moradores que habitavam a região, a Terra dos Alongazes não se constituía em um núcleo populacional organizado, mas era a única parte da Capitania onde existia comércio.
O padre Miguel de Carvalho ao retornar do local, onde cumpria o seu desiderato, de delimitar os limites da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória e de realizar o censo populacional do seu extenso território, mostrando o resultando do seu trabalho e apontando com a pena para os números, falou ao seu anfitrião:
– Capitão Bernardo de Carvalho, esse é o número de fazendas e essa é a população católica da Terra dos Alongazes!
– Reverendo, e por quê o senhor não incluiu aí também os moradores do Baixo Bitorocara (Baixo Longá), de Piracuruca e do litoral?
– Eles foram excluídos porque além de não pertencerem à jurisdição da nova Freguesia, já são assistidos espiritualmente pelos jesuítas da Serra da Ibiapaba.







7 – Arraial dos Paulistas, a Metrópole do Sertão


O Arraial dos Paulistas, também conhecido como Arraial dos Aroazes ou Arraial dos Tapuias – único núcleo populacional seiscentista do Sertão de Dentro – era um Arraial Militar situado nas margens do Riacho Santa Catarina, afluente do São Vítor (São Bítor = Sambito), entre a fazenda São Francisco Xavier e o Sítio da Catarina, num local permeado de olhos d’água, conhecido popularmente como brejos. Essa comunidade era constituída por quase duas centenas de índios domesticados, dentre os quais 164 eram batizados, além de muitos outros em processo de civilização. Foi fundada pelo sertanista Domingos Jorge Velho. Tinha como Governador o Capitão-Mor Francisco Dias de Siqueira – colaborador do Capitão-de-Infantaria Bernardo de Carvalho e Aguiar e um dos participantes da reunião na casa do fazendeiro Antônio Soares Touguia, que deu total apoio aos padres no processo de escolha do local para a construção da Igreja e da instalação da nova Freguesia.
O Capitão-Mor Francisco Dias de Siqueira, também conhecido como “Aldeando Índios”, era um dos moradores mais antigos do Piauí. Trabalhava em parceria com Francisco Dias Pires e João Costa, que também detinham patentes de Oficiais de Infantaria da Ordenança, concedidas pelo governo da Bahia. Além dos Aroazes eles fizeram pazes com outras tribos, como os Ananás e os Guacupés, aldeados nos sertões de Parnaguá.
Os três atuaram num grande raio de ação, capturando índios dentro e fora das fronteiras do Piauí. No ano da instalação da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, Francisco Dias de Siqueira “era o homem mais poderoso militarmente falando”, do território piauiense.
Por ocasião da Guerra dos Palmares, Francisco Dias de Siqueira foi um dos que mais colaboraram enviando reforços para Domingos Jorge Velho.
Ao visitá-lo na sede do Arraial, onde se praticava a mais avançada agricultura da época, com plantações de mandioca, arroz, milho, feijão, batata, banana e outras frutas, o Padre Miguel de Carvalho admirado com a grande quantidade de “tapuias cristãos”, desmanchando-se em elogios, falou:
– Se tivesse dependido só de mim, eu teria escolhido este local para construir a Capela e sediar a Freguesia de Nossa Senhora da Vitória.
Sorrindo de contentamento, o Capitão-Mor dos Paulistas, ladeado pelo amigo Antônio Raposo e pelo ilustre visitante, retrucou:
– Eu e todo o meu povo teríamos muita satisfação em abrigar a Capela e a Sede da nova Freguesia em nosso humilde Arraial, mas já que não foi possível, peço-lhe a gentileza que faça como o Padre Felipe Bourel e como os outros sacerdotes que por aqui passaram: nos dêem a honra de celebrar uma missa para todos nós.
– Mesmo que o senhor não tivesse solicitado, eu lhe garanto que não sairia daqui antes de desobrigar o seu povo, afinal de contas, todos aqui fazem parte do meu grande rebanho.
– De antemão eu lhe agradeço pela gentileza e como prova da minha gratidão, me coloco à disposição do senhor e do Padre Tomé para o que for necessário.
A Santa Missa celebrada ao ar livre, no centro da Aldeia, ao cair da tarde, contou com a participação de todos os habitantes da comunidade e dos senhores Francisco da Cunha e Antônio de Paiva, com quatro índios egressos da fazenda São Francisco Xavier e dos senhores André Gomes da Costa e Antônio Gomes, com três negros e uma índia, oriundos do Sítio da Catarina.












































8 – Mandu Ladino, Peão de Boiadeiro Tocador de Berrante


Um pouco depois da inauguração da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, que juntamente com os homens enviados por Bernardo de Carvalho, ajudara a construir, vestindo gibão, guarda-peito e perneira, montado em seu cavalo de campo, a tocar o berrante, Mandu Ladino seguia à frente da boiada. Jacaré-Açu, Juvenal e outros vaqueiros cuidavam das laterais e da retaguarda.
Enquanto o som do aboio dos vaqueiros misturado ao som estridente do berrante ecoava pela campina atapetada de babugem, o gado seguia a trilha sinuosa traçada por entre as carnaubeiras repletas de frutas e de ninhos de xexéus a balouçar ao sabor dos ventos.
A paisagem plana do enorme tabuleiro de Santo Antônio do Surubim de Campo Maior contrastava com a elevação da Serra Grande que se projetava ali em frente.
Mirando a serra que se azulava diante dos seus olhos, o vaqueiro Juvenal pensava nos momentos felizes e agradáveis vividos ao lado de Joana – a mais bonita de todas as índias da região do Vale do Longá, com quem em breve deveria se casar.
Como ela era cristã e arrolada como “pessoa de sacramento,” além da burocracia de praxe, não teria maiores problemas para viabilizar o matrimônio, vez que já contava com o consentimento de Mandu Ladino e o apadrinhamento do patrão, o fazendeiro Bernardo de Carvalho e Aguiar.
O certo é que, conforme estava planejado, a levaria ao altar, fosse pelas mãos do Padre Ascenso Gago, da Missão Jesuítica de São Francisco Xavier, da Serra de Ibiapaba; fosse pelas mãos do Padre Tomé, o dedicado Vigário da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória do Brejo do Mocha ou pelas mãos do Padre Amaro Barbosa, o missionário do sertão.
A imagem da jovem povoava os seus pensamentos. A Serra Grande, ali em frente, a cachimbar as nuvens lhe trazia as lembranças do primeiro encontro amoroso acontecido, coincidentemente naquelas imediações.
Enquanto o gado rompia a trilha sinuosa do vasto tabuleiro verde, plano e florido, salpicado por viçosos carnaubais e por algumas áreas alagadiças, o vaqueiro, perdido em seus devaneios, vislumbrava o horizonte. De repente, como uma miragem, o vulto de uma pessoa, de vestes brancas, começou a flutuar acima da serra e a lhe acenar com as duas mãos.
Aquela visão a cada momento ficava mais nítida, mas de uma hora para outra se esvaiu em fumaça, dissipando-se junto com as nuvens a lhe causar arrepios. Ele que até então não tinha medo de assombrações, ficasse apavorado.
Amedrontado, apertou as esporas na barriga do cavalo e o lapeando com um chicote de couro cru, emitiu um aboio e saiu a galopar em busca de atalhar um garrote desgarrado.
Enquanto corria atrás do animal, deduziu que aquela visão poderia ter alguma relação com a Lenda da Corrente Misteriosa ou com a Lenda do Tesouro dos Padres e puxando pela memória, parecia ver e ouvir a sua mãe, falecida há mais de dez anos:
– Meu filho, a Serra Grande de Campo Maior é cheia de visagem e assombração! Os mais antigos contam muitas histórias sobre as três almas penadas que vivem a vagar pela serra. Dizem que uma delas é de um homem que se enforcou com uma corrente enferrujada, cujo corpo passou dias dependurado no galho de uma árvore até ser totalmente devorado pelos urubus. As outras duas são de dois padres que para esconder dos ladrões, enterraram um tesouro no alto da pequena montanha, mas em seguida foram surpreendidos e devorados pelas onças famintas.
Relembrando a narração da mãe o vaqueiro concluiu:
– Ah, então está explicado: é por isso que lá no alto da serra existe um buraco muito profundo, que até agora ninguém foi capaz de saber aonde vai dar. Por dentro dele passa uma corrente enferrujada, como se fosse uma corda de poço, que ao ser puxada prende-se no fundo e não há quem consiga retirá-la.
E continuando o raciocínio, finalizou:
– Está mais do que explicado: o buraco é o local onde os Padres enterraram o tesouro e a corrente foi o instrumento usado pelo suicida para dar fim à sua própria vida.
O gado que estava sendo removido da Fazenda Bitorocara para a Fazenda Cabeça do Tapuia, na antiga aldeia dos Tacarijus, ambas de propriedade do Capitão-Mor e fazendeiro Bernardo de Carvalho e Aguiar, ia tranqüilo pela trilha sinuosa a obedecer ao comando dos vaqueiros que aboiavam ao embalo do berrante.
Após horas e horas de jornada, os boiadeiros se aproximaram da famosa Pedra do Castelo, uma monumental formação rochosa, em forma de um fantástico castelo abandonado – palco de lendas e mistérios.
De longe vislumbraram as imensas muralhas. Ao se aproximarem um pouco mais começaram a identificar os enormes portais em forma de arcos góticos interligando os diversos salões, povoados por morcegos, fantasmas e almas penadas.
Encantado com a beleza daquele verdadeiro monumento natural, levado pela curiosidade Mandu Ladino, que várias e várias vezes já havia passado por ali, sem, contudo prestar atenção nos detalhes, resolveu apear-se e fazer uma incursão por dentro dos enormes salões.
Num deles, deparou-se com várias cruzes fincadas no chão, denunciando a existência de um cemitério. Andando mais um pouco encontrou uma gruta com a imagem de um santo, de origem desconhecida. Prosseguindo a exploração encontrou um labirinto que o levou a uma passagem de acesso ao mirante. E subindo pela escadaria esculpida na formação rochosa, ficou a observar a bela visão de toda a circunvizinhança da pedra encantada.
De cima do mirante do fabuloso castelo em ruínas, ao ver os seus colegas se afastarem, Mandu Ladino se apressou em acompanhá-los. Descendo pela escadaria úmida e escura, montou em seu cavalo de nome Ventania que num galope o levou ao encontro dos demais.
Admirado pela coragem do amigo, Juvenal, indagou:
– Você não teve medo?
– De quê?
– De visagem!
– Que visagem?
– Do rei e dos seus convidados!
– Que rei é esse?
– Ah!, Então você não sabe?
– Não!
– Pois então, eu vou lhe contar.
– Então conte logo!
– Segundo minha mãe, que Deus a tenha no reino do céu, sua avó, no caso minha bisavó, contava uma lenda... A Lenda do Castelo Encantado. Segundo a velha, há muitos e muitos anos ali existia um castelo habitado por um rei muito cruel, que costumava dar festas para convidados do mundo inteiro, mas toda festa terminava num ritual macabro, com a execução de todos os convidados. Dizia ela, que por causa disso, Deus resolveu castigá-lo, transformando tudo em pedra. Contam por aí, que ainda hoje, nas noites de lua cheia, se ouve a alegre melodia dos violinos saindo de dentro das ruínas do castelo.
Ouvindo atenciosamente o relato, Mandu Ladino ficou calado, mas intimamente chegou à conclusão de que todos os “brancos” são cruéis.
A viagem continuou tranqüila.
Nas imediações da Fazenda Canabrava, situada às margens do riacho de mesmo nome, pertencente ao fazendeiro Edgar Muniz de Sousa Barreto – uma das figuras mais importantes da política baiana, homem da intimidade do Vice-Rei, para quem fornecia açúcar e farinha – Mandu Ladino, entregando o berrante para Jararé-Açu, falou:
– Tome conta da boiada que agora vou dar um galope até a aldeia dos Crateús, pois precisamos convencê-los para que eles participem do nosso levante.
O índio-vaqueiro cravou as esporas na barriga do cavalo. Saindo em disparada, atravessou o riacho e pouco depois riscou no pátio da fazenda. O filho do fazendeiro corrido da Justiça baiana, acusado da morte de uma pessoa muito influente, pensando que se tratava da polícia ou de algum justiceiro que vinha a mando dos familiares da vítima em busca de vingança, escondeu-se numa das alcovas da fazenda.
Mandu Ladino, que por ocasião do crime havia estado em Salvador, para onde levara uma boiada e ficou sabendo de tudo, falou a um dos vaqueiros:
– Traga uma caneca d’água e diga ao seu patrão que venha falar comigo.
Tendo a certeza de que não se tratava de mensageiro da vingança, o fazendeiro suspirou aliviado e logo foi ao encontro do índio-vaqueiro.
E ao sair, foi logo dizendo:
– Seja bem vindo à Fazenda Canabrava. Aqui, todos da Fazenda Bitorocara, da Fazenda Cabeça do Tapuia e das demais fazendas do Capitão Bernardo de Carvalho e Aguiar sempre serão bem acolhidos.
– Muito obrigado pela cortesia, mas não venho tratar de nenhum assunto de interesse do Capitão.
– Então o que você deseja?
– No ano passado eu estava em Salvador e fiquei sabendo de tudo o que aconteceu. Mas não se preocupe, se você colaborar com o nosso levante, eu ficarei calado.
Além do prestígio e do nome pomposo, o jovem que já havia constituído família, relembrando do crime e fuga da justiça, sentindo-se ameaçado, abriu a guarda:
– Então, em que posso lhe ajudar em prol do sucesso do levante?
Mandu Ladino, sabendo que o seu trunfo valia ouro, falou:
– Em troca do meu silêncio eu quero que você me forneça armas e munições.
– Está bem! Vou pedir para o meu pai mande da Bahia!– disse o moço, apertando-lhe a mão.
Satisfeito com a aliança feita com o jovem fazendeiro e ainda ouvindo o som estridente do berrante entrecortado pelo aboio dos vaqueiros, Mandu Ladino bebeu a água que lhe foi servida e montando no cavalo foi em busca do apoio dos Crateús.
No caminho, atravessando a floresta, enquanto pensava em Juçara, a filha do Cacique dos Tabajaras, da Serra dos Matões, de cuja tribo esperava contar com o total apoio, o bravo guerreiro da tribo dos Aranis travestido de vaqueiro da Fazenda Bitorocara, fazia uma retrospectiva da sua vida.
Transportando o passado para o presente, via-se com apenas 12 anos de idade, de lança em punho, no meio de uma luta sangrenta travada contra o aparato militar comandado pelo sanguinário Francisco Dias d’Ávila (II), que, covardemente, os atacou de surpresa.
Num relampejo de memória, relembrava todos os detalhes do cruel massacre contra a sua tribo e do momento exato em que os seus pais tombaram, quase que simultaneamente, atingidos por violentas descargas de arma de fogo.
Os gritos de desespero dos feridos ao verem os vencedores sangrarem e degolarem as suas vítimas ainda ecoavam em seus ouvidos.
Aquela cena macabra jamais se apagara de sua mente e toda vez que vinha à tona, soava como um pedido de vingança.
Com duas lágrimas nos olhos e um enorme aperto no peito, relembrava com um misto de saudade e pesar os momentos vividos no Aldeamento de Cariri do Boqueirão, situado a 70 léguas de Recife, para onde fora levado após cair na orfandade.
Em seus devaneios, recordava as aulas ministradas pelos Padres Teodoro de Lucé e Martinho de Nantes, da Ordem dos Capuchinhos, que lhe transformaram numa das figuras mais letradas do Piauí, de então.
Mas recordava também do dia em que os dois Padres, na tentativa de fazer com que os índios aldeados esquecessem as suas práticas religiosas, tão condenadas pela Igreja, queimaram os ídolos, as vestimentas e outros objetos de adoração do seu povo.
Relembrava que ao ver o fogo devorar tudo o que a sua gente tinha de mais sagrado, ficou revoltado a ponto de pensar em matar os dois sacerdotes que tanto lhe queriam bem.
Relembrava também que foi após aquele ato que tomara a decisão de fugir do aldeamento.
E remexendo mais nas suas recordações, a sua memória privilegiada jorrava o passado, trazendo-lhe as lembranças do momento da fuga e de todo o trajeto de Pernambuco ao Vale do Longá, feito a pé, em companhia de um grupo de Cariris, – companheiros de infortúnio – com quem, juntos, foram atacados, presos e vendidos como escravos para um curraleiro da região.




9 – Bernardo de Carvalho no Cumprimento do seu Desiderato


Chegando da Capital pernambucana a tempo de se fazer presente na solenidade de instalação da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, ocorrida em 02 de março de 1697, o Capitão-Mor de Infantaria da Ordenança do Distrito de Cachoeira até a povoação dos Rodelas, Bernardo de Carvalho e Aguiar, permaneceu no Brejo do Mocha até maio, onde aproveitou para descansar da longa viagem e estreitar o relacionamento com os fazendeiros da região.
Quando já estava praticamente de retorno para Bitorocara, foi interpelado pelo Padre-Visitador:
– Capitão-Mor, não obstante a tudo que o senhor tem feito por todos nós e pela Madre Santa Igreja, dado o grande perigo que temos de enfrentar na viagem daqui até a Barra do Rio Grande, onde, por determinação do Senhor Bispo Diocesano de Pernambuco, Dom Francisco de Lima, vou instalar a nova Freguesia de São Francisco, que terá como Vigário o meu irmão, Padre Inocêncio de Carvalho e Almeida, não querendo abusar da sua generosidade, sou obrigado a solicitar a sua indispensável companhia, pois, só assim, nos sentiremos mais seguros e totalmente protegidos.
Mesmo após tanto tempo distante de casa, o Capitão-Mor de Infantaria não obstaculou e sem tergiversar, foi logo dizendo:
– Como militar e como cristão fervoroso, não posso me negar a atender a um pedido de um missionário, especialmente do senhor, que além de ser meu parente, já conheço de longas datas, desde quando o senhor era cura da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Rodelas, em cujo Distrito iniciei a minha carreira militar.
Emocionado, o Padre Miguel, abraçado ao militar, falou:
– Eu sabia que podia contar com você!
Reunindo a sua escolta, bem armada, constituída por quatro brancos, vinte índios e seis negros, o Capitão-Mor de Infantaria, Bernardo de Carvalho e Aguiar, conduziu os religiosos ao seu novo destino.
A viagem feita em lombo de animais pelo sertão infestado de índios durou vários dias.
Após muitas léguas e muita canseira, finalmente chegaram ao sertão do Rio Grande, onde depois da escolha do lugar, o próprio Capitão-Mor e seus homens, metendo a mão na massa, ajudaram a construir a Igreja. O novo templo foi sagrada pelo neo-Vigário da Freguesia, Padre Inocêncio de Carvalho e pelo Padre-Visitador, que também era o Vigário da Vara.
Abatido pelas canseiras da viagem, o Padre Miguel de Carvalho adoeceu. Não podendo continuar a desobriga, recorreu novamente ao militar:
– Meu caro Capitão-Mor Bernardo de Carvalho, além do esgotamento físico provocado pela longa viagem, estou me sentindo doente. Não posso continuar desobrigando o meu enorme rebanho espalhado por este mundão sem fim. Portanto, mesmo envergonhado, sou obrigado a lhe rogar um novo favor.
– Mesmo sem saber do que se trata, me coloco à sua disposição para fazer o que estiver ao meu alcance.
– Dado o meu impedimento, eu gostaria que o amigo e seus companheiros escoltassem o meu irmão, que vai me substituir na missão de desobrigar os moradores dos confins do Rio São Francisco, do Rio Grande, do Rio Preto e da região da Lagoa do Parnaguá.
– É com prazer que acompanharei o seu irmão, pois é construindo Igrejas e ajudando aos missionários que também se serve a Deus.
– Deus há de lhe recompensar por tudo que o senhor tem feito e vem fazendo em prol da Santa Madre Igreja.
Nessa nova empreitada feita com zelo e amor, o Capitão-Mor deu total proteção ao Padre Inocêncio.
Depois de cumprir a sua missão no sertão da Bahia, o missionário seguiu para a região da Lagoa do Parnaguá.
Atravessando o grande rio, a comitiva entrou nas caatingas secas, em terrenos de pedras duras, de serrotes de granitos, até alcançarem as terras arenosas.
Do lado da Bahia, as árvores castigadas pela seca do ano anterior, começavam a florescer com as primeiras chuvas do início da invernada.
Aliviado e em completo estado de êxtase, admirando a imensidão do planalto verdejante, o sacerdote exclamou:
– Que belo jardim!
Depois, seguindo pelos caminhos que margeavam as grandes escarpas de arenitos, a comitiva seguiu a sua jornada.
A viagem feita, com cavalos, gente, armas e munições por conta do Capitão-Mor, escoltando o missionário e o protegendo da fúria dos índios bravos e dos animais ferozes que infestavam aqueles desertos, principalmente na travessia do Rio Preto para a Lagoa do Parnaguá, onde os Acroás, já haviam feito muitas vítimas não foi das mais tranqüilas.
Além dos incômodos naturais, constituídos pela natureza da viagem, tiveram que atravessar muitos rios a nado. Padeceram de grandes fomes e tormentos.
Nas margens da Lagoa do Parnaguá, onde acamparam, um dos companheiros de Bernardo de Carvalho, relembrando o relato dos seus antepassados que adentraram o Piauí pela Região Sul, falou aos demais:
– Ao ver a imensidão das águas desta lagoa me lembro da Lenda de Miridan, que o meu pai me contava quando eu era menino.
Na expectativa de ouvi-la, o Padre Inocêncio, superando a curiosidade dos demais, pediu que ele a contasse.
– Eu não sou um bom contador de história e nem de lenda, mas como o senhor pediu, eu vou tentar dizer aqui do meu jeito.
– O importante é que o senhor conte.
– Já que é assim, então vou contar. Pois bem, segundo o meu pai, a lenda gira em torno do nascimento de um curumim que resultou de um relacionamento proibido de Miridan, a filha de um Cacique dos Acroás. A lenda conta que a jovem cunhã não sabendo como esconder o filho, o colocou numa gamela e soltou nas águas do rio Paraim. Quando a gamela começou a flutuar e descer na correnteza, as águas do rio se transformaram num imenso lago... Justamente neste lago, onde acabamos de tomar banho... Neste lago que atualmente é conhecido como a Lagoa de Parnaguá. A Mãe-D’água ao ouvir o choro do menino, amaldiçoou a mãe desnaturada e o recolheu para criar. Vivendo sob os cuidados dela, o menino encantou-se e ainda hoje não houve quem conseguisse desencantá-lo. Dizem que, de vez em quando ele aparece. Pela manhã como criança, na parte da tarde como adulto e à noite como um velho de barbas brancas.
Em maio de 1698, quando o Capitão-Mor, Bernardo de Carvalho retornava da longa e cansativa viagem de proteção aos missionários, tendo como recompensa apenas a satisfação de servir ao próximo, teve que retornar a Pernambuco para ser agraciado com uma nova patente – a de Coronel do seu Regimento.
No regresso o Governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro lhe incumbiu de acompanhar o mestre João Rodrigues até as minas do sertão de Buíque e que o assistisse enquanto se fizesse as provas e experiências das terras salitrosas.
Em cumprimento da determinação governamental, o Coronel Bernardo de Carvalho colocou a sua estrutura particular à disposição, fornecendo cavalos, celas, sustento e tudo o mais necessário para a viagem, levando consigo quatro homens brancos, vinte índios e seis negros, com armas e cavalos.
Feitas as experiências, o Coronel o conduziu de volta, fazendo o transporte das amostras de salitre colhidas.
Ao final da nova missão, que durou um mês, tomando o caminho de casa, contabilizava mais de um ano de ausência das suas propriedades.
Chegando em Bitorocara retomou as suas atividades de fazendeiro, mas em 1701, tendo tomado conhecimento de que o seu amigo, Manoel Álvares de Sousa – Capitão-Mor e Juiz Ordinário do Rio Grande do Sul, Distrito da Freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande – estava enfrentando dificuldades para conduzir, seis criminosos a Recife, que tinham feito motim e levante contra a Justiça, reuniu quatro homens brancos, dois escravos, cavalos, armas e munições e foi a seu encontro em Pilão Arcado. A partir daí o ajudou na escolta até o seu destino, por mais de 280 léguas de distância.
No seu retorno trouxe para junto de si, o seu parente Manoel Carvalho de Almeida, que muito lhe auxiliara na administração das suas fazendas e na luta contra o índio.

















10 – A Expulsão do Padre Tomé


Em agosto de 1698, quase um ano e meio depois da sagração da Capela e da instalação oficial da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, aconteceu um dos maiores atritos entre um dos fazendeiros e a Igreja.
O incidente ocorreu exatamente vinte e dois anos após o Governador de Pernambuco, Dom Pedro de Almeida ter agraciado Francisco Dias d’Ávila (II), Domingos Afonso Mafrense e outros protegidos da Casa da Torre com as primeiras concessões de sesmarias em terras do Piauí, como uma troca de favores ou mesmo como uma espécie de pagamento por terem aniquilado os Guegueses que atacavam as fazendas do Vale do São Francisco.
A nova Freguesia, desmembrada da de Nossa Senhora da Conceição de Cabrobó, foi sediada nas terras pertencentes ao sertanista Domingos Afonso Mafrense, no entanto, o seu território abrangia as 129 fazendas, o Arraial dos Paulistas a Terra dos Alongazes e as 36 tribos de tapuios bravos, arroladas pelo Padre-Visitador Miguel de Carvalho, na “Descrição do Sertão do Piauí” – minucioso relatório encaminhado a Dom Francisco de Lima, operoso Bispo Diocesano de Pernambuco.
A presença da Igreja nas terras controladas pela Casa da Torre não agradou aos latifundiários do Piauí, vez que representava a chegada do progresso e a conseqüente diminuição dos seus poderes.
A ausência de autoridades legalmente constituídas lhes permitiam agir como verdadeiros senhores feudais: eles próprios eram a Lei e podiam fazer tudo de acordo com as suas conveniências.
A anexação de toda aquela área ao Bispado de Pernambuco, que a partir de então fincou seus tentáculos no âmago do Sertão de Dentro, exercendo o poder e a autoridade da toda poderosa Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, ensejou no freamento dos excessos, desmandos e arbitrariedades praticados pelos sesmeiros, causando-lhes incômodos e descontentamento.
Insatisfeito com o Vigário, que durante as prédicas saía em defesa dos posseiros que eram submetidos ao pagamento de exorbitantes taxas, o fazendeiro Domingos Afonso Serra, sobrinho de Mafrense, comentava com os vizinhos:
– Se esse padreco não parar com essas pregações bestas ainda vai terminar se dando mal!
Mesmo sabendo das ameaças, o Vigário continuou nas suas liturgias, colocando-se sempre ao lado dos mais fracos.
Indignado com a atitude do Cura, Domingos Afonso Serra, de arcabuz em punho, à frente de vários escravos, invadiu a sede da Freguesia, humilhou e ameaçou o Vigário, que, temendo a própria morte, abandonou a Igreja, saindo em desabalada carreira, embalado ao som do estampido de arma de fogo.
– Vá embora e nunca mais volte aqui! – Vociferou o fazendeiro.
Enquanto o Padre escarrerado, levando nos braços a imagem da padroeira, refugiava-se no matagal, o invasor – um herege inveterado – à frente de seus homens cometia o sacrilégio de arrasar o templo e atear fogo nas palhoças que o sacerdote mandara construir para abrigar seus paroquianos nos dias de festas.
Amargando decepção, Padre Tomé, contando com o auxílio de alguns paroquianos, que lhe cederam cavalos, escolta e alimentos, refugiou-se no Rio São Francisco, sob a proteção do Padre-Visitador.
Indignado com a atitude do agressor, o Pe. Miguel de Carvalho lamentando a ausência do Capitão-Mor Bernardo de Carvalho, – que já havia tomado a direção de Pernambuco, onde receberia a patente de Coronel, – usufruindo do seu grande prestígio, apelou para os posseiros, que dentro de pouco tempo recrutaram dezenas de homens fortemente armados e sob a escolta destes, os dois religiosos, que a partir de então passaram a portar arma de fogo, retornaram para a sede da Freguesia, onde, com a ajuda dos seus defensores, reconstruíram a Capela e as casas.
O fato foi comunicado ao Bispo Dom Francisco de Lima e “sob a proteção deste, o Padre Carvalho assume corajosamente a defesa da Igreja e dos posseiros piauienses, em luta aberta contra os sesmeiros absenteístas que tentavam entravar o progresso do novo território.” (1).
































11 – O Juramento de Mandu Ladino


Mesmo alguns anos após o falecimento do fazendeiro Francisco Dias d’Ávila (II), o todo poderoso Senhor da Casa da Torre, ocorrido em Salvador, no posto de Coronel das Ordenanças, a lembrança de suas crueldades permanecia viva entre os nativos do Sertão de Dentro.
O índio-vaqueiro Mandu Ladino – o bravo e destemido guerreiro da tribo dos Aranis, que aos 12 anos de idade perdeu os pais e muitos dos seus parentes numa luta sangrenta comandada pelo temido Capitão-Mor da Conquista dos Índios do Piauí, jamais se esqueceu daquele terrível massacre.
As cenas do alvejamento e da decapitação dos seus pais ficaram gravadas em sua mente.
Apesar do banho de sangue e de todos os outros contratempos, era grato ao Frei Martinho de Nantes, o Capelão e memorialista das tropas de Francisco Dias d’Ávila (II), que após a batalha o recolheu ao Aldeamento de Boqueirão do Cariri, sitiado há 70 léguas de Recife, onde foi cristianizado e aprendeu a ler e escrever.
As lições da Bíblia e os ensinamentos de religiosidade transmitidos pelos Freis Martinho de Nantes e Teodoro de Lucé – os dois orientadores espirituais do aldeamento, que dentre outras coisas, pregavam a fé em Deus e o perdão, não foram absorvidas pelo pequeno órfão, que seguindo a tradição do seu povo, preferia aplicar a Lei do Talião. Para ele tinha que ser “olho por olho e dente por dente.”
E não obstante ao aconselhamento dos religiosos e à constante pregação da palavra de Deus, jurava para si mesmo:
– Um dia ainda hei de me vingar pela morte dos meus pais e de todos os índios do Piauí.





















12 – A Virada do Século


Depois das festividades de comemoração do último Natal do Século XVII, celebrado com uma linda missa, incluindo realização de batizados, casamentos e ato solene de primeira comunhão de alguns adolescentes, inclusive de índios domesticados, só se falava na missa de Ano Novo, que entraria para a história como a missa da virada do Século.
Todas as expectativas se voltavam para a entrada do Século XVIII.
Cheios de esperança, os fazendeiros e o povo em geral faziam planos para o futuro e não se cansavam de elogiar o Padre Tomé, que apesar de, no ano anterior, ter sido escarrerado da sede da Freguesia por Domingos Afonso Serra e seus capangas, havia feito uma linda festa.
A nova igreja, assim como a Fênix da Fábula, ressurgida das próprias cinzas, com a sua modesta torre apontando para o céu, abrigava um presépio arrumado ao lado do altar-mor, com as figuras do Menino Jesus, de Maria e José, ao lado dos Reis Magos, da vaquinha leiteira, do carneirinho do chifre enrolado e dos outros animais – todos confeccionados de argila, pelo próprio vigário, reproduzindo o cenário da manjedoura, que serviu de maternidade para o Nazareno.
O povo não parava de elogiar a atitude do cura, em seu sermão, de coração aberto, sem mágoa e sem rancor, perdoando seus agressores, a quem pediu a Deus e à Nossa Senhora da Vitória, que iluminassem os seus caminhos.
O padre também foi muito cumprimentado por conta dos agradecimentos públicos a todos os que ajudaram na reconstrução da igreja e pela belíssima oração com o pedido de bençãos especiais para todos os moradores do território da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória.
Digno de elogios e de muitos comentários foi também a Ceia Natalina, que, por sugestão de Antônio Soares Touguia, Mafrense ofereceu ao padre Tomé e aos fazendeiros da região.
Mas, o que mais se comentou foi o gesto do velho sertanista, que antes dos comes e bebes, onde se serviu as mais finas iguarias do sertão, regadas a um bom Vinho do Porto, promoveu o encontro do sobrinho com o vigário, que ao receber um pedido formal de desculpa, o abraçou e o convidou para assistir a missa de Ano Novo, que marcaria a virada do Século.












13 – Dom Francisco, o Adão dos Castelo Branco do Brasil


Ao tempo em que os colonizadores expandiam os seus domínios, com a implantação de novos currais – núcleos das fazendas – e continuavam as lutas cerradas contra os legítimos donos da terra, muitos outros aventureiros continuavam migrando para o Piauí.
Dentre eles, merece maior destaque o Fidalgo português, Dom Francisco da Cunha Castelo Branco, irmão do Visconde de Castelo Branco, que, posteriormente, recebeu o título honorífico de Conde de Pombeiro.
Dom Francisco era Capitão de Infantaria do Exército Lusitano e, além das funções militares como Oficial de Primeira Linha, exercera o cargo de Tesoureiro Real.
Homem íntegro e inteligente gozava de grande amizade e enorme prestígio junto ao Rei de Portugal, Dom Pedro II, o Pacífico, que o nomeou para comandar a defesa de Pernambuco e do Maranhão, afim de que, com a sua experiência militar como cabo-de-guerra, escorraçasse os holandeses e franceses em suas constantes investidas na tentativa de invasão.
Assumindo o comando do Forte do Arraial Velho de Bom Jesus, construído por André Vidal de Negreiros, – onde, em sua Capela, jazia os restos mortais de Felipe Camarão, outro herói da defesa contra os holandeses, – Dom Francisco, em sincronia com a Fortaleza de São João Batista do Brum, situada no istmo de Olinda, a uma légua de Recife e com a de São Tiago das Cinco Pontas, na ilha de Antônio Vaz, organizou a defesa do litoral pernambucano.
Tendo cumprido a sua missão na Capitania do Açúcar, embarcou à frente de uma Companhia, com destino ao Maranhão, levando consigo a família e todos os seus haveres.
Na viagem de Olinda para São Luís, ao enfrentar um temporal, seguido por grandes ventanias, o navio em que viajava foi a pique, nos baixos do litoral maranhense. No naufrágio, Dom Francisco perdeu a mulher, dona Maria Eugênia de Mesquita, uma das filhas (Maria) e todos os seus haveres, no entanto, conseguiu salvar-se com as filhas Ana e Clara.
Apesar da sinistra adversidade preparada pelo destino, deixando-o empobrecido, Dom Francisco continuou a sua missão e procurou reconstituir a sua vida.
Como militar de fibra, assim como havia feito em Pernambuco, organizou a defesa do Maranhão, para proteger a cidade de São Luís contra as freqüentes incursões dos franceses aquartelados em Caiena, que ainda sonhavam em reconquistar o Maranhão de onde foram expulsos em 1614 após amargarem uma flagrante derrota imposta por Jerônimo de Albuquerque e Diogo Soares Moreno.
Tempos depois, contraiu matrimônio com uma fina dama, da sociedade maranhense, do clã Monte Serrate, de cujo consórcio procriou uma filha de nome Maria do Monte Serrate Castelo Branco.
Após anos de trabalho em São Luís, reunindo os seus bens constituídos essencialmente pelo dote matrimonial da sua esposa, Dom Francisco mudou-se para o Piauí.
Fixando-se na Freguesia de Santo Antônio do Surubim de Campo Maior, tornou-se um próspero fazendeiro do Vale do Longá.
Pouco depois da sua chegada realizou o casamento da filha, Ana da Cunha e Silva Castelo Branco, uma das sobreviventes do naufrágio, com o Fidalgo da Casa Real e Capitão-Mor da Vila de São João da Ribeira do Parnaíba, João do Rego Barros.
Em seguida, a outra filha, Clara da Cunha e Silva Castelo Branco, contraiu matrimônio com o Fidalgo português, Manoel Carvalho de Almeida – Comissário Geral de Cavalaria, sobrinho e um dos braços direitos de Bernardo de Carvalho e Aguiar nas lutas contra os índios, – com quem construiu a Capela de Nossa Senhora do Livramento, a semente germinadora que deu origem a atual cidade de José de Freitas.
Anos depois de feliz vida conjugal, o Capitão-Mor João do Rego Barros ficou viúvo, desposando, em segundas núpcias, a cunhada, Maria do Monte Serrate Castelo Branco, filha do segundo matrimônio de Dom Francisco.
Vivendo e trabalhando no Vale do Longá o velho oficial lusitano, trocando a farda pelo gibão, assentou várias fazendas, tornando-se num dos homens mais prósperos da região e no tronco da árvore genealógica da numerosa família Castelo Branco, que do Piauí se irradiou para todo o Brasil.































14 – Joana, a Musa do Sertão


Joana, a jovem, linda e encantadora índia da tribo dos Aranis – irmã querida de Mandu Ladino, era a cunhã mais disputada pelos jovens guerreiros das tribos do Vale do Longá e de toda a região da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória do Brejo do Mocha.
Protegida pelo irmão, vivia na fazenda Bitorocara, na região de Santo Antônio do Surubim de Campo Maior.
Era o xodó de dona Mariana, a esposa do rico sertanista e fazendeiro Bernardo de Carvalho e Aguiar.
Ajudava nas tarefas da casa, mas não era tida como criada e até gozava do status de ser uma espécie de membro da família.
Por ser muito esperta, inteligente e, sobretudo, por gozar da amizade e da confiança da dona da casa e do seu esposo, tornou-se uma espécie de governanta.
Mandava e desmandava nos escravos e em toda a criadagem.
Quando decidia assumir a cozinha, preparava excelentes pratos. O seu tempero era conhecido e elogiado por todos, especialmente pelo dono da casa.
Portadora de vários outros dotes, não se prendia somente às atividades do lar.
Além dos serviços rotineiros da casa, fiava, bordava, fazia alguidares, panelas, cuscuzeiras e outras louças de barro e ainda manejava o tear, com habilidade e leveza.
As melhores redes da região eram confeccionadas por ela e suas ajudantes.
Ela fazia de tudo o que se possa imaginar. Mesmo sem ser obrigada, vez por outra, agindo por conta própria, se juntava à criadagem e encarava os serviços de roça, notadamente, por ocasião do plantio e da colheita.
Era uma verdadeira amazonas. Montava melhor do que muitos homens e até campeava.
A fama de sua beleza e dos seus delicados gestos femininos era conhecida do Brejo do Mocha ao Litoral.
Vez por outra, levada pelo espírito livre e aventureiro de sua raça, contando com o apoio do irmão e com o consentimento dos donos da casa, montava em seu cavalo alazão de manchas brancas na testa, que ganhara de presente da dona Mariana, saía de tribo em tribo para visitar as amigas, fazer contatos para Mandu Ladino e atiçar a cobiça dos varões.
Muito corajosa, viajava sozinha, rompendo grandes distâncias. Em suas andanças ia do encontro dos rios Parnaíba e Poti ao litoral.
Numa dessas excursões, por sugestão de Jacaré-Açu, “O Tremembé do Delta”, que em companhia do seu irmão trabalhava como vaqueiro na fazenda Bitorocara, foi conhecer os Tremembés de Itaqui, onde se deliciou com os banhos de praia e fez grande amizade com os jovens do local, inclusive com Gavião, um robusto guerreiro que a cortejou.
Mesmo tendo sido coberta de presentes, como colares e pulseiras de conchas coloridas e com um cocar vermelho, confeccionados especialmente para ela, com penas de guará, foi sincera e medindo as palavras para não magoar o seu pretendente, enfatizou:
– Bravo guerreiro Gavião, da brava e destemida tribo dos Tremembés, não me leve a mal, não posso lhe namorar. O meu coração já pertence a Juvenal, um amigo do seu primo Jacaré-Açu, com quem trabalha como vaqueiro na fazenda onde moro.
Após uma semana no litoral, onde, como uma espécie de assessora de relações públicas do irmão, conquistara a simpatia dos Tremembés, e como turista, em companhia de Jaciara, Jacira e Macirajara, vivia a passear, tomar água de coco, comer peixe assado com caxiri e banhar nas praias de Amarração, no Lago de Sobradinho e na Lagoa do Portinho, Joana decidiu retornar.
Ao se despedir da bela jovem, Gavião, comungando com os planos do irmão dela, falou:
– Joana, diga a Mandu Ladino e ao meu primo Jacaré-Açu que a causa deles também é a nossa.
E ao abraçá-la e beijá-la, com carinho, concluiu:
– Diga a eles que já estamos preparados para o grande levante e que, além das outras carnificinas, precisamos nos vingar também dos massacres impostos aos Aranis e aos Tremembés do Delta.
Montando em seu cavalo ao mesmo tempo em que Joana montava o seu, Macirajara, tão bonita e tão corajosa como a nova amiga, acenou para os seus parentes e lapidando o animal com um cipó de marmeleiro, acompanhou a sertaneja.
A bela dupla tomou o caminho de volta e dentro do tempo previsto deu com os costados em Bitorocara.
No percurso visitaram outras tribos, especialmente os Anancês, que lhes proporcionaram momentos agradáveis, como os Rituais de Dança numa bela noite de Lua Cheia, realizados nas margens do Longá e os inesquecíveis banhos na Cachoeira do Urubu.
Tempos depois, em outra de suas andanças, na Serra dos Matões (Pedro II), hospedou-se na cabana de Juçara, a filha do Cacique da tribo dos Tabajaras, que dominava toda aquela região serrana.
Depois de passear pela floresta foram tomar banho na Cachoeira do Pirapora.
Quando a visitante já estava completamente nua a se deliciar com a água fria da cachoeira, uma das suas colegas advertiu:
– Cuidado com a Sereia do Pirapora!
Pensando tratar-se da mesma lenda que ouvira em Itaqui, por ocasião da visita aos Tremembés, Joana comentou:
– Pensei que só havia sereia no mar.
– Não, aqui também tem uma sereia... a Sereia do Pirapora.
– Essa é a primeira vez que escuto falar dessa sereia.
– Pois ela existe de verdade e vou lhe contar tudo que sei sobre ela.
– Então conte logo. Estou morrendo de curiosidade.
– Os mais velhos da nossa tribo contam que nas proximidades desta cachoeira, – disse ela, apontando com o dedo, – havia uma fazenda. Segundo eles, a filha do fazendeiro era uma moça muito bonita... Era uma linda jovem de cabelos longos, que costumava vir banhar e apanhar água aqui no olho d’água, onde quase sempre avistava um pássaro colorido a se exibir sobre uma pedra, do outro lado do riacho. A exuberante imagem do pássaro e o som maravilhoso do seu canto não saíam de sua memória. O seu pensamento estava totalmente voltado para aquele pássaro. Dizem que, um certo dia, ela chegou cedo e, sentando-se em uma das pedras, ficou a observar a natureza. De repente, o pássaro misterioso pousou na pedra onde costumeiramente ficava. Pensando em pegar o pássaro, ela mergulhou n’água e nunca mais retornou. Segundo os comentários, a Mãe-D’água a transformou numa linda sereia, que passou a ser conhecida como a Sereia do Pirapora. Ela sempre aparece nas noites de lua cheia sentada sobre uma pedra com um pássaro pousado em seu ombro.
Depois do banho Joana foi levada para um grotão, onde os índios encontraram a ossada de um boi, que teria morrido, provavelmente, pela picada de uma cascavel. No local, desde então denominado de Boi Morto, Juçara apanhando uma lança ali abandonada por um guerreiro de sua tribo escavou a ribanceira do barranco e, sem saber do que realmente se tratava, retirou uma linda gema de opala do tamanho de um ovo de galinha, e entregando-a à visitante, falou:
– Joana, tome, leve essa pedra azul e faiscante como lembrança da nossa tribo e diga a Mandu Ladino que os Tabajaras estão preparados para o grande levante.
– Obrigado pelo belo presente e principalmente pelo apoio ao plano do meu irmão.
– E, por falar em seu irmão, diga a ele que estou com muita saudade e que se ele não reatar o nosso namoro, termino desafiando a sua nova namorada para um duelo de vida ou morte e quem vencer será a dona dele.
– Pelo pouco que eu conheço de Macirajara, posso afirmar que ela é capaz de qualquer sacrifício para ficar com o meu irmão.
– Pois leve a minha proposta para Mandu Ladino e diga para Macirajara que caso ela não se afaste da vida do meu homem, por bem, vai terminar se afastando por mal.
Outra índia, requebrando-se, ajeitou a tanga de penas de arara e entrando na conversa, falou:
– Joana, eu também tenho um recadinho para o meu namorado. Por favor, diga a Jacaré-Açu, o meu índio vaqueiro, que, se ele me trocar por outra, vai se dar mal.
Sorrindo das amigas, Joana balbuciou:
– Ainda bem que Juvenal é só meu e de mais ninguém!


















15 – Arraial dos Ávilas, o Terror dos Índios e dos Posseiros


Como sempre sói acontecer até mesmo na virada dos anos, a entrada do Século XVIII trouxe muitas esperanças para todos, especialmente para os fazendeiros e posseiros dos sertões do Piauí.
Satisfeito com a rápida reprodução dos seus rebanhos, o Coronel Garcia d’Ávila Pereira, também conhecido como Garcia d’Ávila (III), o novo Senhor da Casa da Torre, de olho na proteção do seu patrimônio, constantemente exposto ao ataque dos índios, aproveitou-se da presença da Igreja, recém-instalada em solo piauiense por determinação do Bispado de Pernambuco e usando da sua influência junto ao governo do Brasil, sediado em Salvador, conseguiu a nomeação de um Sargento-Mor para o Brejo do Mocha.
Afinal de contas, tinha muito prestigio e poder, vez que, sucessivas gerações de sua família vinha desbravando os “sertões do Nordeste, como se missão cumprissem, distendendo mais e mais as terras que seus antepassados conquistaram” e sempre mantiveram “o domínio econômico, político e militar sobre uma região maior de que a de muitos reinos da Europa”. (1).
O felizardo indicado pelo todo poderoso Senhor da Casa da Torre, Coronel da Ordenança de Salvador, Garcia d’Ávila (III), foi nada menos do que o seu amigo e colaborador Miguel de Abreu Sepúlveda, da fazenda Buqueirão, situada às margens do Itaim-Açu (Poti), onde já vinha se destacando como um dos maiores caçadores de índios da região.
Ao passar por Tatuapara, com destino a Salvador, onde receberia a patente real, Miguel de Abreu Sepúlveda, foi recepcionado por dona Leonor Pereira Marinho e pelo filho, que também o nomeou como Procurador da Casa da Torre.
Em seu regresso, o jovem senhor Garcia d’Ávila (III), lhe passando o comando de uma tropa de índios domesticados, o felicitou:
– Meus parabéns! Agora como Sargento-Mor do Brejo do Mocha e como representante da Casa da Torre, você passa a ser uma das maiores autoridades e uma das pessoas mais importantes do Piauí!
Olhando nos olhos do seu amigo e protetor, o neófito Sargento-Mor sorriu de contentamento.
Prosseguindo, Garcia d’Ávila (III), o recomendou:
– Assuma o comando dessa tropa e ao chegar ao Piauí instale um arraial militar às margens do Gurguéia, nas terras da primeira sesmaria, que o meu falecido pai recebeu do governo de Pernambuco, no ano de 1684.
– Sim, senhor!
– Esse arraial, que servirá para intimidar os posseiros e, principalmente, como ponto de apoio para defender as nossas boiadas e garantir a expansão dos currais no território do Maranhão, especialmente no Vale do Itapecuru e nos sertões dos Pastos Bons, deverá receber o nome de Santo Antônio de Pádua – o santo de minha devoção, que doravante será o nosso padroeiro.
Como um autêntico aldeamento militar, que durante muito tempo cumpriu a função de patrulhar a sua circunvizinhança para garantir a tranqüilidade dos currais protegendo-os contra a fúria dos índios – situado numa posição estratégica entre o Brejo do Mocha, o Extremo-Sul do Piauí e os Sertões dos Pastos Bons, no território do Maranhão, – constituía-se de um pequeno exército, de índios e soldados, bem armados. Era o principal ponto de apoio da Casa da Torre no território do Piauí, e como tal, estava sempre pronto para atacar e para reagir contra toda e qualquer agressão a uma dessas localidades.
Apesar da fama e da importância, o arraial não passava de uma modesta povoação constituída por um amontoado de palhoças, formando um retângulo, com uma choça ao centro, que servia de Capela para abrigar a imagem do padroeiro e para as missas ocasionais, quando por ali passava um missionário em desobriga.
Ao assumir o comando militar da aldeia, Miguel de Abreu Sepúlveda abandonou a mulher e os filhos para se dedicar exclusivamente aos interesses dos Ávilas. E como Procurador da Casa da Torre, agia com arrogância e prepotência, tornando-se o terror dos índios e dos posseiros.



































16 – Souto Maior, o Primeiro Mestre-de-Campo
da Conquista do Piauí, nomeado pelo Maranhão


Em 1708, logo após ter sido designado, pelo governo do Maranhão como o primeiro Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí, Antônio da Cunha Souto Maior – um dos mais antigos moradores do Piauí – senhor da fazenda Caraíbas, situada nas proximidades da foz do Canindé, criou o primeiro corpo militar oficial do Norte piauiense.
Tendo como subcomandante o seu irmão, Capitão-Mor Pedro da Cunha, o Mestre- de-Campo fixou-se no Arraial da Conceição, nas proximidades de Bitorocara.
Bernardo de Carvalho e Aguiar, tendo tomado conhecimento de que o ilustre oficial e sua tropa haviam acampado em seus domínios, não muito distante da fazenda Bitorocara, resolveu lhe dar as boas-vindas.
Chamando um dos vaqueiros, que ao lado de Jacaré-Açu (o índio do delta) e de Juvenal, conduziam algumas rezes para o curral, ordenou:
– Vá ao encontro do Mestre-de-Campo Antônio Souto Maior e diga a ele e aos seus oficiais que estou lhes convidando para um almoço de boas-vindas.
– Nhô sim, Coronel – disse o vaqueiro em sinal de obediência e ajeitando o punhal de um lado e a garrucha do outro, cravou as esporas na barriga do animal e o lapeando de chibata de couro cru, saiu em disparada.
O dono da casa, chamando a esposa, recomendou:
– Mariana, se prepare para receber as visitas e diga a Joana que mande abater as criações de cabelo e de pena e assuma a cozinha. Hoje eu quero uma comida especial, com o gosto do tempero dela.
Montado no cavalo conhecido como Ventania, que ao correr parecia voar, o “dicretado” não demorou muito a chegar ao acampamento. Antes de se apear foi cercado por três soldados mamelucos, que de arcabuz em punho apontavam para o seu peito.
Um deles indagou:
– Quem é você e o que deseja aqui no nosso acampamento militar?
– Calma! – Disse o vaqueiro levantando os braços e olhando nos olhos de cada um deles, concluiu:
– Eu sou o Mandu Ladino e venho em missão de paz.
Um dos oficiais, ao se aproximar para se certificar do que realmente estava acontecendo, arregalando os olhos, de espanto, falou:
– Ah, então você é o famoso Mandu Ladino, o temido índio vaqueiro e boiadeiro que anda de tribo em tribo incitando a indiada para se rebelar e fazer um grande levante contra todos os conquistadores, que a ferro e a fogo conseguiram se estabelecer nas terras do Piaguhy?
Fixando o olhar no oficial e o encarando, olho no olho, com coragem e destemor, o vaqueiro confirmou:
– Sim, sou eu mesmo em carne e osso e procedo assim para despertar a consciência e elevar a auto estima do nosso povo, impiedosamente massacrado por pessoas como vocês. E somente unidos numa grande confederação envolvendo todas as tribos, de Norte ao Sul do Piaguhy, poderemos expulsar os intrusos e reconquistar o nosso território.
– Nunca vi um índio tão insolente e atrevido como você.
– Você ainda não viu nada. Portanto, é melhor não me importunar. E como não tenho mais nenhum assunto para tratar com você, mande os seus macacos baixarem as armas e saia do meio que quero falar com o seu superior.
Um dos soldados sentindo-se ofendido bradou:
– Você me respeita ou entra em bala!
O oficial, que também não gostou da resposta, tentando impor a sua autoridade, sacou da sua garrucha e apontando para Mandu Ladino, gritou:
– Esteja preso!
– Eu morro, mas não me entrego!
Atraído pelo movimento, que àquela altura chamava a atenção de todos, o Capelão da tropa – Frei Manoel de Jesus e Maria, preocupado com a integridade física do visitante, bradou:
– Parem com isso!
Souto Maior, ao perceber que se tratava do irmão de Joana, gritou:
– Baixem as armas e deixem o bravo cavalheiro vir falar comigo.
Lançando um olhar de vitória nos que lhe ameaçavam, Mandu Ladino apeou-se e virando-se para um dos soldados que o tinha na mira do arcabuz, ordenou:
– Entregue a sua arma para um dos seus companheiros e vá cuidar do meu cavalo.
– Só atendo às ordens dos meus superiores – disse o soldado, ainda ofendido por ter sido chamado de macaco.
– Faça o que ele está mandando – ordenou Souto Maior ao se aproximar e estender a mão ao pretenso futuro cunhado.
– Então você é o famoso Mandu Ladino, irmão de Joana, a encantadora Musa do Sertão?
– Sim, senhor! Sou eu mesmo, em carne e osso!
– O que você deseja de mim?
– Eu, pessoalmente, não desejo nada. Sou portador de um convite do Coronel Bernardo de Carvalho e Aguiar.
– E que convite é esse?
– O Coronel manda convidar o senhor, os seus oficiais e o Capelão Manoel de Jesus e Maria para um almoço de boas-vindas. Ele e sua família já estão a lhes esperar.
– Diga ao Coronel que é com muito bom grado que aceitamos o convite. Logo mais estaremos chegando na fazenda.
– Sim, é com prazer que darei o seu recado, mas antes quero a sua permissão para falar com os índios que compõem a sua tropa.
– Está bem! Fique à vontade, mas não se demore muito.
Mandu Ladino que já era conhecido e admirado por alguns dos Tapuias de Souto Maior, foi recebido com muita alegria.
Depois dos cumprimentos e da certeza de ter conquistado a confiança de todos, fez uma exposição, enfatizando a crueldade e todos os demais malefícios causados pelo conquistador à sua raça, que de massacre em massacre, estava fadado ao completo extermínio. E para concluir, arrematou:
– Na verdade, o plano é o seguinte: quando uma legião de guerreiros atacar as tropas do Capitão-de-Campo da Conquista do Piauí, vocês devem se rebelar e passar para o nosso lado, pois só assim unidos teremos mais chance de cortar o mal pela raiz. A partir daí, um grande levante não tardará a acontecer.













































17 – O Apoio de Cabuçu


Depois do proveitoso encontro com os índios das tropas de Souto Maior, Mandu Ladino se despediu de todos e saiu levando consigo a certeza de que o seu plano estava consolidado, faltando apenas o momento oportuno para reunir a indiada e desencadear uma série contínua de ataques.
Ao se aproximar da árvore frondosa, onde o seu cavalo estava amarrado, foi abordado por um dos integrantes da reunião:
– Talvez você nunca tenha ouvido falar a meu respeito, mas eu ainda sou seu parente. Meu nome é Cabuçu. Assim como você, eu também sou um dos sobreviventes do massacre que o Capitão-Mor da Conquista dos Índios do Piauí, Francisco Dias d’Ávila (II), impôs aos Aranis. Assim como os seus, os meus pais também morreram em combate. Como você, eu também fui escravizado e vendido para um curraleiro. Temos a mesma origem e a mesma história e agora temos os mesmos objetivos.
Os dois se abraçaram fraternalmente trocando tapinhas nas costas.
Cabuçu, continuou:
– Ainda temos muito que conversar, mas de antemão quero que você saiba: sou o Chefe Militar do Esquadrão Indígena das Tropas de Souto Maior e estou com você para o que der e vier.
– Eu sabia que tinha conquistado a confiança de vocês, mas agora sei que além da confiança, conquistei um amigo e um grande aliado. Você é a pessoa certa no lugar certo.
– Espero poder contribuir com o seu plano e aguardo o momento certo para fazer a minha parte e nos livrarmos de vez dos conquistadores.
– Venha comigo, você é meu convidado. Vamos almoçar na fazenda, onde continuaremos a nossa conversa em companhia de Jacaré-Açu, um Tremembé do Delta do Parnaíba, que tem uma história parecida com a nossa.



















18 – O Almoço na Fazenda Bitorocara


A presença de Souto Maior e dos seus oficiais causou um verdadeiro reboliço na fazenda Bitorocara.
Enquanto o Coronel Bernardo de Carvalho e Aguiar e a esposa recepcionavam os visitantes, fazendo as honras da casa, os escravos e toda a criadagem trabalhavam para servi-los da melhor maneira possível.
Uns cuidavam dos animais, outros da alimentação e das bebidas.
A cozinha, sob o comando de Joana, era o departamento mais movimentado.
As cozinheiras atiçando o fogo, do fogão a lenha, colocavam tempero e davam os últimos retoques na comida.
O vapor das panelas e a carne assando na brasa exalavam um cheiro gostoso que invadia toda a casa despertando a fome dos visitantes.
No alpendre da enorme casa da fazenda os oficiais balançando nas redes de varanda, tomavam refresco de frutas regionais e conversavam entre si e com o dono da casa.
Sentindo o cheiro gostoso da comida, Souto Maior saboreava um copo de suco de cajá enquanto observava os seios fartos da mulata que o servia.
Percebendo a malícia do seu convidado, o dono da casa, dirigiu-se à criada:
– Recolha os copos e diga a Joana que apresse o almoço!
Ao ouvir falar o nome da sua pretendida, o Mestre-de-Campo indagou:
– Então é Joana, a famosa musa do sertão, que vai nos dar a honra de provar –lhe o tempero?
O dono da casa puxou outro assunto.
Enquanto Souto Maior tentava se informar melhor sobre a moça, a dona da casa e o Frei Manoel de Jesus e Maria improvisavam um altar com uma mesa rodeada por várias imagens. A de Santo Antônio, o padroeiro da fazenda, por ser a maior, se destacava dentre as demais.
A notícia da missa, marcada para o final da tarde, havia se espalhado rapidamente por entre os moradores da região.
Posta a mesa com as mais variadas iguarias, Joana, com o seu ar de encanto, indo até a varanda, a desfilar garbosamente por entre os convidados, falou ao patrão:
– Coronel, o almoço já está servido!
Souto Maior, que não a conhecia pessoalmente, ficou a observá-la, dos pés à cabeça e antes que ela se retirasse, comentou:
– Eu já conhecia a sua fama, mas você é muito mais bonita do que eu imaginava.
Ela sorriu docemente. Saiu a esbanjar a sua beleza, atiçando a cobiça do Mestre-de-Campo, que falando em pensamentos, disse a si mesmo:
– Custe o que custar, essa mulher ainda há de ser minha!
Enquanto os convidados saboreavam e teciam elogios à comida de Joana, reunidos na cocheira, Mandu Ladino, Cabuçu e Jacaré-Açu, tomando pinga com tira-gosto de carne assada, traçavam os planos do levante das tribos confederadas contra os colonizadores.
Depois de mais um brinde, dirigindo-se ao amigo, Mandu Ladino, solicitou:
– Conte ao primo sobre as atrocidades que fizeram à sua tribo.
Olhando nos olhos dos amigos e companheiros de infortúnio, Jacaré-Açu, relatou:
– A minha história é muito parecida com a de vocês. A nossa tribo, a valente tribo dos Tremembés do Delta, habitava uma das ilhas da desembocadura do Parnaíba, onde vivíamos em relativa paz, mas vez por outra a nossa gente era incomodada pelos viajantes, que iam do Maranhão para o Ceará ou em sentido contrário. A invasão do nosso território causou a reação dos nossos guerreiros, culminando com algumas lutas, com baixas para ambos os lados, inclusive de dois Padres que viajavam com uma grande escolta de mulatos, mamelucos e índios de outras tribos, fortemente armados. A nossa reação, em legítima defesa, contrariou os interesses dos viajantes e do governo maranhense, que nos tinham na conta de perigosos. Em 1679, pouco tempo depois da morte dos padres e de alguns dos seus companheiros, quando menos esperávamos, fomos atacados, de surpresa, pelo Governador das Armas do Maranhão, Sargento-Mor Vital Maciel Parente. Ele vinha à frente de uma expedição composta por 30 canoas e 01 barco, com 140 soldados e 470 índios. Antes mesmo que pudéssemos esboçar uma reação, fomos encurralados. Foi tão grande a ira dos invasores que não perdoaram nem sexo e nem idade. Os soldados impiedosamente abriram fogo matando homens, mulheres, velhos e crianças. Os índios aliados, sem dó e sem piedade pegavam as nossas criancinhas pelos pés e girando-os, no ar, golpeavam as suas cabecinhas contra as árvores, esfacelando os seus miolos. Foi grande a carnificina. De uma maloca de 300 dos nossos, somente eu e mais 36 escapamos com vida. E aqui estou junto com vocês para cumprir a minha jura de vingança.
Depois do relato, os três índios se abraçaram. Trocando tapinhas nas costas, Mandu Ladino, alertou:
– Eu sinto que já está chegando a hora do grande levante. Vamos nos preparar para saciar a nossa sede de vingança.
Logo após o almoço, enquanto os convidados repousavam nas redes, estrategicamente armadas no alpendre da fazenda, a dona da casa, ajudada por Joana, enfeitava o altar com flores do campo. O Frei Manoel de Jesus e Maria – paramentado para a celebração – improvisou um confessionário, passando a atender uma enorme fila de confidentes, ávidos pela absolvição dos seus pecados.
Apesar da presença de dona Mariana e de Juvenal, Souto Maior não parava de assediar Joana, que se sentindo incomodada comentou com as colegas:
– O Mestre-de-Campo não pára de me atormentar. Para todo lugar que eu vou ele me segue com seu olhar pidão, mas o que ele quer já tem dono.
Depois da missa, ao se despedir, Souto Maior, chamou o dono da casa a um canto:
– Coronel, mesmo sabendo que o senhor está, militarmente, vinculado ao governo de Pernambuco, eu gostaria que o senhor fosse o meu auxiliar da Campanha Anti-Indígena que o governo do Maranhão me confiou. Como Mestre -de-Campo da Conquista, já repassei o seu nome ao governo maranhense. Agora só depende do senhor. Tenho a garantia de que assim que o senhor se desligar do governo de Pernambuco, passará automaticamente para o governo do Maranhão, usufruindo maiores vantagens.
– É um caso a pensar – disse o Coronel.
– Então, enquanto o senhor pensa melhor, eu gostaria que o senhor me desse a permissão para permanecer acampado e me aquartelar de vez nas suas propriedades.
– Não tem problemas, fique o tempo que achar necessário.






































19 – A Instalação da Freguesia de Santo Antônio do Surubim


Em 1710, treze anos depois da instalação da freguesia de Nossa Senhora da Vitória, no Brejo do Mocha, onde logo no início, o Padre-Visitador e seus colegas tiveram que enfrentar a oposição de alguns fazendeiros, inclusive de Domingos Afonso Serra, o sobrinho de Mafrense, que, num acesso de loucura, à frente de alguns homens armados de catana e arcabuz, desacatou o Padre Tomé, queimou a Igreja, arrasou as palhoças que o Cura mandara construir para abrigar os seus paroquianos e o expulsou da comunidade, o zeloso Vigário – amado e querido por todos, até pelos antigos opositores, – contando com a ajuda dos fiéis, tocava a obra de ampliação e remodelação da nova Igreja, que assim como a Fênix da Fábula, ressurgiu das próprias cinzas.
Sentindo na pele a dificuldade de desobrigar o seu rebanho, constituído por uma população rarefeita, pulverizada por uma enorme área territorial, após se entender com o Bispo de Olinda, resolveu instalar mais uma nova Freguesia, escolhendo para sede Bitorocara, onde já havia uma boa concentração de fazendas e uma quantidade razoável de pessoas a reclamar a ação efetiva do seu pastor.
Tomada a decisão, o Padre Tomé, após reunir os seus apetrechos pessoais, falou ao coroinha:
– Cornélio, apesar de ainda não ter me recuperado muito bem da recente desobriga feita aos fazendeiros do Vale do Mulato, não podemos mais adiar a viagem para Bitorocara. Prepare os cavalos, arrume a nossa bagagem e fale com os nossos acompanhantes.
– Nhô sim, “seu” Padre – disse o rapaz, de cabeleira farta, levantando-se da mesa a atochar o chapéu de palha, de ponta bicuda, na cabeça.
Enquanto o acólito saía apressado, porta afora, segurando as calças largas, de pano grosseiro, o Vigário limpou a boca com um lenço encardido e levantando-se da mesa, onde saboreava um farto lanche constituído por pamonha, tapioca, macaxeira cozida com mel de abelha jandaíra, bolo de milho, cuscuz de arroz pilado e café com leite, falou:
– Não se esqueça de recomendar a todos para que estejam muito cedo aqui na casa paroquial, de onde sairemos no primeiro cantar do galo.
E virando-se para a criada – uma escrava que ganhara de presente de Mafrense, – ordenou:
– Manoela, tire a mesa, engome a minha batina nova e depois encha as cabaças d’água e prepare o “frito” da viagem.
Conforme o combinado, no momento em que os galos, os incríveis despertadores do sertão, começaram a tecer a madrugada daquela linda noite de luar, os viajantes já se encontravam no local determinado.
O sacristão, que foi o último a chegar, ao se despedir, beijou o filho adormecido e abraçando a mulher, que o acompanhou até a porta da rua, pegou os cavalos previamente selados e montando num deles, saiu dando um adeusinho e a puxar o outro pela rédea.
Mal ele saiu pela porta da frente, o seu sócio entrou pela porta dos fundos.
Luísa, a sua mulher, uma linda mestiça, de estatura mediana, no vigor dos seus vinte e poucos anos de idade, com os seus olhos esverdeados, cabelos compridos, lábios grossos e cheia de amor para dar, saltou no pescoço do amante e fundindo a sua boca na dele, rolaram pelo chão.
Enquanto o marido e os seus amigos, expostos ao relento, se retorciam de frio, a mulher e o seu amante desfrutavam das delícias dos prazeres da carne.
Indiferente aos acontecimentos, a lua cheia boiava no céu, um galo cantava e o outro respondia.
O Padre Tomé, após supervisionar o movimento da cozinha, onde Manoela, auxiliada por outra negra, ao pé do fogão à lenha, preparava o desjejum, abriu a janela da casa paroquial e ao ver os seus companheiros de viagem, saudou:
– Bom dia para todos!
Enquanto uns respondiam à saudação e outros lhe tomavam a benção, o Padre, abrindo a porta da frente, falou:
– Vamos entrar para comer um quebra-jejum reforçado que a viagem vai ser longa e cansativa.
A comitiva percorreu as poucas vielas e saindo pela rua do Caquente atravessou o riacho do Mocha. A madrugada fria deixou as folhas das plantas e as pedras molhadas pelo orvalho da noite. O comboio seguindo pela Ladeira do Maranhão, tomou a Estrada Real com o plano de pernoitar na Passagem da Inhuma, no rio Canindé.
Apesar da grande distância entre a sede da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória e Bitorocara, a viagem não se tornava enfadonha.
Ao cair da tarde, depois de romper uma grande distância, os viajantes foram surpreendidos pelo canto melancólico de um casal de pássaros. A fêmea cantava insistentemente, o macho respondia.
Surpreso, freando o seu cavalo, o coroinha alertou:
– Escute Padre Tomé... um é o canto de Zabelê... o outro é de Metara!
– Nunca escutei um canto tão triste assim e é a primeira vez que ouço falar no nome desses dois pássaros – disse-lhe o sacerdote.
– Pensei que o senhor conhecesse a Lenda de Zabelê!
– Não, não a conheço, mas quero que você me conte.
Temperando a garganta, o sacristão, desembuchou:
– A lenda gira em torno do amor secreto de Zabelê, uma linda jovem da tribo dos Amanajós, com Metara, da tribo dos Pimenteiras. As duas tribos eram inimigas e como, em hipótese alguma, consentiriam aquele relacionamento, os dois passaram a se encontrar às escondidas às margem do rio Itaim. Ocorre que Mandaú, um índio mau, que nutria um amor não correspondido por Zabelê, desconfiando de suas andanças, a seguiu . Ao encontrá-la nos braços do amado, voltou à tribo e quando o casal menos esperava, ele retornou com algumas testemunhas para desmascarar a sua pretendida. O incidente gerou uma briga generalizada, que resultou na morte do casal e de Mandaú. O novo incidente desencadeou uma guerra entre as duas tribos, que durou sete sóis e sete luas. Tupã, o Deus dos índios, apiedando-se dos amantes, os transformou em duas aves que andam sempre juntas a cantar tristemente ao entardecer. Mandaú, o pivô de toda a desgraça, foi castigado e transformado num gato maracajá, e, devido o alto valor de sua pele, ainda hoje vive perseguido pelos caçadores.
– Muito bem e muito obrigado pelo relato, mas agora é a hora da Ave-Maria. Vamos todos rezar o terço.
O Padre se benzeu e puxando a reza seguiu em frente.
Ao anoitecer, o Padre Tomé e sua comitiva foram recebidos por um fazendeiro. Apesar do cansaço, o sacerdote reuniu os vizinhos para uma celebração.
Na madrugada do dia seguinte continuaram a viagem, que apesar de cansativa foi tranqüila.
Chegando em Bitorocara, na região anteriormente conhecida com Terra dos Alongazes, foi acolhido pelo Coronel Bernardo de Carvalho.
Cheio de planos, dia seguinte, saiu em visitação aos principais fazendeiros em busca de apoio para a construção da Capela em homenagem ao glorioso Santo Antônio, padroeiro na nova Freguesia, que além de toda a região do Surubim e do Longá, abrangia todo o Norte da Capitania.
Depois de se decepcionar com os fazendeiros procurados, que sob as mais variadas desculpas se negarem em ajudá-lo, dizendo inclusive que tinham poucos escravos e que os mesmos estavam muito ocupados nas fazendas, o zeloso Vigário se valeu do Coronel Bernardo de Carvalho, que prontamente arranjou um carpinteiro e pegando os seus escravos foi pessoalmente recolher madeira e outros materiais. E como demonstração de coragem, zelo e amor ao serviço de Deus, o Coronel foi quem mais se empenhou no trabalho, fazendo a Igreja às suas próprias custas, fornecendo escravos para a mão-de-obra, gado, farinha e dinheiro, investindo uma grande quantia.
Durante a consagração do Templo, realizada com missa solene, que contou com a presença ilustre do Mestre-de-Campo Antônio da Cunha Souto Maior e dos seus oficiais, o Padre Tomé agradeceu publicamente ao Coronel Bernardo de Carvalho, pelo empenho, determinação e alto investimento, na construção da nova Igreja.
Enquanto o povo aplaudia incessantemente, o Padre Tomé foi surpreendido por mais uma ação nobre do seu protetor, que se levantando do banco de honra, onde se encontrava ao lado do Mestre-de-Campo, dirigiu-se ao altar e o abraçando, falou:
– Quero lhe agradecer pelas palavras elogiosas e aproveitando o ensejo, venho de público lhe oferecer todo o gado necessário para a conclusão da nova Matriz de Nossa Senhora da Vitória do Brejo do Mocha e a quantia de 200 mil réis para a compra de uma custódia de ouro para a dita Matriz. Se custar mais do que isso terei o prazer de completar o valor correspondente.

















20 – O Testamento de Mafrense


Cansado de matar índio, sentindo o peso da idade e da consciência, o sertanista Domingos Afonso Mafrense, decidiu se reconciliar com Deus na esperança de salvar a sua alma, que, segundo a sua própria avaliação, estava condenada ao fogo do inferno.
Arrependido das atrocidades cometidas contra os silvícolas jurava que seria capaz de dar toda a sua fortuna para comprar um lugar no céu.
O nababo que pensava apenas em riqueza, sentindo a velhice chegando, de uma hora para outra passou a se preocupar com as coisas de Deus. Tornou-se um dos fiéis freqüentadores da Capela de Nossa Senhora da Vitória do Brejo do Mocha e um dos maiores amigos do Padre Tomé de Carvalho e Silva, zeloso Vigário daquela Paróquia.
A mudança repentina do sertanista português serviu de exemplo para que os demais fazendeiros da região passassem também a freqüentar a Igreja e a contribuírem mais com os dízimos.
Satisfeito com as generosas doações, o Padre Tomé expandiu o seu raio de ação, passando a missionar nas fazendas mais distantes, em busca de salvar as almas e de aumentar o seu cabedal com vistas à ampliação do templo.
Nas viagens rotineiras que fazia a Salvador, o sertanista integrou-se à vida social, política e religiosa.
A religião lhe aproximou dos jesuítas do Colégio da Bahia que, cientes do seu arrependimento pelas atrocidades cometidas contra os índios e da sua obstinação de conseguir um lugar no Reino de Deus, lhe cercaram de cortesias. Em troca da fundação do Noviciado de Jequitaia, lhe concederam o hábito leigo da Companhia de Jesus.
Com os compromissos sociais, políticos e religiosos assumidos em Salvador, onde também havia se tornado Cavaleiro Confesso da Ordem de Cristo, Vereador e Tesoureiro Geral da Santa Casa de Misericórdia, Mafrense passava uma temporada na Bahia e outra no Piauí.
Apesar do convívio na cidade, ele gostava mesmo era do sertão, onde pretendia viver para sempre. As circunstâncias, no entanto, fizeram com que ele decidisse se mudar para a capital baiana.
Foi com pesar e muita tristeza que tomara aquela decisão. Mesmo acostumado com vida dura do sertão, não podia mais ficar, principalmente depois do ataque conjunto dos Pimenteiras e Acroás, em que, além de ficar ferido com uma flechada no ombro e de sofrer enormes prejuízos, amargou a morte da índia que havia gerado os seus dois filhos.
Deixando Agostinho e Vidal Afonso na administração dos seus bens, recomendou:
– Meus filhos, tomem conta de tudo o que é nosso. Infelizmente não posso ficar. Já estou muito velho e cansado dessa luta. Preciso cuidar da saúde e da alma. Vou me tratar e viver o resto dos meus dias em Salvador.
Na ausência de Mafrense, os filhos passaram a tanger as propriedades, imprimindo os mesmos métodos administrativos empregados pelo velho sertanista. Sempre que possível, eles mesmos, acompanhados por seus vaqueiros, levavam as boiadas até a feira de Salvador, onde aproveitavam para visitar o pai.
Vivendo definitivamente em Salvador, Mafrense, com a saúde muito mais abalada, continuava exercendo as suas funções e cada vez mais procurava se aproximar de Deus.
Em 1711, com avançada idade e com a saúde muito fragilizada, ficou acamado durante muito tempo.
De olho na fortuna do nababo do sertão, o superior dos jesuítas escalou uma patrulha de inacianos para velar o precioso moribundo.
Os discípulos de Santo Inácio se aboletaram na casa do enfermo.
Solícitos, prestativos e atenciosos, esperando apenas a hora certa de dar o bote para abocanhar a fortuna da vítima, o tratavam com todo carinho e se derretiam em choros.
Rezavam pela sua recuperação, mas intimamente desejavam a sua morte.
Enérgicos e dominadores, tentavam comovê-lo para que deixasse a sua fortuna para a Companhia de Jesus, no entanto, ele que apesar de ter se reconciliado com a Igreja e de ter feito juras de dar a sua fortuna em troca de um lugar no céu, ao perceber a ganância desmedida dos discípulos de Santo Inácio de Loiola, não acenava mais com essa hipótese.
Apesar da constante medicação e dos zelosos cuidados dos inacianos, o moribundo piorou a ponto de perder a fala.
Sentindo que Mafrense estava nos estertores da morte, os jesuítas, esquecendo-se até de ministrar a extrema-unção, mais que depressa chamaram Luís da Costa Sepúlveda, um tabelião de inteira confiança.
Logo ao penetrar na alcova, o velho escriba se deparou com dois Padres.
Sentado à cabeceira da cama, um deles, com a mão direita colocada por trás do travesseiro, apoiava a cabeça do moribundo.
Postado em pé, ali em frente, o outro, ao perceber a presença do notário, foi logo falando:
– “O irmão não disse que legava todos os seus haveres aos Padres jesuítas do Colégio da Bahia para o fim piedoso de dotar donzelas, amparar viúvas e órfãos e dar esmolas aos pobres?” (1).
Ao final da fala do primeiro inaciano, o segundo, ainda com a mão enfiada por trás do travesseiro, meneou a cabeça da vítima em sinal positivo de anuência.
O velho escriba, percebendo a falcatrua, usando da palavra interrogou:
– “E o irmão não disse, outrossim, que destinava uma das suas fazendas do Canindé para o oficial que lhe houvesse de lavrar o testamento?” (2).
Verificando que desta vez a cabeça da vítima não se movia, o notário deu meia volta e ao sair na porta, ironizou:
– “Pois se não disse isto, também não disse a outra coisa: nada disse!” (3).
Com a inesperada reação do escriba, que logo de início percebera a farsa, um dos padres tentou salvar a situação:
– Tenha calma e volte para concluir o seu trabalho: o irmão está respondendo afirmativamente.
Ao ver o outro padre entrar em ação e fazer com que a cabeça do sertanista fizesse o movimento reclamado, o Tabelião passou para o papel a expressão da última vontade do nababo.
Um pouco depois da formalização do testamento, o Padre João Antônio Andreoni, Reitor do Colégio da Bahia, após cochichar com os outros dois Padres, anunciou:
– Urbi et orbi, é com grande pesar que anunciamos o falecimento do irmão Domingos Afonso Mafrense, fervoroso católico e grande benfeitor da Companhia de Jesus.
O anúncio foi seguido por um repicar de sino. Logo depois, o superior, expressando o seu voto de gratidão, falou aos presentes que para ali convergiram em busca de prestarem a última homenagem ao falecido:
– Em agradecimento pelo grande legado deixado por Mafrense, vamos lhe proporcionar um enterro digno de um cristão do seu quilate – o irmão será enterrado vestido com o traje de Santo Inácio e terá como campo santo, o solo da Igreja do Colégio da Bahia, como bem merece. E para que a sua alma siga em paz e possa gozar das glórias do Reino de Deus, fica determinado que, a partir da missa de corpo presente, rezaremos em seu sufrágio, pelo menos uma por dia, durante anos a fio.
































21 – A Chegada dos Jesuítas nos Sertões do Piauí


Ainda em 1711, após uma longa viagem feita em lombos de mulas, de testamento em mãos, chegaram ao Piauí, os Padres Manoel da Costa e Matias Francisco, para, em nome da Companhia de Jesus, tomarem posse da fortuna legada por Mafrense, constituída por um enorme latifúndio, com vinte e sete fazendas, contendo milhares de cabeças de gado vacum e cavalar e um número expressivo de escravos.
Pensando que não havia nenhum problema e que logo ao chegarem assumiriam a fabulosa fortuna deixada pelo sertanista, os jesuítas foram surpreendidos por Agostinho e Vidal Afonso – os dois filhos naturais de Mafrense – que, buscando os trâmites legais, repartiam entre si, os haveres amealhados pelo pai.
Na ganância de colocarem a mão na fortuna do incauto sertanista – que ao se aproximar da Igreja em busca da salvação de sua alma, passou por uma lavagem cerebral e ficou de coração mole, – os jesuítas mais uma vez, usando de esperteza, alegaram na Justiça que Mafrense havia declarado em seu testamento que não havia deixado herdeiros.
Indiferente aos apelos e alegações dos jesuítas, a Justiça piauiense deixou o processo seguir o seu curso normal.
Percebendo que poderiam perder a causa, eles levantaram suspeição da Justiça local e dirigiram-se diretamente ao Capitão-General e Governador do Maranhão, que também tinha jurisdição sobre o Piauí.
Após a apresentação do testamento, da exposição dos fatos e de uma convincente argumentação, os Padres conseguiram trazer uma ordem do Governador para que o Escrivão da Matriz, acompanhado de dois Louvados, fizesse o levantamento de todos os haveres arrolados no testamento e desse a posse de tudo aos jesuítas, conforme a expressão da última vontade do testador.
Embora contando com a indispensável benevolência do Governador e com a boa vontade do escrivão e dos seus auxiliares, o inventário dos bens se arrastou por cinco anos, vez que havia muitas terras e, além do mais, o gado e os escravos estavam dispersos ou na posse dos bastardos deserdados.
Provocada pelos filhos naturais do sertanista que insistiam em alegar os seus direitos hereditários, a Justiça local ainda tentou interferir no processo, no entanto, terminou desistindo.
Mesmo sem contar mais com os atropelos da lei, os jesuítas ainda enfrentaram muitos percalços por conta de algumas ocupações de terra por rendeiros e posseiros – os sem-terra de então, – como o valente Belegão, que há mais de dez anos havia invadido e se apossado da fazenda Espinho, e do Capitão Manoel Gonçalves, que também se apossara da fazenda Tabuleiro Alto, e só se retirou depois de ser indenizado pelo valor de todas as benfeitorias que havia feito.
E como se não bastasse, tropa de índios, orientados por Mandu Ladino, fizeram vários ataques nas fazendas Santo Antônio e Cachoeira, onde mataram escravos e gado e de onde roubaram os melhores cavalos.




22 – O Pedido de Criação da Vila


Com a instalação da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, a pedido do Vigário, – o bondoso Padre Tomé de Carvalho e Silva – os fazendeiros da redondeza passaram a construir as suas casas ao redor da Igreja. No entanto, as mantinham fechadas, ocupando-as apenas por ocasião das festas religiosas.
Mas, com o passar do tempo, a comunidade foi crescendo. Algumas pessoas, movidas pela fé na padroeira, passaram a morar definitivamente no local, formando assim o primeiro núcleo populacional organizado da Capitania. Todavia, o centro das decisões continuava sendo a cidade de São Luís do Maranhão, que apesar da enorme distância e da dificuldade de acesso, mantinha jurisdição política e administrativa sobre o território piauiense.
Sentindo a sensação de abandono e a impressão de que se encontravam entregues à própria sorte, os fazendeiros dos vales dos rios Canindé, Itaim, Piauí e da ribeira da Tranqueira, sentindo a cada dia a pressão do povoamento com a chegada de novos moradores, decidiram pôr uma ordem na situação. Não dava mais para continuar com aquela conjuntura. Eles viviam dispersos e totalmente isolados. O gado era criado solto, não havia cercas. Os limites entre as posses eram definidos por acidentes geográficos. Só se encontravam durante os festejos religiosos realizados na sede da Freguesia ou por ocasião das desobrigas, quando, de tempo em tempo, o vigário passava pela região.
Quando foi pensada a fundação de uma vila, os principais fazendeiros se juntaram na casa grande da fazenda Tranqueira, de Antônio Soares Touguia. Todos foram convidados para participar daquele ato. Acorreram as famílias Barbosa e Dantas, do vale do riacho do Frade; os Araújo Costa, das fazendas Sussuapara e Boa Esperança; os Soares da Silva, da fazenda Curaçá, localizada nos sopés da Chapada Grande; os Moreiras, da Chapada das Contendas; os Gonçalves Vilarinho, da barra do Canindé; os Taveiras, da fazenda Tatu; os Gameiras, da fazenda Bonito; os Pinheiros, do vale do riacho Pequeno; os Pereira Ferraz, das terras roxas da margem direita do Canindé além da Passagem da Inhuma; os Baptistas, da fazenda Varjota; os Lopes dos Reis, das fazendas Caldeirões e Mamona; os Rego Monteiro, do Pé do Morro; os Carvalhos, fixados nos caminhos da estrada Real para o Maranhão; os Siqueiras, do Entre Rios da barra do riacho Salina com o rio Canindé; os Madeiras, da fazenda Turiaçu; os Santana Ferreira, da fazenda Palmeira; os Sousa Martins, do vale do rio Itaim; os Rodrigues Macedo, da fazenda Alegrete; os Sousa Brito, das fazendas Arrodeador e Bocaina; a família Luz, da ribeira do Guaribas; os Rocha Pita, da fazenda Maria Preta; os Barreiras, da ribeira do Fidalgo; os Aquino Osório, do vale do Guaribas; os Antão de Carvalho, do alto do vale do rio Marçal; os Borges Leal, da fazenda Pico; os Neivas, da Ingazeira; os Lopes, do Forte; os Rodrigues Campos, dos Golfos; os Silva Moura, da fazenda Graciosa; os Nunes, do Caro Custou; os Bernardos, da histórica fazenda Cachimbos; os moradores da fazenda Aldeia; os Morais Rego, da Passagem de Dona Antônia; os Caminhas, da Furta-Lhe-a-Volta; os Fonsecas, do Brejo da Fortaleza; os Ferreiras, das fazendas Curral de Pedras e Inhumas; os Costa Veloso, Marreiros e Vaz Portela, do vale do Catinguinha. Todas essas pessoas foram convocadas e, atendendo ao convite, compareceram ao grande encontro na casa de Soares Touguia.
O lugar ficou repleto. A casa grande ficou pequena para tanta gente. Foi um dia de festa com muito churrasco de boi.
Era final de inverno, tempo de muita fartura, de milho novo, feijão verde, coalhada e requeijão à vontade.
Na condição de convidado especial, o padre Tomé celebrou uma missão ao ar livre.
Horrorizados com a ação dos índios rebelados, que constantemente invadiam as fazendas, os homens prometiam rechaçá-los e discutiam o preço do boi nas feiras da Bahia, de Pernambuco e de Minas Gerais, ao tempo que as mulheres, em cochichos, tramavam os namoros de suas filhas com os rapazes disponíveis.
No final da reunião, após todos concordarem com o pleito, foi lavrada uma ata.
O documento que foi enviado ao Rei de Portugal, nem todos assinaram, alguns por timidez, outros, simplesmente, por não saberem escrever.




































23 – A Vingança e o Início do Levante Geral


O Coronel Bernardo de Carvalho e Aguiar, que ao se instalar no território piauiense, teve como uma das suas primeiras preocupações colocar a sua atividade militar a serviço do bem comum e promover um povoamento organizado, incentivou a vinda de outros fazendeiros.
Pouco tempo depois de se fixar em Bitorocara, embora ainda separados por léguas de distâncias, as suas fazendas contavam com cerca de quarenta vizinhos, constituídos por parentes e amigos, formando uma comunidade solidária.
Mantendo um bom relacionamento entre si, esses fazendeiros e seus familiares estreitaram a amizade através do compadrio, fazendo com que a comunidade se desenvolvesse unida e organizada sob a liderança do seu pioneiro.
Foi exatamente por causa da força, do poderio e do prestígio de Bernardo de Carvalho, que o Mestre-de-Campo, Antônio da Cunha Souto Maior, procurou se instalar nas proximidades de Bitorocara e o convidou para ser o seu imediato.
Bernardo de Carvalho, que já se encontrava no posto de Coronel, desvinculou-se da hierarquia militar de Pernambuco, ficando a serviço do governo maranhense como o braço direito de Souto Maior, com quem criou o primeiro corpo militar oficial do Norte piauiense.
Dois anos depois de prestar serviço sob o comando de Souto Maior, Bernardo de Carvalho, tendo sido designado pelo Ouvidor-Geral do Maranhão, Dr. Eusébio Capelly, para conduzir a São Luís alguns bandidos, que se encontravam presos no Piauí, reuniu a sua escolta e, arcando com as despesas de transporte e alimentação, cumpriu a determinação superior.
Dentre as várias outras missões realizadas sob as ordens do novo comandante, que se deixou caracterizar por atos de violência e arbitrariedades, Bernardo de Carvalho comandou a transferência dos Crateús para o novo acampamento.
A espinhosa operação envolvendo muito sacrifício e coragem, com as despesas de alimentação e transporte por conta do senhor de Bitorocara, foi apenas mais uma das realizações do bravo militar que, com a sua firmeza e determinação marcou a fase inicial da conquista.
O Mestre-de-Campo, enlouquecido de amor por Joana, não pensava em outra coisa, a não ser em conquistá-la, ou em fazer com que, por meio de outros métodos, ela se tornasse em mais uma das suas amantes.
Sabedora da sua fama de violento e arbitrário, a moça, a princípio resistiu aos seus assédios, mas terminou cedendo diante da ameaça velada da eliminação física do seu noivo. Pois, segundo os comentários, seria executado no dia do casamento a ser realizado na data do seu aniversário, pelo Frei Manoel de Jesus e Maria, que coincidentemente era o Capelão das Tropas de Souto Maior.
Desgostoso com a noiva que cedeu para proteger a sua vida, o vaqueiro Juvenal pediu as contas da fazenda Bitorocara, passando a vaquejar para o Capitão Dâmaso Pinheiro, a quem, chateado com o episódio e com a perda de um dos seus melhores vaqueiros, o ex-patrão o recomendou.
Insatisfeito, Mandu Ladino, que queria apenas um motivo para iniciar o levante, montando em seu cavalo Ventania, saiu de tribo em tribo avisando aos seus aliados para que cuidassem das armas e ficassem em alerta geral, pois a qualquer momento a guerra estouraria.
Ainda enquanto peregrinava pelas aldeias, tomou conhecimento de alguns atos de violência do Mestre-de-Campo, que, além de contrariar os princípios do Coronel Bernardo de Carvalho, causou um sério desentendimento com o próprio irmão, Capitão-Mor Pedro da Cunha Souto Maior e com alguns índios que lhe eram fiéis, formando uma espécie de racha das tropas.
Achando que já se tratava do momento oportuno, Mandu Ladino fez contato com Cabuçu, que comandava o Pilotão Indígena e, com a dissidência, passara a ser o braço direito do Capitão-Mor Pedro da Cunha.
Sendo informado de que tanto o Capitão-Mor como todos os seus comandados estavam a ponto de se rebelarem contra o Mestre-de-Campo, Mandu Ladino partiu ao encontro de outras tribos.
Ao se aproximar do rio Longá, onde recrutaria os primeiros guerreiros, foi atraído por um bando de urubus famintos que tentavam penetrar na camuflagem de uma moita de mofumbo.
Chegando mais perto, para a sua surpresa, deparou-se com os corpos de Joana e de Juvenal cravados de bala.
Como sabia que, apesar de ter cedido às ameaças, a sua irmã continuava a se encontrar secretamente com o ex-noivo, não teve dúvidas, em deduzir que o casal fora assassinado pelo famigerado Mestre-de-Campo.
Soluçando sobre os cadáveres da irmã e do amigo, o índio, renovando a sua promessa de vingança, falou:
– Joana, minha irmã, a sua morte não vai ficar impune. Hei de me vingar por você, por Junenal e por todos os outros índios, parentes e amigos massacrados pelos brancos.
Usando o seu facão, cavou uma vala na areia grossa da beira do rio. Após sepultar o casal e fincar uma cruz de madeira sobre a sepultura, a cobriu de flores do campo e caindo de joelhos, rezou uma Ave-Maria.
Ainda com duas lágrimas nos olhos, montou no Ventania e saindo em disparada, meia hora depois, chegou na primeira tribo, onde após, reunir os guerreiros e narrar o fato, acrescentou:
– Apesar dos pesares, até que enfim, chegou a hora do grande levante. Reúnam as armas e vamos à luta, pois a partir de amanhã a nossa história vai mudar.
E, virando-se para o Cacique, ordenou:
– Mande avisar a todas as tribos da região do Longá, para que ao amanhecer estejam todos prontos naquele lugar secreto onde sempre nos reunimos.
E após uma pausa, continuou:
– Cuidem de tudo que já vou indo para me entender com Jacaré-Açu, o Tremembé do Delta, que ao lado de Cabuçu, será um dos chefes.
Horrorizado com a morte cruel de Joana e de Juvenal, Jacaré-Açu, falou ao amigo:
– Fique cuidando das armas de fogo e dos cavalos que vou pessoalmente convocar as tribos mais distantes.

E enquanto celava o seu animal, comentou:
– As mortes de Joana e de Juvenal não vão ficar impunes!
Conforme o acertado, no dia seguinte, no dia em que o calendário marcava a data de 12 de julho de 1712 os índios reunidos no local marcado, sob o comando de Mandu Ladino, marcharam contra o Arraial Militar, de Souto Maior.
Pintados dos pés à cabeça, com tinta de urucum e jenipapo e todos bem armados, com arco e flecha, lança, tacape, cachaporra e com algumas armas de fogo, num enorme alarido de guerra, os guerreiros de Mandu Ladino, sedentos de vingança, cercaram as tropas de Souto Maior.
No momento do cerco, os índios fiéis ao Capitão-Mor Pedro da Cunha comandados por Cabuçu, que, por sua vez, já havia pregado a insurreição aos seus pares, ao perceberem que estavam sitiados, se rebelaram e passando para o lado de Mandu Ladino, uniram as armas, promovendo um grande massacre, que culminou com a morte do Mestre-de-Campo Antônio da Cunha Souto Maior e da maioria dos oficiais e soldados que se encontravam presentes no Arraial Militar de Nossa Senhora da Conceição e de Santo Antônio do Surubim.
E, logo em seguida, aniquilaram também o Capitão Tomás Vale de Portugal e todos os soldados que, com ele, vieram em socorro das vítimas do primeiro confronto, marcando assim, o início do grande levante das tribos confederadas que durou sete anos.






























24 – A Indicação do Novo Mestre-de-Campo


Após o levante que culminou com a morte de Souto Maior, levando de eito grande parte da sua infantaria e de todos os que lhe vieram em socorro, como foi o caso do Capitão Tomás Vale de Portugal e todos os soldados, que com ele, se dirigiram ao Arraial de Nossa Senhora da Conceição e Santo Antônio do Surubim, os índios comandados por Mandu Ladino passaram a assaltar e saquear as fazendas, tomar as armas, roubar gado vacum e cavalar, assassinar fazendeiros, escravos e vaqueiros, queimar casas e plantações, espalhando terror de Norte a Sul da Capitania.
Preocupados com a onda de terror, com os saques, incêndios e mortes de pessoas e animais e com os grandes estragos, que redundavam em incalculáveis prejuízos para todos, bem como, com a profanação dos templos sagrados, os principais fazendeiros do Norte do Piauí, notadamente os do vale do Longá, encabeçados pelo capitão Dâmaso Pinheiro de Carvalho, reunidos em Bitorocara, para organizar a defesa da vida, do patrimônio e da honra, especialmente dos seus familiares, instituíram um fundo de reserva, constituído por duas mil vacas, sendo que duzentas das quais foram ofertadas pelo Capitão Dâmaso Pinheiro e outras duzentas pelo Coronel Bernardo de Carvalho.
Nessa reunião deliberativa – a única da História do Piauí Colonial –, os fazendeiros inclinados pela liderança de Bernardo de Carvalho, o elegeram para ser o novo Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí.
Após a histórica deliberação, realizada em 17 de agosto de 1712, ante a recusa do eleito em aceitar a espinhosa missão, os fazendeiros lhe encaminharam uma solicitação, por escrito, vazada nos seguintes termos:

“Coronel Bernardo de Carvalho

É tão notória a V. Mercê, como a todos lamentável, a grande fatalidade sucedida no Arraial de Nossa Senhora da Conceição e Santo Antônio, na inobediência do pérfido gentio, que matando o Mestre-de-Campo Antônio da Cunha Souto Maior, e mais soldados que puderam, se levantaram com as armas e mais despojos ao que tinha procedido, o matarem o Capitão Tomás Vale de Portugal e mais soldados que com ele vinham para o Arraial, o que ponderando nós assim a ofensa recebida, como ao dano a que ficamos expostos na rebeldia deste gentio, pois se acha com muitas armas de fogo e mui ladinos, com o conhecimento da disciplina militar. Pedimos e rogamos a V. Mercê “unanimiter” e conformes com uma vontade geral, serviço de Deus e de El Rei, nosso Senhor, queira substituir o lugar do defunto Mestre-de-Campo, formando Arraial na parte que mais conveniente lhe parecer se pode evadir este inimigo, para o que oferecemos, e logo damos, 1.600 vacas que, juntas com 200 que oferece o Capitão Dâmaso Pinheiro e as 200 que V. Mercê oferta fazem 2.000, as quais damos logo, e por uma vez só, para que V. Mercê situe em dois sítios, ou no que melhor lhe parecer para sustento dos soldados que da Praça vierem para o dito Arraial, de que damos conta ao Governador e Capitão-General do Estado, a quem pedimos a confirmação deste nosso requerimento. O nosso procurador bastante.... se obrigue ao que propomos. E como conhecemos o bom zelo de V. Mercê, de cujo só fiamos, tão bom procedimento, como todos desejamos, fazemos, esta nossa proposta por nós assinada, cuja remeteremos com as mais cláusulas necessárias, ao Governador e Capitão-General do Estado. Hoje, em 17 de agosto de 1712.” (1)

Sem ter outra saída o Coronel Bernardo de Carvalho, respondeu:

– “Todos nós devemos concorrer com as nossas pessoas e fazendas para obra tão meritória como pia. Nesta Capitania há sujeitos de mais merecimentos que os meus, e demais Vossas Mercês devam requerer ao Governador-General, a quem só pertence este provimento. Eu estou pronto para os acompanhar.” (2)

Recebendo o sinal positivo, os fazendeiros prontamente enviaram uma comitiva, com uma representação ao Capitão-General e Governador do Maranhão, Cristóvão Freire, relatando a nefasta ocorrência, que resultou no destroçamento do Arraial Militar de Nossa Senhora da Conceição e Santo Antônio e na morte do Mestre-de-Campo Antônio da Cunha Souto Maior, acompanhado do pedido para que o falecido fosse substituído pelo Coronel Bernardo de Carvalho e Aguiar, de Bitorocara.




























25 – A Primeira Fase da Conquista


Equipados com cavalos e armas de fogo, os índios, muitos do quais conhecedores da disciplina militar e das táticas de guerra do homem branco, continuaram o levante. Por onde passavam iam recebendo mais adesões e deixando um rastro de morte e destruição.
As mortes dos fazendeiros, dos escravos e dos animais, os incêndios nas moradas e o destroçamento dos currais, deixavam todos em pânico.
Premido pela violência dos constantes ataques dos índios rebelados, cada vez mais fortes e poderosos, o Coronel Bernardo de Carvalho, mesmo antes de receber a honrosa patente, certo de que o seu nome seria confirmado para substituir Souto Maior, resolveu assumir a função de Mestre-de-Campo.
Saindo de fazenda em fazenda, foi em busca de apoio e de voluntários para constituir o seu exército.
Organizada a tropa, feito o planejamento da operação militar, a distribuição das funções e o acerto sobre a repartição das presas de guerra, ao amanhecer do dia 20 de setembro de 1712, o Coronel Bernardo de Carvalho, partindo à frente da expedição militar, deu início a uma longa marcha que lhe glorificaria como o Pacificador do Piauí e do Maranhão.
Além de outras pessoas ilustres, a tropa do novo Mestre-de-Campo contou com a participação do seu filho, Coronel Miguel de Carvalho e Aguiar, que foi o seu ajudante; do seu sobrinho, Manoel Carvalho de Almeida, como Comissário Geral de Cavalaria; do Vigário da Freguesia de Santo Antônio, Padre Amaro Barbosa e do franciscano Frei Lino Demescent, como Capelão da Tropa.
A grande tropa, assistida por cavalos e escravos, armada, municiada e mantida à sua custa, marchou contra os índios rebelados. Seguindo uma jornada de mais de dez dias, em direção da fronteira Norte do Ceará, chegaram a uma fazenda situada às margens do riacho Corrente. Naquele local, o Mestre-de-Campo tendo sido informado de que os índios comandados por Mandu Ladino haviam atacado a fazenda Lages, nas cercanias de Piracuruca, onde mataram 15 pessoas e fizeram grandes saques, mudou de direção e, rumando para a fazenda vitimada, seguiu a trilha dos agressores.
Descobrindo o paradeiro dos temidos justiceiros, a tropa estacionou no lugar Hiós. Após o planejamento do ataque, os soldados se dividiram para fazer o cerco, no entanto, um disparo acidental alertou os índios, que, no desespero da fuga, sob fogo cerrado, deixaram parte da bagagem roubada: mais de duzentas cabeças de gado e alguns cavalos.
O tiroteio resultou na morte de dez índios e no ferimento de vários outros. Apesar da vitória, os soldados de Bernardo de Carvalho também levaram chumbo, resultando num óbito e num saldo de três vítimas com ferimentos.
Parte da tropa saiu em perseguição aos fugitivos. Cinco dias depois houve um novo e violento confronto, num local descampado, que passou para a história com o nome de Batalha, dando origem a atual cidade de mesmo nome – local, onde, à frente de seus guerreiros, Mandu Ladino mais uma vez deu prova de liderança, coragem e bravura.
Retomando a rota inicial, a tropa marchou para a fronteira Norte do Ceará. No percurso, os homens de Bernardo de Carvalho travaram dois violentos combates contra hordas dispersas que estavam tirando o sossego dos habitantes da região.
Os longos dias de jornada deixaram os soldados exaustos e famintos. Percebendo que já estavam próximo da Serra Grande, o Mestre-de-Campo deixou a sua tropa aquartelada e indo ao encontro do Padre Ascenso Gago, – Superior da Missão da Ibiapaba, – em busca de socorro, foi prontamente atendido.
Restabelecendo-se do cansaço e da fome, a tropa marchou contra os Anacês – que sob o comando de Mandu Ladino formavam o grosso da indiada, constituindo-se nos principais responsáveis pelo massacre ao Arraial Militar de Nossa Senhora da Conceição e Santo Antônio e pela execução do Mestre-de-Campo Antônio da Cunha Souto Maior e de quase toda a sua artilharia.
No percurso, toparam com os Acaracus, que após uma refrega se embrenharam nas serras, deixando o fruto de inúmeros assaltos, constituídos por mais de trezentas cabeças de gado e alguns cavalos.
Conduzindo as rezes e os cavalos, abandonados pelos bugres ao empreenderem fuga, esbarraram na foz do Piracuruca, onde construíram um presídio para deixar os prisioneiros de guerra e um curral para confinar os animais.
Ali, em 08 de dezembro de 1712, recebendo um emissário do Capitão-Mor João do Rego Barros, com a notícia de que os Anaiós haviam invadido a Vila de Parnaíba, causando várias mortes e incalculáveis prejuízos, deixando a população em pânico, Bernardo de Carvalho organizou a tropa em dois grupos. Um deles, sob o comando do Capelão Frei Lino Demescent, seguiu na frente para socorrer os parnaibanos sitiados. O outro sob o seu comando, logo após a conclusão do forte que também servia de presídio, seguiu na retaguarda.
Totalmente desprotegida a Vila de Parnaíba sofria grande desolação pelas repetidas incursões e cercos patrocinados pelos índios comandados por Mandu Ladino, que além de matar alguns homens, roubar animais e promover toda a espécie de saque, profanavam a Igreja, cometendo o sacrilégio de cortar as narinas das imagens dos santos.
Na ida do forte para Parnaíba, o grupo comandado pelo Frei Lino perseguiu os Anacês durante quinze dias, pelo matagal fechado, padecendo de fome e sede, a ponto de alguns dos seus homens caírem de tanta fraqueza.
Bernardo de Carvalho, que também seguiu para Parnaíba, foi atacado pelos índios que sitiavam a Vila. No entanto, um rápido contra-ataque da sua tropa foi o suficiente para romper o cerco de quase vinte dias e recuperar dezenas de cabeças de gado e vários cavalos, roubados dos fazendeiros.
Depois de contabilizar um saldo de dezenas de mortos e de vários prisioneiros, da parte dos inimigos, o Mestre-de-Campo seguiu no encalço de um bando de Anapurus Mirins, retardatários que, depois do rompimento do cerco à vila de Parnaíba, tentavam fugir para o Maranhão. Dessa horda de fugitivos, dentre prisioneiros, mortos e feridos, não houve quem escapasse.
Tentando celebrar a paz com os remanescentes dessa tribo que partiram na frente e se abrigaram numa das ilhas do Delta do Parnaíba, o Mestre-de-Campo mandou um “prático” para lhes convencer da necessidade de instalar um aldeamento. Os índios rejeitaram a proposta de Bernardo de Carvalho, mas aceitaram receber a visita de um missionário. Acatando a decisão dos Anapurus Mirins, o Mestre-de-Campo lhes enviou o seu Capelão, Frei Lino Demescent, que conviveu com eles cerca de um ano.
Na mesma ocasião, Bernardo de Carvalho contatou outros grupos indígenas, conseguindo fazer as pazes com alguns deles, no entanto, alguns fazendeiros de Parnaíba e do Ceará, insatisfeitos com a convivência com os nativos, forçaram a saída do Frei Lino, romperam a trégua, fazendo desaparecer o primeiro aldeamento do delta parnaibano.
Satisfeito com a primeira fase da sua vitoriosa campanha, Bernardo de Carvalho reuniu a sua tropa e passando o comando local ao Capitão-Mor de Parnaíba, João do Rego Barros, falou:
– A partir de agora a defesa da Vila de São João da Parnaíba é de sua inteira responsabilidade, mas se precisar de ajuda o senhor pode contar comigo e com o Comissário Geral de Cavalaria. Tome conta da Vila e zele pelo sossego e pela tranqüilidade da sua população.
E apertando-lhe a mão, concluiu:
– Agora só me resta lhe desejar boa sorte e voltar para o meu merecido descanso em Bitorocara.
Durante o ato solene, ao assumir o comando, o Capitão-Mor, estufando o peito e olhando no olho do seu superior, fez um juramento:
– Como Fidalgo da Casa Real, como Capitão-Mor e como Comandante das Tropas do Extremo Norte do Piauí, eu juro pela alma de Ana da Cunha e Silva Castelo Branco, minha primeira esposa, de saudosa memória; pela honra de Maria do Monte Serrate Castelo Branco, minha ex-cunhada, com quem contrai matrimônio, em segundas núpcias e pelo meu filho, João do Rego Castelo Branco, que há de ser um exterminador de índios, que, se preciso for, darei até a minha própria vida em prol da defesa da Vila de São João da Parnaíba, que tão bem me acolheu.
Nos três meses que marcaram a sua estréia como Mestre-de-Campo, Bernardo de Carvalho conseguiu manter a paz na região Norte do Piauí e retribuir a demonstração de confiança que os amigos lhe hipotecaram e conquistar o respeito e a admiração de todos pelo exemplo de humildade e bravura.






















26 – A Segunda Fase da Conquista


Por volta do natal de 1712, após a primeira fase da Conquista, o Coronel Bernardo de Carvalho foi a São Luís para apresentar os seus cumprimentos ao Governador Cristóvão da Costa Freire. Na ocasião prestou contas do seu trabalho, entregou as presas de guerra e em seguida recebeu de direito e de fato a Patente de Mestre-de-Campo, tornando-se a segunda maior autoridade da Capitania, inferior apenas ao próprio Governador.
Retornando da proveitosa viagem, onde aproveitou para estreitar a amizade com o Ouvidor-Geral, Dr. Eusébio Capelly e com outras pessoas influentes do Maranhão, o Mestre-de-Campo, ostentando a nova Patente, que, aliás, antes de recebê-la já fazia uso da função, reuniu os amigos para uma comemoração festiva e para traçar os novos planos da Conquista.
Na histórica reunião, realizada em Bitorocara, que contou também com a participação de fazendeiros da região Sul do Piauí, o Mestre-de-Campo, entusiasmado, falou:
– Como todos são sabedores, em agosto do ano passado, os amigos me elegeram para liderar a Conquista do Piauí, indicando meu nome como o novo Mestre-de-Campo, em substituição ao saudoso amigo Antônio da Cunha Souto Maior, que em 12 de julho foi trucidado pelos índios. Ainda em agosto, uma comitiva foi a São Luís levando a minha indicação e um requerimento para que o Exmo. Senhor Capitão-General e Governador da Capitania do Maranhão e Piauí me efetivasse na função. Com a aquiescência do Exmo. Sr. Governador, antes mesmo de receber a patente, me senti obrigado a iniciar o meu trabalho, combatendo o gentio que, logo após o primeiro levante, começou a assaltar as fazendas do Norte, matando pessoas, destruindo os currais e roubando gados e cavalos. Em face disso, somente no final do ano passado tive condições de ir a São Luís, onde recebi a honrosa Patente de Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí. Agora estou aqui para retomar o trabalho iniciado em setembro do ano passado. No entanto, devo dizer que a Conquista é obra de todos. Sou apenas o comandante. Para que o meu trabalho tenha sucesso preciso continuar contando com o integral apoio de todos vocês, afinal de contas, foram vocês quem indicaram o meu nome para assumir essa tão honrosa quanto espinhosa função.
E lançando um olhar sobre os convidados, continuou:
– Precisamos montar um exército forte. Para tanto, tenho a autorização do Exmo. Sr. Governador para fazer as indicações necessárias, que ele as confirmará. Com o apoio de todos vocês pretendo constituir uma força militar com diversos sub-comandos, localizados nos pontos mais estratégicos desde o extremo Norte aos sertões de Parnaguá.
E gesticulando com os braços, indagou:
– O que os amigos acham dessa idéia?
Tomando a frente, o Comissário Geral de Cavalaria, Manoel Carvalho de Almeida, arvorando-se de porta-voz dos demais, disse:
– Em meu nome, em nome do meu sogro, Dom Francisco da Cunha Castelo Branco – Capitão de Infantaria do Exército português e um dos mais prósperos fazendeiros do Vale do Longá – bem como, em nome de todos aqui presentes, tenho a satisfação de dizer que se trata de uma excelente proposta, digna do apoio de todos.
O Mestre-de-Campo agradeceu a fala do Comissário Geral de Cavalaria e como não houve nenhuma manifestação contrária, ficou à vontade para fazer as indicações.
Demonstrando uma grande visão política e de estratégia militar, distribuiu os postos chaves do comando, colocando as pessoas certas nos lugares certos.
E proclamando as indicações, anunciou:
– Como meu ajudante e auxiliar imediato indico o meu filho, Coronel Miguel de Carvalho e Aguiar; conservo o meu sobrinho Manoel Carvalho de Almeida no posto de Comissário Geral de Cavalaria; indico João Correia do Lago como Sargento-Mor desta freguesia; Francisco Gonçalves Carvalho como Capitão-Mor dos moradores do Surubim; mantenho Pedro da Cunha Souto Maior como Capitão-Mor da Conquista e Manoel Peres como Sargento-Mor da Conquista; indico Manoel Lopes de Oliveira para ocupar o cargo de Tenente-General da Cavalaria; Francisco Ferreira da Silva para responder como Capitão-Mor de Piracuruca e Antônio Coelho Teixeira para responder pelo posto de Sargento-Mor do lugar Vitória, aqui perto; João Fernandes Lima como Volante. Para o Canindé escolho Antônio da Costa Barbosa como Capitão de Ordenança. No Mocha, onde Miguel de Abreu Sepúlveda e Francisco Xavier de Brito têm patente real e são protegidos do governo da Bahia e da Casa da Torre, indico Alexandre Rebelo de Sepúlveda para o posto de Capitão-Mor da Vila. Em Parnaíba o comando das operações fica por conta do Capitão-Mor João do Rego Barros, onde já atua, e em Parnaguá, Manoel Álvares de Sousa e Baltazar Carvalho da Cunha recebem a patente de Capitão.
Enquanto os curraleiros, sob o comando do Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí se organizavam, constituindo uma força militar hierarquicamente estabelecida, com vários subcomandos distribuídos nos pontos estratégicos de Norte ao Sul do Piauí, os índios rebelados, sob o comando de Mandu Ladino, – que com os “brancos” aprendera a astúcia, a sagacidade e o manuseio das armas de fogo – também montaram um grande exército dividido em várias frentes de ataque, passando a usar, ora da tática de guerrilha, ora da tática de promoção do cerco e até do confronto direto e da retirada estratégica a fim de colocar os curraleiros em pânico.
Logo após o primeiro grande confronto com as tropas do Mestre-de- Campo Bernardo de Carvalho, ocorrido em dezembro de 1712, a “grande nação de índios rebelados”, constituída por tribos do Piauí, do Ceará e do Maranhão, exteriorizando seus recalques, ódios e sofrimentos, acumulados durante anos, passou a agir do Delta do Parnaíba ao extremo Sul das Capitanias supra mencionadas, criando um permanente estado de guerra em toda a região.
Com o levante nos Arraiais Militares da região de Bitorocara, que culminou com a morte de Souto Maior e de quase toda a sua infantaria, os índios deram início à guerra geral, que se estenderia até 1718, passando a promover sucessivos ataques nas fazendas, massacrando as pessoas, queimando casas, destruindo plantações, roubando gado vacum e cavalar e se apoderando das armas de fogo.
Por onde passavam iam arrasando tudo, causando incalculáveis prejuízos para a economia regional e uma enorme ameaça para a estabilidade política, provocando a cólera dos bandeirantes paulistas, dos asseclas da Casa da Torre, do governo do Brasil e do Maranhão, que se mobilizaram para combater toda a indiada.
Com a sua cabeça posta a prêmio, o grande líder Mandu Ladino, transformou-se numa lenda viva e no maior terror dos fazendeiros.
Para combatê-lo, o Mestre-de-Campo e seu exército, recém-constituído, partiram para a luta, dando início à segunda fase da campanha no teatro de guerra delimitado entre a Barra do Poti e o Vale do Igaraçu.
Enquanto aconteciam os combates com consideráveis perdas para ambos os lados, um pouco mais para o lado dos índios, que apesar da maioria numérica, não tinham armas suficientes para sustentar uma luta franca, estes apelavam para a tática de guerrilha, abrindo várias frentes de guerra, passando a agir também no Sul do Piauí, no Norte do Ceará e do Maranhão.
No momento em que estava empenhado no combate travado no principal teatro de operações de guerra, o Mestre-de-Campo foi solicitado pelo governo do Maranhão para socorrer os moradores da região oriental do Parnaíba que estavam sendo massacrados pelos Aranis.
Enquanto os índios atacavam freqüentemente em outros pontos fora do alcance do comando geral e dos diversos subcomandos, os moradores de Parnaíba pediam providências contra as tribos aldeadas no Delta, que rompendo a paz, começavam a se rebelar.
Não obstante a difícil missão de comandar a Conquista do Piauí e de combater os focos de revolta, que simultaneamente pipocavam em vários pontos da Capitania, Bernardo de Carvalho recebeu cartas do Ouvidor-Geral do Maranhão, dando-lhe a espinhosa incumbência de seqüestrar os bens do seu antecessor e de efetuar a prisão do seu Capitão-Mor, Pedro da Cunha Souto Maior, por este ter sido acusado de cumplicidade no levante dos índios liderados por Mandu Ladino, cabendo-lhe também a suspeita da morte do próprio irmão, o então Mestre-de-Campo Antônio da Cunha Souto Maior, morto no referido levante.
Em 1714, ao retornar da capital maranhense para onde conduzira o suposto fratricida, Bernardo de Carvalho, contando com o apoio do Coronel Antônio Borges Marim, rico proprietário em Pernambuco e no Piauí, e do Tenente-Coronel Manoel Gonçalves Pimentel, morador do Ceará, somando ao todo mais de 400 guerreiros, partiu em julho daquele ano com a disposição de conquistar os Jaicós, que se encontravam rebelados e divididos em várias malocas nas matas de ambos os lados do Parnaíba, até as nascentes do Itapecuru.
Nessa empreitada ocorreu o primeiro desentendimento entre o Mestre-de-Campo e o poderoso feudo baiano.
Bernardo de Carvalho ao encontrar o Sargento-Mor do Mocha, Miguel de Abreu Sepúlveda, que por sua vez, exercia também as funções de comandante militar do Arraial dos Ávilas e de Procurador da Casa da Torre, e o seu companheiro, Sargento-Mor da Conquista, Francisco Xavier de Brito, com 340 índios confinados num curral, indagou:
– Por que os senhores ainda não aldeiaram estes índios?
Miguel de Abreu Sepúlveda apressou-se em responder:
– Simplesmente porque não fazemos guerra com o fim de aldeamento e de pacificação. Investimos os nossos cabedais, mas o nosso objetivo é o lucro. Vamos vendê-los por um bom dinheiro.
O hercúleo Mestre-de-Campo, fazendo impor a sua autoridade, retrucou:
– Enquanto eu for o Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí e do Maranhão, os senhores não vão vender mais nenhum índio capturado nesta região.
O Sargento-Mor da Conquista, Francisco Xavier de Brito, respondeu:
– Mesmo sendo Mestre-de-Campo, eu quero que o senhor saiba que nós temos patentes reais e, além do mais, gozamos da proteção da Casa da Torre, do Governador da Bahia e de Pernambuco, que nos autorizaram a fazer guerra aos bugres do São Francisco e por conta disso pagamos jóias pelos índios capturados.
– Pelo que estou sabendo estes índios foram capturados no Piauí e no Maranhão e não na Bahia e em Pernambuco, portanto é melhor que os senhores libertem a todos por bem ou por mal e que doravante se submeta à minha autoridade.
Reconhecendo a superioridade da patente e do contingente militar, os dois se curvaram ao Mestre-de-Campo, mas o incidente teve desdobramento, levando a Casa da Torre e os governantes atingidos, a uma luta de bastidores contra Bernardo de Carvalho.
Após este episódio, o Mestre-de-Campo, reunindo a sua tropa, continuou a marcha. Seguindo por uma trilha, dois dias depois, no alvorecer do dia 29 de agosto, deram com uma grande maloca de índios. E, atacando-os de surpresa, além de provocarem muitas mortes, ainda capturam 95 deles. Os sobreviventes fugiram para as nascentes do Itapecuru, onde se juntaram com os índios de outras aldeias.
Bernardo de Carvalho ressentindo-se da falta de alimentos para sustentar as tropas, montou um Arraial nas margens do Parnaíba. Dispensou parte dos seus combatentes e depois de se refazer, tendo um índio como guia, retomou a marcha.
Após quase um mês de caminhada o Mestre-de-Campo deparou-se com várias tribos, que unidos e portando armas de fogo, resistiram heroicamente. A luta foi rápida. Os índios conseguiram furar o cerco e debandar.
Apesar de numerosa e bem armada a tropa, que o seguia, após sofrer várias emboscadas, se acovardou. Bernardo de Carvalho, que havia se afastado em busca de mantimentos e de socorro, não se conformando com a batida em retirada dos seus comandados, ameaçou seguir em perseguição, mas foi aconselhado a pedir socorro ao governo do Maranhão.
Enquanto aguardavam o auxílio solicitado ao governo maranhense, em atenção ao pedido do Capitão-Mor João do Rego Barros, o Mestre-de-Campo decidiu voltar para socorrer os parnaibanos, que estavam sendo duramente atacados pelos Aranis.
Na volta para o Piauí trouxeram mais de uma centena de índios, que em dezembro de 1714 foram aldeiados nas terras do Coronel Antônio Borges Marim, com o nome de Aldeamento de Nossa Senhora das Mercês.
Dentre outros oficiais que participaram dessa empreitada, a história registra o nome do Capitão-Mor Gonçalo Carvalho da Cunha, do Capitão-de-Cavalos Manoel Gomes, do Capitão Antônio Carvalho da Cunha e do Sargento-Mor da Conquista Francisco Xavier de Brito, que após se indispor com Bernardo de Carvalho, submeteu-se à sua autoridade.
Depois de afugentar os Aranis dos arredores de Parnaíba, o Mestre-de- Campo, partiu em socorro de Simão Rodrigues, – Capitão-Mor das Entradas de toda a Capitania do Ceará – que foi pessoalmente a Bitorocara em busca de auxílio para combater os Crateús.
A tropa de Bernardo de Carvalho era constituída por inúmeros índios e uma grande quantidade de “homens brancos.” Tinha como comandante auxiliar o seu filho, Coronel Miguel de Carvalho e Aguiar e como Capelão, o Frei Diogo da Trindade.
Mesmo doente, o Mestre-de-Campo seguiu firme no comando da tropa. Apesar da longa e penosa viagem, não descansou enquanto não destruiu os Crateús.
Mal se refez daquele combate, foi solicitado para defender o Norte cearense, que estava sendo fortemente atacado pelos Anacês. E sem tergiversar foi cumprir o seu desiderato, retornando somente após o cumprimento do seu dever.
Chegando a Bitorocara encontrou uma carta do Governador do Maranhão solicitando a sua participação na guerra contra os índios de Itapecuru. Não chegou a tempo de ir para o novo front, mesmo assim dirigiu-se a São Luís, onde foi se justificar, fazer a entrega dos quintos, que por direito cabia à Fazenda Real. Aproveitando a oportunidade, licenciou-se do cargo, enquanto realizava tratamento de saúde em Pernambuco e na Bahia.




































27 – A Nova Sede do Legado e as Aventuras
Amorosas de um Jesuíta

Concluído o inventário e o desembaraço dos bens, o Padre Manoel da Costa passou a administração das fazendas ao Padre Domingos Gomes. O novo administrador ao assumir a sua função visitou todas as fazendas. Ao retornar decidiu mudar de residência, passando da fazenda Torre para a fazenda do Brejo de Santo Inácio.
Logo que se instalou na nova sede que, além da Casa dos Padres, contava também uma Capela anexa, o Padre Domingos Gomes decidiu dar uma festa para comemorar a vitória sobre os filhos naturais de Mafrense e uma nova fase administrativa à frente dos bens da Companhia de Jesus.
Com mais ou menos duas semanas de antecedência, começaram a distribuir os convites para os fazendeiros, os sitiantes e para todas as pessoas da região, especialmente para o Padre Tomé, para o Mestre-de-Campo Bernardo de Carvalho e Aguiar e para todas as demais autoridades da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória do Brejo do Mocha.
No convite, escrito em papel especial, com bela caligrafia, constava toda a programação, constituída por missa em ação de graças, incluindo comunhão, batizados e casamentos de índios domesticados e escravos; almoço, corrida de cavalo, vaquejada, apresentação de bumba-meu-boi – introduzido na região pelos vaqueiros da Bahia e de Pernambuco, – e de uma roda de capoeira – uma novidade trazida da África pelos escravos das fazendas deixadas por Mafrense.
Vestido numa batina preta desbotada e cheia de remendos, o novo superior, Padre Domingos Gomes, depois de saborear uma deliciosa coalhada com farinha e rapadura raspada, saiu no pátio da fazenda e se quedou a observar o movimento.
O gado fervilhava no terreiro a ruminar a ração de capim, milho e mandioca, espalhada no chão pelos vaqueiros e escravos.
O cheiro de esterco exalava pelo ar.
Enquanto algumas vacas comiam, outras caminhavam, os bezerros mamavam e o som melancólico do aboio de um vaqueiro, seguido pelo latido de um cachorro, ecoava distante. Fazendo parte do cenário, o reprodutor escanchado numa vaca, cumpria o seu papel de garanhão, ajudando a aumentar a fortuna dos jesuítas, que, sem dó e sem piedade, tomaram tudo de Agostinho e Vidal Afonso, que, por serem bastardos, foram deserdados pelo pai ingrato.
De cima da porteira do curral observando o movimento do touro e a reação da vaca, o Padre Manoel Gonzaga pecava em pensamentos a se imaginar repetindo aquela cena com Esperança Garcia, a graciosa mulata – filha bastarda de Francisco Dias d’Ávila (II) e tetraneta de Garcia d’Ávila, o fundador da Casa da Torre, – a quem ensinara a ler e escrever e com quem aprendera os segredos do amor.
Fechando os olhos, relembrava, com carinho, os momentos agradáveis e felizes que passaram juntos na calada da noite.
As peripécias com aquela mestiça fogosa e caliente, de corpo esbelto e sorriso encantador, não saíam dos seus pensamentos.
De pernas bambas, fraco e despombalecido pelo exagero da noite anterior, a noite da despedida, lamentava ter que se afastar da sua amante.
A todo instante o som da voz dela, em suáveis sussurros, ecoavam em seus ouvidos:
– Aproveite meu amo que essa é a nossa última noite. A partir de amanhã quando eu me casar, serei só do meu marido, pois será ele, quem, na verdade, irá ser o pai e dará um nome ao nosso filho, que, infelizmente vosmecê não pode assumir.
Observando a cena de uma das janelas da casa, o Padre Manoel da Costa, com “aquilo” no ponto de bala, morrendo de inveja do touro, do tesão de ferro, que cobria uma vaca atrás da outra, meteu a mão no bolso da batina surrada, tirou uma medalha de ouro e beijando com devoção a imagem de Santo Inácio de Loiola, o fundador da Companhia de Jesus, ali estampada, por um artesão da cidade de Salvador, se benzeu e elevando as mãos aos céus, balbuciou:
– Glória a Vós Senhor e muito obrigado pela reprodução do nosso rebanho!
Dito isso, saiu de fininho e trancando-se na Capela da fazenda, ficou a se masturbar.
De olhos fixos no reprodutor em plena atividade, o Padre Manoel Gonzaga, ainda pensando na sua amante, desceu da porteira do curral e ao ver o vaqueiro chegando com uma vaca desgarrada, ordenou:
– Galdêncio, prepare os cavalos de corrida. Separe as rezes para a vaquejada e selecione dois garrotes, bem gordos, para o banquete de amanhã.
– Nhô sim! – disse o vaqueiro, encaminhando-se para o cercado onde confinava os cavalos de campo.
Enquanto o rurícola, a vítima, pensando em seu casamento com Esperança Garcia, cumpria as suas ordens, o Padre Manoel Gonzaga, com o semblante carregado de tristeza, enxugava as lágrimas que rolavam dos seus olhos.
O sentimento de perda tomava conta dele, quando de repente, os seus olhos foram atraídos pelo gingado e pelo sorriso de Gerusa, uma negra sangue-puro, bonita e engraçada, que ao retornar do rio Canindé para onde fora levar mais roupa suja para as lavadeiras, vinha toda molhada, com o vestido colado no corpo, a evidenciar os seios fartos e o bumbum proeminente.
Fixando o olhar naquela negra de ancas largas e gestos sensuais, a desfilar garbosamente pelo pátio da fazenda, o Padre, numa repentina mudança de ânimo, esboçou um sorriso, deixando escapar um desabafo de alívio:
– Graças a Deus, nem tudo está perdido! Vão-se os anéis e ficam os dedos!
















28 – Os Desmandos de Miguel de Abreu Sepúlveda


Reunindo o poder da autoridade policial conferido pela patente de Sargento-Mor do Brejo do Mocha, conseguida através de apadrinhamento e do prestígio político, econômico e social, que usufruía na qualidade de Comandante Militar do Arraial dos Ávilas e como Procurador da Casa da Torre, Miguel de Abreu Sepúlveda mandava e desmandava nos sertões do Gurguéia e em toda a área de influência do poderoso feudo baiano, em território piauiense.
Agindo sempre com truculência, arrogância e prepotência, tornou-se o terror dos índios e dos posseiros.
Além de combater a indiada, que atacava os rebanhos, também se dedicava à captura dos nativos para comercializá-los na zona canavieira de Pernambuco e enviar os quintos para o governo da Bahia, que lhe deu a patente.
Regidos por sua batuta, os posseiros viviam sob constante ameaça. Sujeitavam-se a pagar altas taxas pelo uso da terra ou eram agredidos e expulsos dos domínios do feudo.
Além dos índios e soldados, que constituíam o seu contingente militar, o Sargento-Mor, Miguel de Abreu Sepúlveda, acercava-se de bandoleiros da pior espécie, que viviam permanentemente de prontidão para cumprir as suas ordens “sem pestanejar.” Dentre eles destacava-se a figura do jagunço Francisco Cardoso Belegão, que a frente de um bando de malfeitores, bem armados, levava intranqüilidade a todos os posseiros.
O próprio Sargento-Mor, que tanto se orgulhava da patente e dos cargos de Comandante Militar do Arraial dos Ávilas e de Procurador da Casa da Torre, era um assassino. Ele próprio tirou a vida de um posseiro e sob as suas ordens, Belegão e seu grupo de jagunços, espoliaram, coagiram, agrediram e mataram outros tantos.
Sentindo-se o dono do mundo e arrotando autoridade, proclamava aos quatro cantos:
– Eu sou o Rei do Sertão!
Sob o seu comando, acobertado pela Casa da Torre e pelos governos de Pernambuco e da Bahia, a violência grassava pelos sertões, tornando a situação insustentável a ponto de, ao ser provocado por denúncias, em 1716, o Conselho Ultramarino ter se sentido na obrigação de determinar ao governo da Bahia para notificar a Garcia d’Ávila Pereira, sob pena de prisão e de confisco de todas as suas sesmarias, a não mais importunar aos posseiros.
Logo após a reprimenda ao Senhor da Casa da Torre, o Sargento-Mor, apesar de ter conservado o cargo de Procurador do Feudo Baiano, foi substituído no comando militar do arraial por Francisco Xavier de Brito, outro criminoso, que assim como o seu antecessor continuou se acercando de criminosos e adotando os mesmos métodos por ele adotado.






29 – A Vila do Mocha e a Nobre Descendência do Povo Piauiense


Em atenção ao pleito dos fazendeiros do Sertão de Dentro, por Carta Régia de 30 de junho de 1712, o Rei de Portugal, Dom João V, elevou a comunidade à condição de Vila, instituiu o Senado da Câmara, criou os cargos de Juízes, Vereadores, Almocatés, Provedor e Escrivão.
Enquanto os fazendeiros comemoravam a assinatura do ato real, que traria o centro das decisões para a Vila recém-criada, os índios continuavam a luta. Mandu Ladino e seus comandados, exteriorizando seus recalques, iam levando tudo pela frente. Era grande a sede de vingança. Incendiavam as fazendas e plantações, exterminavam o gado, matavam fazendeiros, vaqueiros e escravos. Roubavam cavalos, armas e munições. E cada vez se tornavam mais fortes. Eles, que anteriormente não tinham poder de fogo para garantir uma luta franca contra os seus agressores, agora se tornavam os donos da situação, imprimindo pavor aos conquistadores, que, no auge do desespero, resolveram se unir para defender a vida, o patrimônio e a família, que se encontrava em verdadeira polvorosa.
O Comissário Geral de Cavalaria, Manoel Carvalho de Almeida, que na ausência do Mestre-de-Campo, assumiu o comando geral das tropas, contando com o apoio dos fazendeiros e do povo, cuidava da defesa e da ofensiva para reprimir e barrar a fúria da indiada.
A histórica reunião dos fazendeiros, realizada na casa de Antônio Soares Touguia e a criação da Vila contou com a oposição dos jesuítas recém-instalados nas propriedades legadas por Mafrense, que não viam com bons olhos o progresso, ali, a ser representado pela presença do poder público.
Sentado à mesa, durante a refeição, gentilmente servida pela linda e graciosa escrava, Esperança Garcia, com quem discretamente trocava olhares, o padre Manoel Gonzaga confidenciou ao colega:
– Padre Manoel da Costa, apesar da empolgação dos outros fazendeiros da redondeza, eu temo que a instalação da Vila do Mocha, recém-criada por Dom João V e a chegada das autoridades portuguesas para controlar essa região do Sertão de Dentro, termine prejudicando os interesses da Companhia de Jesus, que doravante não poderá mais agir livremente.
A instalação da Vila, que deveria ser de imediato, somente foi efetivada em 26 de dezembro de 1717.
A auspiciosa notícia logo se espalhou por todos os quadrantes do Piauí.
Os fazendeiros dos vales dos rios Canindé, Itaim, Piauí e da ribeira da Tranqueira, autores do pleito de criação da Vila, bem como os do vale do Longá e de outras regiões, acorreram para a sede da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória. Os que tinham casa na comunidade, levavam a família e a criadagem e ainda abrigavam os amigos de outras localidades.
As casas dos fazendeiros e de alguns moradores da comunidade tornavam-se pequenas para abrigar tanta gente.
As mulheres e as crianças se acomodavam nos cômodas das casas, enquanto que os homens se arranchavam nas varandas e pelas sombras das grandes faveiras.
A festa começou cedo, com muito churrasco de boi gordo, assado na brasa das fogueiras.
O padre Tomé, auxiliado pelos jesuítas Manoel Gonzaga e Manoel da Costa, confessavam os fiéis e co-celebravam as missas.
Os dois jesuítas, mesmo não concordando com a instalação da Vila, não deixavam transparecer o descontentamento.
Aproveitando a oportunidade os homens tratavam de negócios. Entabulavam troca de reprodutores e, como sempre, discutiam o preço do boi nas feiras da Bahia, de Pernambuco e de Minas Gerais.
Enquanto isso, as mulheres falavam umas das outras e em cochichos, tramavam os namoros de suas filhas com os rapazes disponíveis.
A solenidade ocorrida no Senado da Câmara foi oficializada pelo Ouvidor-Geral do Maranhão, Dr. Eusébio Capelly e dentre as autoridades presentes destacavam-se o Mestre-de-Campo, Bernardo de Carvalho e Aguiar, como representante do Governador do Maranhão; o Padre Tomé de Carvalho e Silva, na qualidade de Vigário da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória; o Comissário Geral de Cavalaria, Manoel Carvalho de Almeida; o Capitão-Mor Alexandre Rebelo de Sepúlveda; os oficiais de patente real, Miguel de Abreu Sepúlveda e Francisco Xavier de Brito – protegidos do Governo do Brasil e da Casa da Torre e os jesuítas Manoel Gonzaga e Manoel da Costa. Antônio Soares Touguia era o representante dos fazendeiros e foi uma das poucas pessoas a ser citada.
Com o Ouvidor vieram os primeiros representantes do Governo do Rei com seus recém nomeados oficias do poder público, representado pelos troncos das famílias Conrado, Alvarenga, Soido, Freitas, Sousa Mendes, Vieira de Sá, Bezerra de Holanda, Costa Freire. Complementando a caravana, aventureiros e os que procuravam uma nova vida.
Alguns “homens bons” já chegaram com a documentação das terras doadas pelo Rei, outros, menos afortunados, que ansiavam por terras, acorriam para os limites não demarcados das monstruosas fazendas dos Jesuítas – Buriti do Rei, Ilha, Pobre, Brejo de Santo Inácio, Nazaré, Saco do Rei, Campos – e, para os extensos platôs da Chapada Grande, Contendas e Flor da América.
A escassa população da nova Vila, até então constituída praticamente por índios domesticados e por alguns escravos, foi, durante um certo período de tempo, incrementada com a chegada de famílias egressas do Maranhão e, posteriormente por cerca de 300 degredados, incluindo criminosos, vadios, prostitutas, marginais, mendigos, viúvas e órfãos sem herança, enviados pelo governo lusitano, que tinha como prática fazer a limpeza social do Reino e mandar o lixo humano para povoar as suas colônias.
Além da ralé, dentre os recém-chegados encontravam-se também os militares, que vieram a serviço, os cristãos-novos, os nobres decaídos e os desafetos da Corte, que, por conta própria ou por castigo, vinham trabalhar e tentar uma vida nova.
Protestando contra a chegada da escória dos degredados a quem classificavam como borra da sociedade portuguesa e com quem não queriam se misturar, os maranhenses decidiram retornar para São Luís, deixando para trás as esperanças das moças casadoiras ávidas para agarrar um marido europeu.
Ao se despedir dos antigos moradores da Vila, que também não viam com bons olhos a parte podre dos desterrados, um dos maranhenses, pai de uma donzela casadoira, fazendo ressalvas, ironizou:
– Então, são esses os portugueses que constituirão os troncos de algumas das árvores genealógicas germinadoras da nobre descendência do povo piauiense?!...








30 – A Morte de Mandu Ladino


Na ausência do Mestre-de-Campo, Bernardo de Carvalho e Aguiar, que se encontrava de licença para tratamento de saúde em Pernambuco e na Bahia, onde também aproveitara para tratar de assuntos de interesse particular, o comando da Conquista foi confiado ao Comissário Geral de Cavalaria Manoel Carvalho de Almeida.
O comandante interino, destacado guerreiro de vários confrontos contra os índios, era nada menos do que sobrinho do Mestre-de-Campo e genro de Dom Francisco Castelo Branco, o Capitão de Infantaria do Exército lusitano, que depois de servir na organização da defesa em Pernambuco e no Maranhão, se estabelecera como um dos mais prósperos fazendeiros do Vale do Longá.
Como novo chefe da Conquista, Manoel Carvalho de Almeida já havia comandado alguns combates, impingindo grandes baixas aos seus antagonistas, mas o seu maior desejo era enfrentar o grosso da indiada comandada pessoalmente por Mandu Ladino.
O grande líder indígena, que desde o primeiro momento do levante iniciado em 12 de julho de 1712, quando travara a primeira grande luta, que resultou no destroçamento dos arraiais militares de Nossa Senhora da Conceição e de Santo Antônio do Surubim, levando de eito o Mestre-de-Campo Souto Maior e grande parte da sua infantaria, tinha consciência de que a sua cabeça estaria posta a prêmio e que não poderia mais recuar.
Tratava-se de uma guerra iniciada desde quando os primeiros colonizadores colocaram os pés no Piauí. Tinha a lucidez de que ele e todos os demais guerreiros das tribos confederadas do Piauí, do Ceará e do Maranhão, estavam fazendo apenas o esboço de uma reação tardia contra os constantes massacres comandados pelos invasores, que de luta em luta iam irrigando o solo piauiense com o sangue de sua gente.
Mandu Ladino tinha a visão de um grande estrategista militar e sempre que reunia o Conselho de Guerra, pegava um pedaço de cipó com as duas mãos e entortando-o até quebrá-lo, dizia:
– Uma tribo só, lutando isoladamente, é tão fraca quanto este cipó!
E repetindo a operação com vários cipós enfeixados, tentava obter o mesmo resultado e ante a impossibilidade de quebrá-lo, falava:
– A união faz a força!
E fixando o olhar em todos ao seu redor, enfatizava:
– Unidos venceremos! Foi unidos, que conseguimos derrotar as tropas de Souto Maior, a do Coronel Tomás Vale de Portugal e outras.
E era realmente unidos que eles aterrorizavam os colonizadores.
Ainda sob o impacto do destroçamento de uma tropa avançada e da crueldade cometida contra o seu Capelão, Padre Amaro Barbosa Pinheiro, – primeiro Vigário da Freguesia de Santo Antônio do Surubim, – que além de ter sido esquartejado, teve o seu coração arrancado e exibido como troféu, o Comissário Geral de Cavalaria, Manoel Carvalho de Almeida, reorganizou um verdadeiro exército para sair em perseguição a Mandu Ladino e seus comandados.
Por ocasião do alistamento de novos soldados, um dos primeiros a se apresentar foi o seu sobrinho, o adolescente João do Rego Castelo Branco, que tinha uma verdadeira ojeriza pelos índios e queria começar a sua carreira militar combatendo contra as tropas de Mandu Ladino, mas como ele ainda era muito novo e pretendia se alistar sem a expressa permissão do pai, Capitão-Mor da Vila de Parnaíba, João Gomes do Rego Barros, o tio não o aceitou.
Em 1717, depois de alguns combates isolados, o grosso da indiada tomou o caminho do litoral.
Sabendo que os nativos comandados por Mandu Ladino se encontrava no extremo Norte do Piauí, o Comissário Geral de Cavalaria resolveu marchar contra eles e fazer um ataque de surpresa.
Depois de uma incursão no Baixo Parnaíba, deixando um rastro de destruição, de morte e de massacre, os índios se aquartelaram no Porto das Barcas, onde ao descansar foram surpreendidos por um inesperado cerco, feito por centenas de soldados.
Mesmo sob fogo cerrado eles reagiram heroicamente, mas como estavam desprotegidos, tornaram-se alvo fácil.
No momento do ataque, Mandu Ladino se encontrava na Ilha Grande de Santa Isabel, no outro lado do rio Igaraçu, onde comandava uma incursão nas fazendas daquela ilha do Delta do Parnaíba.
Ao ouvir os tiros e os gritos de desespero dos seus companheiros que tombavam um atrás do outro, ele e um pequeno grupo de saltadores pegando os seus arcabuzes, tomaram uma igara e foram em socorro dos demais. Ao atravessar o rio foi alvejado pelo soldado João Peres.
Sem a ordem de comando do líder, que ao ser baleado pulou n’água e foi arrastado pela força da correnteza, os índios, apavorados, tornavam-se alvo cada vez mais fácil dos soldados do Comissário Geral de Cavalaria, que entrincheirados, mandavam chumbo, promovendo assim um dos maiores massacres contra os índios do Piauí.
O desaparecimento do grande líder contribuiu para a pacificação da região, no entanto, o seu nome, que já era uma lenda viva, transformou-se num verdadeiro mito que nem o tempo conseguiu apagar.


















31 – O Retorno do Mestre-de-Campo e a Nova Situação Política



Depois de sua permanência em Pernambuco e na Bahia, por cerca de um ano e meio, onde se submeteu a um tratamento de saúde e se empenhou na preparação da papelada necessária para que lhe fosse outorgada a honraria da Ordem do Hábito de Cristo, o Mestre-de Campo, Bernardo de Carvalho, retornou para reassumir o comando da Conquista.
Chegando ao Piauí verificou que muita coisa havia mudado, a começar pela morte de Mandu Ladino, a única coisa positiva para ele. Dentre as outras mudanças, contabilizou como negativa a substituição do Governador do Maranhão, Cristóvão da Costa Freire por Berredo, que além de corrupto era comprometido com o governo do Brasil e logo ao assumir passou a apoiar a Casa da Torre, que durante a sua ausência conseguiu licença do Rei para fazer guerra aos índios do Piauí e do Maranhão sem se submeter à sua autoridade.
Com a falta de apoio dos fazendeiros, dos índios do Ceará e do Governador maranhense, Bernardo de Carvalho apelou diretamente ao Rei, expondo as suas dificuldades e solicitando a concessão de poderes para alistar no Piauí cerca de 40 a 50 homens desocupados e vadios e de recrutar no presídio do Maranhão outros tantos. Estes juntamente com os outros 60 que o Rei já havia lhe cedido perfazeriam um total de, no mínimo, 100 soldados. A solicitação feita no início de 1718 pedia poderes para requisitar os índios das aldeias do Camarão, do Ceará e da região do São Francisco, bem como a anexação das aldeias da Serra da Ibiapaba, ao Piauí.
Depois de passar pelo Secretário de Estado, Diogo de Mendonça Corte Real e de receber o parecer favorável do Conselho Ultramarino, a petição de Bernardo de Carvalho foi aprovada pelo Rei Dom João V, mas como houve uma forte mobilização contrária por parte do Ceará e de Pernambuco, o rei terminou voltando atrás.
Não obstante ao seu papel decisivo na criação da Vila do Mocha e na organização do judiciário piauiense, o Mestre-de-Campo, vendo cair por terra a afirmação de que palavra de Rei não volta atrás e sentindo-se tolhido pelo poderio econômico da Casa da Torre e pelo poder político dos Governos do Brasil e de Pernambuco, abandonou o Arraial Velho, na região de Bitorocara, para se fixar no Maranhão junto aos índios que ele mesmo havia aldeado, vez que, com a morte de Mandu Ladino, o Norte do Piauí já se encontrava pacificado.
Instalado na fazenda São Bernardo, de sua propriedade, que deu origem ao atual município maranhense homônimo, mesmo sem contar com o apoio do governador Berredo e com a ajuda dos índios de Ibiapaba e da região do São Francisco, o Mestre-de-Campo conseguiu pacificar o Maranhão.
Concluída a Conquista naquele Estado, ao invés de reconhecer os seus méritos, o governador, de quem nunca teve apoio, ainda o perseguiu.






32 – Uma Saída Honrosa


Amargando a decepção por não terem sido reconhecidos por Mafrense, o pai ingrato que não os incluiu no testamento, Vidal Afonso e Agostinho passaram a nutrir ódio pelo jesuítas, que no afã de defender os interesses dos inacianos do Colégio da Bahia, os expulsaram das terras do legado, deixando-os completamente na miséria.
A fabulosa herança, que lhes foi tirada de maneira escusa, com o auxílio de um tabelião corrupto, se reverteu em prestígio, poder e fortuna para os jesuítas, a quem eles, os deserdados chamavam de “Demônios de Saia.”
A festa promovida pelos inacianos para comemorar o desembaraço das propriedades e a inauguração da nova sede do legado, confortavelmente instalada na fazenda do Brejo de Santo Inácio, que a partir de então passou a contar com uma Capela, em cujo altar exibiam uma imagem do padroeiro, de aproximadamente cinqüenta centímetros de comprimento, toda confeccionada em ouro maciço, do melhor quilate, dando assim uma demonstração inequívoca de poder e opulência, mexeu com os brios dos dois rapazes. Em todo e qualquer lugar por onde andavam eram incitados pelos não simpatizantes dos padres, para que se vingassem dos mesmos.
Os incitadores – constituídos essencialmente pelos vaqueiros das fazendas ameaçadas pela ganância dos inacianos, que na santa ambição de aumentar os seus lucros grilavam as propriedades vizinhas – exortando os rapazes, diziam que se eles não dessem fim nos “Demônios de Saia”, estes terminariam contratando o Belegão para eliminá-los.
Só em pensar em Francisco Cardoso Belegão – facínora da pior espécie, autor de inúmeros assassinatos, – que no comando de um grupo armado espalhava pânico, levando terror aos posseiros da região, Vidal e Agostinho, conhecedores da fama do bandido, que agia impunemente, acobertado por Miguel de Abreu Sepúlveda e por Francisco Xavier de Brito (os dois representantes da Casa da Torre, no Piauí, sediados no Arraial dos Ávilas), se associaram aos Pimenteiras, que também tinham contas para acertar com os inacianos.
No final da tarde, no melhor da festa, quando as autoridades e a maioria dos convidados já haviam deixado o Brejo de Santo Inácio, os dois filhos de Mafrense, liderando cerca de cem Pimenteiras, fortemente armados, entoando cantos de guerra, cercaram a sede do legado.
Sob a mira de flechas, tomado pelo pânico, o Padre Domingos Gomes acionou o Belegão, persona non grata, que mesmo sem ter sido convidado, foi um dos primeiros a comparecer na festa e um dos que mais usufruiu de tudo, especialmente da bebida.
Em visível estado de embriaguez, o facínora, recordando, que por solicitação dos jesuítas, a justiça o obrigou a abandonar a fazenda Espinho, da qual havia se apossado e onde vivia sem a oposição dos dois rapazes, que segundo o seu entendimento eram os legítimos herdeiros, fitando o Padre, respondeu:
– Eu tô bêbo, mais num tô doido! Se eu tivesse qui pegar em arma seria para defender os direito de Vidal e Agustim!
E entornando mais uma dose de aguardente, completou:
– Vocês qui são branco qui se intendam!
Sentindo-se perdido, o Padre levantou os braços e rendendo-se aos invasores, negociou uma saída honrosa incluindo um lote de terra e uma partida de gado.






33 – Os Irmãos Dantas e a Construção
da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, de Piracuruca


Além de Bernardo de Carvalho, de Dom Francisco Castelo Branco e dos outros fazendeiros do Vale do Longá, especialmente os da área de influência de Bitorocara, Norte do Piauí, contava também com a presença marcante de dois grandes agropecuaristas, que no alvorecer do Século XVIII se instalaram no Vale do Piracuruca. E como grandes empreendedores fundaram as fazendas Monte, Macambira, Curral dos Cavalos, Perus, Pitombeira, Batalha, Boqueirão e Veados.
Esses aventureiros eram os irmãos portugueses José e Manoel Dantas, – dois dos mais prósperos fazendeiros do Piauí, de antanho.
Os dois vieram para o Brasil em busca de fortuna e viviam impressionados com a Lenda do Moribeca: a Sabarabuçu – uma montanha de prata que teria sido descoberta por Belchior Dias, O Moribeca, e com a Lenda da Lagoa das Pérolas, que segundo os comentários dos bandeirantes paulistas, ficava localizada além do Gurguéia.
Atraídos pela ambição, José e Manoel deixavam as suas fazendas entregues aos vaqueiros e sem que ninguém mais soubesse sobre o verdadeiro motivo das repetidas e demoradas incursões, saíam em busca dessas fabulosas riquezas.
De 1712 a 1717, no período em que Mandu Ladino comandava o levante geral dos índios contra os fazendeiros e as tropas comandadas inicialmente pelo Mestre-de-Campo Souto Maior e após a morte deste, os dois irmãos, que passariam para a história com o nome de Irmãos Dantas, não se aventuravam em se afastar demasiadamente dos seus domínios. No entanto, após a eliminação do grande líder, cujo nome já havia se transformando em lenda, os dois aventureiros acreditando na pacificação dos nativos, tão propalada pelo Mestre-de-Campo, passaram a expedicionar pelos locais mais distantes.
As expedições exploratórias eram feitas em companhia de três escravos mudos, para não deixar vazar o segredo aos vaqueiros e demais peões das suas fazendas e também para não despertar a cobiça dos outros fazendeiros.
Nessas incursões, percorriam os rios e as lagoas da região, em busca das pérolas, que segundo a lenda estava depositada no fundo das águas. E na ânsia de encontrar a montanha de prata, percorriam as serras de Campo Maior, de Ibiapaba e a dos Matões, que, por ser muito frio eles a denominaram de Suíça Piauiense.
Em 1718, ao retornarem de uma dessas jornadas, foram surpreendidos por uma horda de índios selvagens, que sem lhes permitir um menor esboço de reação, os aprisionaram, amarrando-os, separadamente, cada um ao troco de uma árvore.
Reconhecendo que iam ser executados, no auge do desespero, José recomendou a sua alma a Deus e começou a rezar. O irmão o acompanhou e ao concluir a oração, falou:
– Estamos praticamente perdidos, mas tenho fé em Deus e em Nossa Senhora do Monte do Carmo, que haveremos de escapar com vida.
No momento em que eles rezavam e conversavam entre si, os índios, se preparavam para iniciar o ritual de execução. Enquanto uns se pintavam com tinta de urucum, alguns tocavam inúbia, e outros, já devidamente armados de bordunas, entoavam cantos de guerra.
Num ato de desespero, Manoel apelou para a santa de sua devoção:
– Minha Nossa Senhora do Monte do Carmo eu lhe peço por tudo que é Sagrado, para que nos salve desses selvagens. Em troca, em meu nome e do meu irmão, eu lhe prometo: a partir de amanhã começaremos a edificar uma Igreja neste local em sua homenagem, onde, como nossa padroeira, a Senhora será glorificada.
José, que inclusive já havida se dado por vencido, ao ouvir a súplica do irmão, apegando-se à fé em Deus e em Nossa Senhora do Carmo, complementou:
– Juro que em troca pela salvação de nossas vidas, construiremos uma Igreja maior, mais bonita e melhor do que a que existe em nossa terra natal.
Mal ele terminou de fechar a boca, os índios, de bordunas em punho, formaram uma fila indiana e enquanto uns pintavam as vítmas, o líder, que tencionava matá-los à golpes de lança, mudando de opinião, comunicando-se na língua-geral, ordenou para que todos soltassem as armas e saíssem em busca de galhos secos para fazer uma grande fogueira ao redor de cada árvore, onde cada um dos prisioneiros estava amarrado.
Obrando-se de medo e com os pensamentos voltados para Deus e Nossa Senhora do Carmo, os dois irmãos, comunicando-se apenas com o olhar, assistiam ao trabalho dos seus algozes, que após lhes contornar com galhos secos e palha de carnaúba, de tocha na mão, começavam a atear fogo em cada uma das fogueiras.
Ao se lembrar, que ainda quando rapazola havia assistido a execução de um herege, na fogueira da Inquisição, Manoel, sentindo o arrepio da morte, rezava em silêncio.
No momento em que a fumaça começou a subir, o som de um trovão, vindo de muito longe, dava o sinal do início do inverno. E de uma hora para outra, como num festival de fogos, os relâmpagos cruzavam-se no ar. E quando as chamas começaram a arder, uma chuva torrencial caiu sobre elas, apagando completamente as labaredas recém-formadas.
Assim que a chuva cessou, ouviu-se um tropel de cavalos, acompanhado de gritos e tiros. Era de uma das tropas de Bernardo de Carvalho, que ao retornar da Vila de Parnaíba, onde os Aranis saqueavam as fazendas locais, vinha no encalce de uma horda de fugitivos, e pela inspiração divina e de Nossa Senhora do Carmo, chegou a tempo de salvar os prisioneiros.
Desesperados, os índios fugiram. Alguns deles foram alvejados, mas não houve registro de óbito no local.
Ao se livrarem das amarras, os prisioneiros se abraçaram com os soldados e os levaram para uma das suas fazendas, dando-lhes um uma boa recompensa. E em cumprimento à promessa, logo ao amanhecer do dia seguinte, os dois, reunindo os escravos e os vaqueiros, voltaram ao local do aprisionamento, onde deram início à construção da Igreja, que somente foi concluída 25 anos depois.






34 – Domingos Jorge Velho, Em Reminiscência


Do pátio da fazenda Boa Esperança, situada no Vale do Marataoan – um dos principais tributários do Longá, – o próspero fazendeiro, Dom Francisco da Cunha Castelo Branco, “patriarca dos Castelo Branco do Brasil e formador das principais famílias, que se entrelaçaram, como Freitas, Almendra, Gaioso, Rego e inúmeras e inumeráveis outras”, em animada conversa com a vaqueirama e com o seu genro, João Gomes do Rego Barros, Fidalgo da Casa Real, descendente dos donatários da Capitania de Pernambuco e Capitão-Mor da Vila de São João da Ribeira do Parnaíba, interessado em conhecer melhor sobre os pioneiros que lhe antecederam, indagou:
– Quem de vocês poderia me falar sobre o grande sertanista Domingos Jorge Velho e sobre a sua saga no sertão do Piauí?
Apressando-se na resposta, o seu genro falou:
– O sertanista Domingos Jorge Velho era paulista da Vila de Santana do Parnaíba. Dizem até que o rio Punaré passou a ser chamado de rio Parnaíba em homenagem a ele e à sua terra, que por sinal é a terra dos bandeirantes Fernão Dias Paes, Garcia Rodrigues, Matias Cardoso, Borba Gato e muitos outros. Segundo o relato dos vaqueiros e dos índios que moravam em suas terras, ele era um homem rude, autoritário e dominador – era um verdadeiro brutamontes e se expressava melhor na língua-geral do que em Português. Comentavam que ele era amasiado com sete índias. Sabe-se que ele inicialmente se instalou na fazenda Sobrado, no Vale do São Francisco, em Pernambuco. De lá partiu para guerrear contra os índios dos sertões da Bahia, ocasião em que pela primeira vez teria penetrado no território piauiense.
Enquanto o genro falava, balançando em sua rede de varanda, armada no alpendre da fazenda, o fazendeiro acionava o cornimboque, na tentativa de acender o seu cachimbo.
Após dar mais uma pitada no seu cigarro de palha, o Capitão-Mor João do Rego Barros, continuou:
– Voltando ao assunto: Por volta de 1662, Domingos Jorge Velho, iniciou a conquista do Piauí através da bacia do Poti. Instalou um arraial na confrontação do Poti com o Parnaíba e outro nas margens do Caatinguinha (Valença). Situou cerca de 50 fazendas. O sertanista não foi apenas um explorador e desbravador das terras do Piauí e sim o primeiro conquistador a se instalar com o ânimo definitivo de fixar residência.
Dando mais uma baforada no seu cachimbo, o fazendeiro afagou a cabeça do neto, João do Rego Castelo Branco e sorrindo para o garoto, falou:
– Conte um pouco mais sobre a saga desse grande sertanista!
O Capitão-Mor, olhando para o seu filho agasalhado ao lado do avô, prosseguiu em seu relato:
– O sertanista Domingos Jorge Velho foi certamente um dos maiores matadores de índios do Piauí. Somente ele, Mafrense, e mais uma meia dúzia de chefetes comandados pelo Coronel Francisco Dias d’Ávila (II), o todo poderoso Senhor da Casa da Torre, mataram milhares de índios, iniciando assim a guerra de extermínio, abrindo caminho para que continuemos a promover uma verdadeira faxina étnica.
Postado em pé, ao lado do avô, a ouvir atentamente aquela conversa, o menino que nascera um pouco antes do início do grande levante promovido por Mandu Ladino e que, desde muito cedo, convivia com a problemática indígena, ouvindo constantemente os relatos do avô, do pai e do tio a cerca dos combates, indagou:
– Papai, e o que é mesmo limpeza étnica?
Sem lhe ocorrer uma melhor explicação, o Capitão-Mor falou:
– Filho, limpeza étnica é a exterminação de uma raça inferior, como a dos índios, por exemplo.
Satisfeito com a explicação, o menino retrucou:
– Então, quando eu crescer eu quero ser militar para lhe ajudar na limpeza étnica.
E sorrindo, acrescentou:
– Papai, eu lhe prometo: Eu sozinho vou matar mais índios do que essas pessoas mencionadas. Pois se depender de mim não ficará um único sobrevivente para contar a história.
Orgulhando-se do garoto, o Capitão-Mor o elogiou:
– Muito bem, meu filho, é assim que se fala!
E dando um sorriso maroto, concluiu:
– Vejo que nas suas veias corre o sangue lusitana da nobre descendência dos donatários da Capitania de Pernambuco!
Não querendo ficar por baixo, o avô emendou:
– Você é um Castelo Branco e como tal há de ser um grande guerreiro, quiçá, maior até que Domingos Jorge Velho, Domingos Afonso Mafrense e Francisco Dias d’Ávila (II)... Você há de ser o terror dos índios do Piauí!
E dando mais uma pitada em seu cachimbo, indagou:
– Então é verdade que foi ele, o temido sertanista Domingos Jorge Velho, quem conseguiu derrotar os negros do Quilombo dos Palmares?
– Sim. Segundo contam, em 1687, 25 anos após se instalar no território piauiense, depois de acertar as condições com o Governador de Pernambuco, Capitão-General João da Cunha Souto Maior, para destruir o Quilombo de Palmares, marchou do Piauí para Alagoas, levando consigo cerca de 1300 índios arqueiros e uma faixa de 80 brancos, mulatos e mamelucos, fortemente armados. Após outras empreitadas pelo caminho, entre 1695 e 1697, alternando sucessos e reveses, obteve a grande vitória, acabando de vez com o quilombo, que a cerca de 50 anos, vinha perturbando o Brasil.















35 – A Balbúrdia Administrativa, o Conflito de Jurisdição e as Conseqüências dos Desentendimentos entre o Mestre-de-Campo e a Casa da Torre


O Mestre-de-Campo, Bernardo de Carvalho e Aguiar, desde o início de sua gloriosa carreira militar se destacou pela coragem e bravura, pela firmeza e determinação. Era uma das figuras mais queridas, admiradas e respeitadas, não só por seus pares, mas também pelos silvícolas, contra quem promoveu a guerra.
Cidadão honrado, exemplo de força e nobreza, Bernardo de Carvalho logo se transformou em ponto de referência e numa das figuras de maior realce, dentre os construtores da história do Piauí colonial, marcando presença nos principais eventos históricos de antanho.
Figura impoluta de cidadão digno e honrado. Militar competente e corajoso. Cristão exemplar, fiel defensor dos missionários e construtor de igrejas.
Seus feitos honram e enobrecem o Piauí, cujo território constituía-se em palco de conflitos de jurisdição e balbúrdia administrativa, envolvendo o Estado do Brasil, a Capitania de Pernambuco, a Capitania da Bahia e o Estado do Maranhão.
A parte Sul – Sertão de Dentro / Sertão de Rodelas, uma extensão do sertão do médio São Francisco, – encontrava-se vinculado ao Estado do Brasil, subordinada administrativa e politicamente à Pernambuco e judicialmente à Bahia, que também jurisdicionava todo o território piauiense.
A parte Norte, embora sofrendo influência dos entes políticos da parte Sul, encontrava-se politicamente vinculada ao Estado do Maranhão, que pela Carta Régia de 13 de março de 1702, passou a manter jurisdição sobre todos os moradores do Piauí, o que de fato não ocorria, pois grande parte do território piauiense continuava sob a jurisdição de Pernambuco, aumentando, cada vez mais os conflitos e a balbúrdia administrativa. Os governantes dessas entidades políticas tomavam decisões sobre o Piauí e sua gente, que por sua vez encaminhava seus pedidos ora para Pernambuco, ora para a Bahia e ora para o Maranhão.
Enquanto o Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí, legitimamente nomeado pelo governo do Maranhão, tentava pacificar a parte Norte, conflagrada por Mandu Ladino e seus comandados, a parte Sul, encontrava-se sob o comando do Sargento-Mor da Conquista, Francisco Xavier de Brito e do Sargento-Mor do Mochas, Miguel de Abreu Sepúlveda. A dupla promoviam a conquista paralela, causando sérios problemas ao Mestre-de-Campo Bernardo de Carvalho, que jamais aceitou a interferência daqueles comandantes, que também acumulavam a função de procuradores do poderoso Feudo da Casa da Torre.
Estabelecido o conflito jurisdicional, político, administrativo, de autoridade e de interesse, o Mestre-de-Campo, contanto com o apoio do governo maranhense, reagia à altura, fazendo impor a sua autoridade e o seu prestígio.
Lutando contra o poderio político e econômico da Casa da Torre, Bernardo de Carvalho enfrentava os seus representantes, que “tinham ainda a vil missão de caçadores de índios, cujas rendas eram repartidas também com os governadores de Pernambuco e da Bahia, que em razão disto os acobertavam. Daí porque agiam sem obediência ao Mestre-de-Campo.” (1).
Logo no início dos desentendimentos, Bernardo de Carvalho os obrigou a se submeterem à sua autoridade e os denunciou junto aos governos maranhense e baiano.
Em atenção às suas queixas, em 15 de maio de 1715, o Marquês de Angeja, Vice-Rei do Brasil, encaminhou um expediente ao Sargento-Mor Miguel de Abreu Sepúlveda recomendando-lhe, que em caso de solicitação, rendesse obediência ao governador do Estado do Maranhão e ao Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí ou se retirasse para o lugar que mais lhe conviesse dentre dos limites da jurisdição da Bahia.
Quando o Mestre-de-Campo achava que as coisas haviam entrado nos eixos, deparou-se novamente com o Sargento-Mor da Conquista, Francisco Xavier de Brito e seu comparsa, Sargento-Mor do Mocha, Miguel de Abreu Sepúlveda, com uma grande quantidade de índios confinados num curral do Arraial dos Ávilas, à espera de venda.
Indignado com a atitude reprovável dos representantes da Casa da Torre, o Mestre-de-Campo os repreendeu e fazendo impor a sua autoridade, libertou todos os índios, que aos bandos retornaram para as suas aldeias de origem.
O prejuízo causado aos dois caçadores de índios irritou também ao Vice-Rei do Brasil, Conde de Vimieira, sucessor de Angeja, que também teria participação no produto da venda das presas.
Tomando para si aquela afronta, o Vice-Rei, instigado pelos senhores da Casa da Torre, usando e abusando da sua autoridade, falseou a verdade, convencendo a Coroa de que os curraleiros do Sul viviam sob constante ataque dos índios, sem a mínima assistência do Mestre-de-Campo, uma vez que residia muito distante.
Em sua engenhosa trama, o Conde de Vimieira, afirmando que a única proteção aos moradores daquela região era apenas a dos Ávilas e assim mesmo o Mestre-de-Campo queria impedir, o Rei autorizou a conquista paralela.
Com essa decisão, Bernardo de Carvalho deixou de exercer a sua autoridade nos domínios da Casa da Torre, que aos poucos passou a influenciar também junto ao governo do Estado do Maranhão, fazendo com que o Mestre-de-Campo perdesse o prestígio e fosse substituído por um militar da inteira confiança dos Ávilas.
























36 – A Trajetória de Francisco Xavier de Brito


O Sargento-Mor da Conquista dos Índios do Piauí, Francisco Xavier de Brito, nomeado pelo governo do Brasil, com sede em Salvador, foi o principal, o mais cruel e mais violento de todos os Procuradores da Casa da Torre, no território piauiense.
Agindo sempre em parceria com o Sargento-Mor do Mocha e Comandante do Arraial Militar de Santo Antônio de Pádua ou Arraial do Gurguéia, mais conhecido como Arraial dos Ávilas, Francisco Xavier de Brito, que além do apoio do feudo baiano, sediado em Tatuapara, contava também com a proteção dos governos de Pernambuco e da Bahia, que lhes concedia autorização para caçar e vender índios, em troca de uma contrapartida representada pela quinta parte do faturamento, tinha como principal objetivo se projetar como uma das maiores lideranças do Sertão de Dentro. E para tanto, era capaz de vender até a própria alma para o Diabo, que, com certeza, não a compraria porque já a tinha por direito, vez que, o Sargento-Mor da Conquista era um facinoroso responsável por alguns crimes de morte.
Cheio de disposição e boa vontade, movido pela cobiça e pela ambição, não media esforços para agradar aos seus protetores, de quem sempre esperava uma recompensa.
Como um dos principais responsáveis pelo desentendimento entre o Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí, Coronel Bernardo de Carvalho e Aguiar, com a poderosa Casa da Torre, sempre procurou tirar proveito da situação.
Investido nas funções de Sargento-Mor da Conquista e de Procurador do Feudo Baiano, não perdia uma oportunidade de provocar o seu desafeto, de quem sempre teve inveja e desejava tomar o cargo.
Contando sempre com o apoio dos seus protetores, Francisco Xavier de Brito instigava o Mestre-de-Campo, invadindo as suas atribuições, fazendo a conquista paralela e capturando índios para vender na zona açucareira.
Diante do conflito jurisdicional, político, administrativa, de autoridade e de interesse, Bernardo de Carvalho, respaldado no apoio do governo do Maranhão, agia energicamente, fazendo valer a sua autoridade. Com isso, terminou ensejando sérios desdobramentos, que levariam a Casa da Torre e os governantes atingidos a uma luta de bastidores para destitui-lo da função. O caso se agravou tomando maiores proporções após este ter libertado os índios que Francisco Xavier de Brito e Miguel de Abreu Sepúlveda haviam confinado em um curral, no Arraial dos Ávilas, a espera de venda.
Este episódio, relatado anteriormente, atingiu também os interesses do Vice-Rei do Brasil que tomando as dores da Casa da Torre e dos seus representantes no Sertão de Dentro, convenceu ao rei para autorizar a conquista paralela.
Com essa decisão, Bernardo de Carvalho perdeu a sua autoridade nos domínios da Casa da Torre. E esta, por sua vez, usando do seu poder econômico e da sua influência político junto ao governo do Maranhão conseguiu que o governador daquele Estado desse a patente de Capitão-Mor e o cargo de Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí para um homem de sua confiança: o facinoroso Francisco Xavier de Brito.




37 – Vida e Obra de Malagrida, O Apóstolo do Brasil

Malagrida se horrorizava com a luxúria dos padres,
combatia os amancebados e defendia os pobres. (Internet)

Dentre todos os jesuítas que missionaram no território piauiense destaca-se a figura ímpar do Padre Gabriel Malagrida.
O missionário, cujo nome significa “As Vozes Harmoniosas de Deus,” nasceu às margens do rio Como, na Vila de Managgio, Norte da Itália, em 18 de setembro de 1689. Era filho do Dr. Diácomo Malagrida e D. Ângela Rusca. O pai, médico dos mais famosos da região, dedicava grande parte do seu trabalho cuidando dos doentes pobres das montanhas mais distantes. O filho o acompanhava nessas visitas e foi com ele com quem aprendera o dom da caridade. Quando menino adorava estudar religião e ensinar o catecismo aos irmãos e aos colegas de rua. A mãe o tratava como “o anjo da casa.”
Os aposentos, onde dormia, decorado com pinturas de Nossa Senhora, era conhecido como o “quarto do santo.”
Da família constituída por onze herdeiros, três seguiram a vida religiosa.
Ainda pequeno, quando estudava no colégio dos padres Somasco, na Vila de Como, costumava morder os dedos até sangrar. Quando perguntado porque fazia aquilo, justificavas:
– “É para a salvação dos infiéis.”
Como interno do seminário, em Gênova, onde se ordenou aos 24 anos, jejuava três vezes por semana. Ao ser interpelado sobre o motivo de tanto jejum, respondia:
– “Para refrear a natureza e guerrear contra as tréguas do corpo.”
Desde muito jovem interessou-se pelo teatro e pela poesia. Encenou várias peças de sua autoria. Também participava do elenco atuando como ator e diretor.
Assim que se ordenou foi enviado pelo Frei Tamborini, o Geral da Companhia de Jesus, para lecionar no Colégio de Bastis, na Córsega. Um pouco mais tarde, em 1721, foi transferido para Lisboa e no mesmo ano veio para o Brasil, ficando inicialmente na Missão do Maranhão.
Posteriormente, em 11 de outubro de 1723, foi nomeado como pregador do Colégio do Pará. Além de se encarregar da instrução dos alunos, o padre, barbudo, andando sempre com os pés descalços e com um cajado nas mãos, passou a missionar nas aldeias e nas cidades circunvizinhas. Pouco depois retornou ao Maranhão, na qualidade de Reitor da Missão Jesuítica dos Tabajaras.
De 1724 a 1728, ainda em solo maranhense, aldeiou os Caicases e fundou a Missão dos Barbados – uma das mais selvagens e perigosas tribos do interior.
De 1728 a 1735, dividia-se entre o Maranhão e o Piauí. Em sua estada em nosta Capitania, foi acolhido pelos jesuítas do Colégio da Bahia, sediados na fazenda do Brejo de Santo Inácio (atual cidade de Santo Inácio do Piauí), onde comandavam o legado deixado por Mafrense. No entanto, a sua vocação de missionário fê-lo sair em peregrinação religiosa, de pés descalços, a palmilhar os Vales dos rios Parnaíba, Sambito, Longá, Surubim, Piracuruca e Marataoan, levando a palavra de Deus aos fazendeiros, aos índios e a todos os moradores da região.
Missionou também nas Vilas do Mocha, Campo Maior e Piracuruca.
Nas suas andanças em desobriga pelo Maranhão, Piauí e várias Capitanias, fundou capelas, escolas e conventos.
Na pequena comunidade de Buritizinho, que deu origem a atual cidade de Barras do Marataoan, exerceu grande influência e concorreu diretamente para que o rico fazendeiro Manoel da Cunha Carvalho e outros fiéis lhe ajudassem a concluir a Capela de Nossa Senhora da Conceição, iniciada pelo Coronel Miguel de Carvalho e Aguiar.
Além da generosa ajuda em dinheiro e gado, conseguiu ainda que o abastado fazendeiro legasse, por sua morte, a quantia de 150 mil réis ao fundo de dotação da referida Capela, em troca de algumas dezenas de missas em sufrágio de sua alma.
Na missão pacificadora em que se constituía em um dos seus desideratos, o Padre Gabriel Malagrida aldeou os Aroazes às margens do rio Sambito – local onde em 1728, construiu uma Capela, tornando-se o seu primeiro Vigário.
Foi lá também onde, à margem esquerda do riacho Tabua, com a ajuda dos colonizadores e dos inacianos do Brejo de Santo Inácio, iniciou a construção de um gigantesco templo de pedra, que serviu de sede da Freguesia de Nossa Senhora do Ó e Conceição dos Aroazes, criada em 31 de março de 1739.
O aldeamento, onde posteriormente o Bispo Diocesano do Maranhão, Dom Manoel da Cruz, fundou a Missão dos Aroazes, deu origem a Valença do Piauí, de onde depois foi desmembrado para constituir o município de Aroazes.
Na sua estada em Piracuruca pediu esmolas e mobilizou a comunidade da região para ajudar aos Irmãos Dantas a concluir a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
De 1735 a 1749, período em que ganhou a fama de Taumaturgo e a denominação de Apóstolo do Brasil, ocupou-se em missionar entre os colonos, seguindo, a pé, do Maranhão para a Bahia e de lá para Pernambuco.
“Durante suas expedições, Malagrida cruzou com companheiros de batina fora da linha. Alguns chegavam a cobrar para rezar missa, outros conheciam o prazer da carne. Tinham mulheres e filhos”... Malagrida “reclamava dos casamentos fora da Igreja, se horrorizava com a luxúria dos padres e se impressionava com o número de prostitutas.” Para ele “o Brasil parecia uma Babilônia de pecados.” (1).
Na sua estada em Salvador, fundou o Convento do Sagrado Coração de Jesus das Ursulinas da Soledade, em 1739.
Em 1749, seguiu para a Europa na tentativa de conseguir recursos para os vários conventos e seminários que havia fundado. Ao chegar no porto de Lisboa com a fama de santo, foi acolhido pelo povo. A imagem de Nossa Senhora das Missões, que levava consigo, e, por invocação da qual, durante a viagem, teria salvado o navio de um naufrágio, foi conduzida em procissão para a Igreja do colégio de Santo Antão.
Na ocasião o Rei Dom João V, que estava praticamente paralítico, na esperança de obter um milagre, o recebeu de braços abertos, abrindo-lhe as portas do Palácio Real.
Reconhecendo que estava vivendo os seus últimos dias, o monarca fez questão que o jesuíta o assistisse na hora de sua morte. E, em trocas das benções especiais, concedeu-lhe todos os seus pedidos, inclusive licença para construir seminários onde achasse necessários e um óbulo de 30 mil cruzados para que o missionário o empregasse nas obras pias e de caridade, iniciadas no Brasil.
A partir de então Malagrida tornou-se amigo e confessor do Rei que em 1750, morreu em seus braços.
Em 7 de setembro daquele ano, em substituição ao pai, Dom José I foi aclamado Rei de Portugal. Logo ao assumir o trono, nomeou o ex-embaixador de Portugal em Londres e em Viena, Sebastião José de Carvalho e Melo para ocupar a Secretaria de Negócios Estrangeiros e da Guerra.
Em julho de ano seguinte, enquanto Carvalho e Melo, respaldado por Dom José I, implantava as reformas que tinha “como objetivo a democratização da estrutura econômica e da sociedade portuguesa”, Malagrida, retornava ao Brasil.
Por ironia do destino, viajou no mesmo navio que transportava o oficial da Marinha Francisco Xavier de Mendonça Furtado – irmão de Carvalho e Melo, que fora designado para assumir o cargo de governador e capitão-general do Estado do Maranhão e Grão Pará.
Durante a viagem, parecendo ter adivinhado que o governador a ser empossado trazia instruções secretas para investigar, “com grande cautela, circunspeção e prudência” o “poder excessivo e grandes cabedais” da Companhia de Jesus, o Padre Malagrida, que, por suas posições quase sempre desagradava as autoridades civis, incompatibilizou-se com Mendonça Furtado, criando assim um estado de animosidade entre os jesuítas e o novo governante.
Ao desembarcar no porto de São Luís, com a imagem de Nossa Senhora das Missões, foi recebido pelos jesuítas e por dezenas de pessoas, que seguiram em procissão levando a santa do caís ao Colégio da Companhia de Jesus.
Logo ao chegar ao Maranhão, o diligente missionário deu início à construção de um seminário, que ficaria pronta no ano de 1753.
Ao concluir aquela importante obra, dirigiu-se a Belém para inspecionar outro seminário, iniciado anteriormente. De lá voltou às pressas temendo represálias por parte das autoridades, criticadas em seus sermões e indignadas com os boatos de que um dos motivos da sua recente viagem à Corte teria sido para pedir ao rei a libertação dos escravos, fato que se ocorresse lhes causariam enormes prejuízos.
Dentre outras obras de Malagrida, construídas com os 30 mil cruzados recebidos de Dom João V, merecem destaque: um recolhimento para convertidas, um mosteiro dedicado às virgens, uma casa de retiro, todos em São Luís; o seminário de Santa Úrsula, em Aldeias Altas (Caxias), no rio Itapecuru, que foi o primeiro estabelecimento de ensino secundário, gramática, e humanística maranhense, e o seminário do Rio Parnaíba, instalado nas terras da fazenda do Capitão José Lopes da Cruz, em Buriti dos Lopes.
Em 1754, a chamado da viúva do Rei, Dona Maria Ana de Austrália, regressou para Lisboa.
A rainha-mãe encontrava-se muito doente e desejosa de se preparar melhor para a viagem sem volta, escolheu Malagrida para lhe dar assistência religiosa.
O missionário chegou a Lisboa num dos períodos de maior tensão entre Carvalho e Melo e a Igreja.
Dado a animosidade reinante entre ambas as partes, o Padre Malagrida evitava dirigi-lhe a palavra.
Certo dia, ao se retirar da alcova da rainha, que o tinha como confessor e o recebia a qualquer hora, ao passar por um dos salões do palácio, o padre cruzou com o Primeiro Ministro, mas não lhe dirigiu a palavra.
Sentindo-se abespinhado, Carvalho e Melo o interpelou:
– Reverendo, por que o senhor não me cumprimentou? Por acaso não sabe que eu sou o Primeiro Ministro de Reino?
Ironicamente o padre se desculpou:
– Perdão, Sr. Ministro! Eu não vos cumprimentei porque não conhecia Vossa Excelência!
– O senhor diz que não me conhece, mas não perde a oportunidade para me criticar nos seus sermões.
Mesmo percebendo que o futuro Conde estava profundamente irritado, o padre retrucou:
– Já que Vossa Excelência é o todo poderoso Primeiro Ministro, aproveitando a ocasião, eu lhe peço para demitir o seu irmão do cargo de Governador do Maranhão, onde se encontra a oprimir o povo, que terminará se rebelando e cortando os laços com Portugal.
Aquela conversa áspera, presenciada por autoridades e por convivas do Palácio Real, provocou a ira de Carvalho e Melo, aumentando-lhe muito mais o ódio contra os jesuítas, especialmente contra o seu interlocutor, que sempre o criticava em seus sermões.
Por pressão do estadista, que nunca escondeu de ninguém a pretensão de livrar Portugal da tutela dos jesuítas, o Padre Malagrida, que se destacava com a fama de Taumaturgo, foi obrigado a se afastar da intimidade da rainha moribunda – a sua única protetora – e se exilar em Setúbal.
Distanciado da esfera do poder o missionário continuou sua pregação contra os vícios e o desregramento da sociedade portuguesa. Foi lá no exílio, que tempos depois recebeu a notícia do falecimento da nobre soberana, que num gesto de generosidade, de gratidão e de reconhecimento por seu trabalho, lhe contemplou, em testamento, com 10 mil cruzados para a construção de um mosteiro na região de Setúbal, mas por causa da rusga com o Primeiro Ministro, o dinheiro nunca chegou em suas mãos.



















38 – As Atitudes e o Triste Fim Francisco Xavier de Brito


Protegido pelos Governos do Brasil, de Pernambuco e agora do Maranhão, o novo Mestre-de-Campo, Francisco Xavier de Brito, passou a agir livremente sem a intromissão de Bernardo de Carvalho, seu ex-chefe, contra quem se rebelou fazendo a conquista paralela e não sossegou enquanto não lhe tomou o cargo.
Apesar de contar com o integral apoio da Casa da Torre, com o auxílio do Sargento-Mor do Mocha, Miguel de Abreu Sepúlveda, de quem também tomara o cargo de Chefe Militar do Arraial dos Ávilas; com muitos soldados e com uma enorme quantidade de índios aldeados, vindos de Pernambuco e do Ceará, que os governos de lá, lhes cediam a troco de compensadoras gratificações, o novo Mestre-de-Campo não conseguiu pacificar o Sul do Piauí.
Muito pelo contrário, ele e o seu comparsa, no afã de amealhar mais cabedais, passaram a agir com violência e arbitrariedade, dando início a uma operação de captura, reunindo as presas no Arraial dos Ávilas, de onde eram encaminhados para venda.
Indignados com a atitude do novo Mestre-de-Campo, os índios se assanharam e no auge da fúria e do desespero passaram a cometer saques, vinganças e espalhar o terror em toda a região Sul.
A maneira de fazer guerra aos índios, somada aos maus-tratos aos escravos dos vales do Gurguéia e do Piauí agravou os problemas.
Enquanto os escravos fugiam para as matas, os índios, exasperados, atacavam as fazendas, matando os vaqueiros, queimando as plantações e roubando gados e cavalos, causando enormes prejuízos e espalhando o terror nas ribeiras do Piauí, do Canindé e nos sertões de Parnaguá.
Nem mesmo as fazendas dos jesuítas eram poupadas.
Francisco Xavier de Brito, o terror dos índios, dos posseiros e dos escravos, agia com crueldade até contra a própria família. Sua mulher e seus filhos não podiam dar um pio que entravam na taca.
Mesmo apanhando, a sua mulher, em prantos, o enfrentava e sempre o advertia:
– Cuidado, covarde! Um dia você ainda vai me pagar, muito caro, por cada lapada de cinto que dá no meu corpo!
Como sempre, ele sorria de sadismo e ela enchendo-se de ódio ameaçava:
– Da próxima vez eu te mato!
Não acreditando nas ameaças da esposa, volta e meia ele a surrava de cinto. Depois da última pisa ela resolveu cumprir a sua promessa e de comum acordo com um dos filhos, mandou um escravo executá-lo.









39 – Jurisdição Eclesiásticas


Não obstante ao Ato Régio de 1621, que criou o Estado do Grão-Pará e Maranhão, ter determinado que as terras do Piauí ficassem sob a jurisdição desse Estado, a ignorância sobre o dimensionamento geográfico do sertão e a incontida penetração, pelo sudeste do território piauiense, por vaqueiros e criadores de gado, egressos da Bahia e de Pernambuco, contribuíram para o estabelecimento de conflito de jurisdição, envolvendo os vários governantes das entidades políticas mencionadas, gerando assim uma balbúrdia política-administrativa.
Mesmo diante desse fato, o Piauí, que se constituía apenas numa faixa de terra situada entre o Estado do Brasil e o Estado colonial do Maranhão, aos poucos foi se desvinculando de Pernambuco e da Bahia.
Foi um processo lento e gradual. Além da desvinculação política-administrativa iniciada efetivamente a partir da Carta Régia de 13 de março de 1702, que deu poderes ao Maranhão para exercer jurisdição administrativa sobre todos os moradores do Piauí, no ano de 1715, ocorreu a desvinculação judiciária, saindo da esfera do Tribunal da Relação da Bahia para se incorporar ao judiciário maranhense. E para finalizar, aconteceu também a tão esperada desvinculação eclesiástica.
Essa última, ocorrida com muita lentidão, teve como principal motivo os reflexos negativos do episódio do incêndio da Igreja e da expulsão do Padre Tomé de Carvalho e Silva, da sede da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória do Brejo do Mocha, no ano de 1698, levado a efeito por Domingos Afonso Serra, sobrinho de Mafrense, que apesar de morar na fazenda Tranqueira, onde foi decidido sobre o local da construção do Templo, não compareceu à reunião e sempre foi contra ao projeto do Padre-Visitador.
Diante desse ato de barbárie, o Bispo Diocesano de Olinda, Dom Francisco de Lima, enviou o Padre Miguel de Carvalho para o Reino, denunciando por carta e através de depoimentos do próprio emissário ao Secretário de Estado, Roque Monteiro Paim, sobre a conturbação e os atos de desassossego ocorridos na recém-instalada Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, do Brejo do Mocha, no Sertão do Piauí.
Foi a partir dessas denúncias que Dom Francisco de Lima e o Padre Miguel de Carvalho, corajosamente, assumiram a defesa da Igreja e dos posseiros do Piauí, em luta aberta contra os ricos sesmeiros, que usando a força da violência dos seus prepostos, impunham a cobrança de altas taxas pelo uso da terra.
As denúncias dos dois religiosos ensejaram a enérgica tomada de providências por parte do Conselho Ultramarino, que determinou ao governo de Pernambuco para dar um basta na situação. E como se não bastasse, ainda foi expedida uma Carta Régia ordenando ao Desembargador Carlos Azeredo Leite, para que fosse ao Piauí devassar o incidente e apurar as denúncias contra os sesmeiros.
Temendo novos atos de violência, o Padre Miguel de Carvalho e o Frei Jerônimo de São Francisco, Comissário da Província de Santo Antônio, no Estado do Maranhão, em audiência, solicitaram ao Rei, a transferência da Jurisdição da Diocese de Olinda (PE) para a do Maranhão.
Logo após o pedido, por Carta Régia de 1701, o Rei solicitou o parecer do governo pernambucano, dando início ao processo de transferência, que a 27 de fevereiro de 1724 foi autorizado pelo Papa Bento XIII, através da Bula “Inescrutabili Coelesti Pratis”.

40 – O Patriarca Valério Coelho e Seus Descendentes


Dentre os muitos fazendeiros que chegaram ao Sul do Piauí, na primeira metade do século XVIII, merece destaque o português Valério Coelho Rodrigues. Filho de Domingos Coelho e Águida Rodrigues. Natural da Freguesia de São Salvador do Paço de Sousa, na região da Vila do Porto.
Chegou à Bahia acompanhado de uma irmã.
A rapariga, como dizem os portugueses, preferiu ficar na cidade de Salvador, onde contraiu matrimônio, tornando-se a matriarca de importantes famílias, como os Silveiras e os Saraivas, de cuja linhagem descende o Conselheiro Saraiva, que presidiu o Piauí e fundou a cidade de Teresina.
Valério, seguindo a tradição dos portugueses da época, aventurou-se pelos sertões da Bahia, de Pernambuco e do Piauí.
Inicialmente, fixou-se na fazenda Carnaúba, em Pernambuco. Como bom empreendedor começou a fazer fortuna e implantar novos criatórios de gado, inclusive no Piauí, chegando a ter pelo menos quatorze fazendas.
Escolhendo como sede do seu feudo, em franco progresso, a fazenda Paulista, situada no local de mesmo nome, que deu origem a atual cidade de Paulistana, contraiu matrimônio com Domiciana Vieira de Carvalho, paulista de origem portuguesa, com quem gerou dezesseis filhos: oito homens e oito mulheres.
De boa formação religiosa, em 1750, um pouco depois de se estabelecer no Piauí, Domiciana, contando com o apoio do marido e do irmão, o Padre Aniceto Vieira de Carvalho, construiu uma Capela, que ainda hoje faz parte da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Humildes, da cidade de Paulistana.
Dentre as fazendas do casal, além da fazenda Paulista, batizada com este nome para homenagear a esposa, que era natural de São Paulo, destacavam-se: Itaizinho, Ingá, Curimatá, Serra do Padre, Boa Vista, Boa Esperança (atual cidade de Padre Marcos), Mamonas, Carnaíbas, Serra Branca e Terra Nova, no Piauí; e Cachoeira, Caboclo e São João (hoje cidade de Afrânio), em Pernambuco.
Como Capelão da humilde igrejinha de Nossa Senhora dos Humildes, o Padre Aniceto, além de ministrar o sacramento para todos os moradores da região, realizou inúmeros casamentos e batizados de membros da família Coelho Rodrigues, que a cada enlace matrimonial se embaralhava com outros sobrenomes, formando outras importantes ramificações, que muito contribuíram para o povoamento e o progresso do Piauí.
Dos dezesseis filhos do casal, somente Teobaldo Coelho Rodrigues, jesuíta leigo e do mesmo naipe do Padre Francisco Sampaio, não contraiu matrimônio. Todos os demais se casaram e procriaram numerosa família.
Do enlace de Ana com o português Manoel de Sousa Martins, proprietário da fazenda Serra Vermelha, na região de Paulistana, surgiu o tronco da família Sousa Martins, no Piauí. Dos filhos do casal, Manoel de Sousa Martins, homônimo do pai, alcançou grande projeção política e social. Governou o Piauí pelo período de mais de 20 anos. Dentre outras honrarias, foi contemplado com o título honorífico de Visconde da Parnaíba.
Do consórcio de Maria com o Ouvidor-Geral, Capitão Marcos Francisco de Araújo Costa, magistrado, político, militar e fazendeiro em Boa Esperança, surgiu o tronco da família Araújo Costa, no Piauí. Dentre os filhos do casal a História reverencia a figura ímpar do Padre Marcos de Araújo Costa, o grande educador de gerações de piauienses.
Do casamento de Águida com o português Dionísio da Costa Veloso, agropecuarista em Boa Vista, na região de Jaicós, surgiu o tronco da família Costa Veloso, no Piauí.
Do matrimônio de Teresa com o Alferes João Barbosa de Carvalho, filho de portugueses estabelecidos na fazenda Serra, na região de Jaicós, iniciou-se a genealogia dos Barbosa de Carvalho, no Piauí.
Do enlace matrimonial de Josefa com o Alferes Martinho Lopes dos Reis, proprietário rural em Mamonas, na região de Jaicós, surgiu outro ramo da árvore genealógica dos Coelho Rodrigues, no Piauí.
Do matrimônio de Gestrudes com o português João José Ferreira de Carvalho, político e proprietário rural em Ipueiras, na região de Simplício Mendes, formou-se o tronco da família Ferreira de Carvalho, no Piauí.
Do casamento de Domiciana com o Tenente Francisco Machado de Sousa, português da Vila de São Luís e proprietário rural em Camissão, na Bahia, aconteceu o embaralhamento genético dos Coelho Rodrigues com os Machado de Sousa.
Do enlace de Dionísia com o descendente de português José da Costa Mauriz, da fazenda Moreira, na região de Simplício Mendes, houve um novo embaralhamento genético, surgindo assim uma nova ramificação da família Coelho Rodrigues.
Dos varões, tirante Teobaldo Coelho Rodrigues, que por optar pela vida religiosa, permaneceu solteiro, todos os demais (Valério, José, Estevão, Lourenço, Manoel, Inácio e Florêncio), contraíram matrimônio e procriaram muitos filhos, transmitindo a bagagem genética de Valério e Domiciana, por várias e várias gerações, para outras regiões do Piauí e do Brasil.


















41 – Outras Freguesias


Em 27 de fevereiro de 1724, quando através da Bula “Inescrutabili Coelesti Pratis”, o Papa Bento XIII, autorizou a sua transferência do Bispado de Olinda (PE), para o Bispado do Maranhão, o Piauí tinha apenas duas freguesias, a de Nossa Senhora da Vitória do Brejo do Mocha e a de Santo Antônio do Surubim.
De 1724 a junho de 1738, o Bispado do Maranhão esteve vago, mas por algum tempo foi governado pelo Mons. Antônio Troiano, que por recomendação de Dom João V, assumiu os negócios eclesiásticos do Piauí.
O primeiro Bispo do Maranhão que exerceu autoridade eclesiástica sobre o território piauiense foi o Frei Dom Manoel Ferreira Freire da Cruz, zeloso Monge da Ordem de São Bernardo e doutor em Teologia, egresso da Universidade de Coimbra, onde também era professor.
Dom Manoel da Cruz assumiu o Bispado em 29 de junho de 1738. E logo no ano seguinte, em 31 de março de 1739, voltando os seus olhos para o Piauí, criou as Freguesias de Santo Antônio do Gurguéia e a de Nossa Senhora do Ó e Conceição dos Aroazes.
A primeira, que deu origem à Vila de Jerumenha, teve como sede a povoação oriunda do Arraial dos Ávilas, fundada no alvorecer do Século XVIII, pelo Sargento-Mor do Mocha, Miguel de Abreu Sepúlveda, com índios domesticados trazidos da Bahia para proteger os currais da Casa da Torre e permitir a penetração das boiadas nos sertões de Pastos Bons, no além-Parnaíba, em território maranhense.
A segunda, que deu origem à Vila de Valença / Aroazes, teve como sede o aldeamento dos Aroazes, organizado pelo Padre Gabriel Malagrida, às margens do rio Sambito, com os índios remanescentes do antigo Arraial dos Paulistas, fundado nos primeiros tempos da colonização do Piauí, pelo Capitão-Mor Francisco Dias de Siqueira. Foi nesse local, onde em 1728, o diligente missionário construiu uma Capela, tornando-se o seu primeiro Vigário. Foi lá também onde, à margem esquerda do riacho Tabua, com a ajuda dos colonizadores e dos inacianos do Brejo de Santo Inácio, o Padre Gabriel Malagrida, iniciou a construção de um gigantesco templo de pedra, – local onde além de instalar a Freguesia, Dom Manoel da Cruz fundou a Missão Indígena de Nossa Senhora do Ó e Conceição dos Aroazes.
Pouco depois, em 27 de novembro de 1742, em visita pastoral ao Piauí, o operoso Bispo Dom Manoel da Cruz, criou a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Poti, no Rancho dos Patos (Marvão / Castelo do Piauí), – local onde também fundou a Missão Indígena de Nossa Senhora do Desterro.
Foi assim que Dom Manoel da Cruz inscreveu o seu nome na História do Piauí, por onde passou em visita pastoral e a caminho de Minas Gerais, para assumir, como primeiro ocupante, o Bispado de Mariana, recém-criado pelo Papa Bento XIV.
Nessa viagem, o Bispo Dom Manoel da Cruz, tendo sido castigado por doença e por um inverno rigoroso, viu-se obrigado a permanecer por sete meses no Sítio Canavieira, às margens do Gurguéia, de propriedade do fazendeiro Antônio Gonçalves Jorge. Abençoado pelo Bispo, o Sítio Canavieira deu origem à cidade de mesmo nome.



42 – Outras Crueldades de Belegão (1)


Baco, baco... tilim-titim... O som ritimado da batida dos cascos dos cavalos na areia fofa e o tilintar das argolas e das fivelas, em choque com os pingentes de metal, dependurados nos arreios de couro cru, amaciados com sebo de boi gordo, soava como uma doce melodia nos ouvidos dos jagunços.
O bando, fortemente armado, seguia a trilha sinuosa aberta no meio do matagal daquele sertão bruto.
O Caminho tortuoso aqui e acolá invadido pelas ramas da vegetação rasteira, ainda guardava as pegadas de uma boiada que por ali havia passado recentemente.
Em verdadeira algazarra, o bando seguia para os confins do Gurguéia, com a firme determinação de cumprir, à risca, as ordens de Francisco Xavier de Brito, que além de deter o poder econômico da Casa da Torre, passou a acumular o poder militar do Estado como o novo Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí.
Belegão, o chefe da cabroeira, intitulando-se de Capitão, seguia à frente com seu arcabuz cruzado nas costas, com um facão de dois gumes de lado, um punhal na cinta e a patrona à tiracolo, cheia de munição.
De cima do seu cavalo alazão, de mancha branca na testa, deu um sinal para que os jagunços parassem e freando bruscamente o animal, falou:
– Vamos acabar com a raça daquele cachorro para que sirva de exemplo aos outros posseiros!
E olhando firme para os seus cabras, acrescentou:
– Eu sei que ele tem a fama de valentão, mas agora é que eu quero ver se ele é macho!
Um dos jagunços alertou:
– Cuidado! O homem é destemido e desaforado. Se a gente não se cuidar ele não morre antes de mandar alguns de nós para o inferno.
O Capitão franziu a testa em sinal de que não havia gostado da observação e fechando a cara para o seu interlocutor, esculachou:
– Você é um medroso, um covarde!
Sentindo-se ofendido, o cabra devolveu o insulto:
– Covarde é o senhor que não tem coragem de enfrentar um homem de peito aberto... Se não fosse a gente, há muito tempo os posseiros já tinham tomado o seu fel ou lhe expulsado daqui.
Belegão, sentindo o sangue ferver em suas veias, atacou:
– Deixe de atrevimento e me respeite senão eu termino lhe dando uma lição!
Em tom desafiador, o cabra alterando a voz, falou:
– Pois prove que é macho, desça do cavalo, pegue o seu punhal e venha duelar comigo.
Sentindo-se ameaçado e sem tanta coragem assim, o Capitão virando-se para os outros jagunços, ordenou:
– Peguem esse cabra e vamos dar uma lição nele!
A cabroeira saltou em cima do desafiador, que antes de ser dominado, ainda teve tempo de sacar o punhal e desferir um golpe mortal em um dos seus agressores.
Enquanto alguns se dispunham a sangrá-lo, Belegão, gritou:
– Soltem os punhais e segurem o homem!
E dirigindo-se para um deles, ordenou:
– Tire o cabresto do cavalo desse safado e prepare um laço. Eu quero que ele morra com a língua de fora para aprender a me respeitar.
O cabra implorou, mas não teve jeito, terminou enforcado no galho de um jatobazeiro.
Olhando para o seu desafeto balançar na corda da forca, Belegão desabafou:
– Agora sim, eu tô com a honra lavada!
E virando-se para o jagunço, que gemendo, rolava pelo chão, com as vísceras sujas de arreia e cisco, sentenciou:
– Esse aí não tem mais jeito!
E apontando-lhe a arma, disse:
– Vou acabar logo com o sofrimento dele!
Sentindo a frieza da morte, o moribundo implorou:
– Não, Capitão, pelo amor de Deus não me mate!
Mal ele terminou de fechar a boca o arcabuz cuspiu fogo, fazendo com que ele se calasse para sempre.
Enquanto uma das suas vítimas ainda estrebuchava na forca e a outra ciscava no chão, Belegão soprava a fumaça que saía do cano da arma.
Depois da segunda execução, um dos cabras olhando para as vítimas sugeriu para que se fizesse o enterro, mas Belegão manifestando-se contrariamente, falou:
– Nada disso, deixem que os urubus, os lixeiros do mundo, tomem conta deles!
No momento da retirada, Belegão cortou a língua do enforcado e espetando-a na ponta do seu punhal do cabo de prata, a exibia como um troféu.
E como se não bastasse, decretou:
– De hoje em diante quem ousar me desafiar, vai ficar sem a língua e virar comida de urubu.
Dito isso, apertou as rosetas das esporas nas ancas do seu cavalo e, dando um galope, seguiu em frente com a língua do desafeto espetada na ponta do punhal. E mesmo com o sangue escorrendo, a sujar o seu braço, ele continuava a exibir a língua do infeliz como se fosse um estandarte de guerra.
Ainda sentindo o cheiro de sangue, os jagunços seguiam céleres. Logo numa das primeiras curvas do caminho, eles se depararam com o Padre Tomé e seus auxiliares, que voltavam de uma desobriga.
Vendo-se frente a frente com os bandidos, fortemente armados, com o chefe do bando a ostentar a língua do seu desafeto na ponta do punhal, o padre lembrando-se das ameaças sofridas e do aviso, para que, em seus sermões, não voltasse mais a defender os posseiros, se benzeu e balbuciando, apelou para a providência divina:
– Valha-nos Deus e Nossa Senhora da Vitória e nos protejam das maldades de Belegão e do seu bando!
Em sinal de respeito, o chefe do bando se desfez da língua, recolheu o punhal e estirando a mão, pediu a bênção ao vigário.
O gesto foi seguido pelos demais.
Sentindo-se mais tranqüilo, o sacerdote suspirou aliviado e foi logo dizendo:
– Que Deus os abençoe e perdoe os vossos pecados!
Vendo que o clérigo ainda estava um pouco nervoso, Belegão o tranqüilizou:
– Não se assuste, seu padre. Apesar do que aconteceu no passado, eu quero que o senhor saiba: eu sou apenas um pau-mandado, mas pessoalmente não tenho nada contra o senhor e juro por Deus – nunca tive a intenção de cumprir aquelas ameaças.
Sentindo-se cada vez mais aliviado, o Padre Tomé tirou o chapéu, se benzeu, postou as mãos e erguendo a cabeça para o céu, exclamou:
– Glória a vós, senhor por ter ouvido as minhas preces!
E repondo o chapéu na cabeça, se despediu com um aceno de mão e com o seu tradicional chavão:
– Até o próximo encontro e que Deus os acompanhe!
O sacerdote chegou as esporas nas ancas do seu pangaré.
Relinchando, como quem também se despedia, o animal deu partida, mas logo foi interceptado por Belegão, que fazendo reverências ao religioso, apelou:
– Padre Tomé, não se vá sem antes rezar uma missa pelas almas de dois cabras do nosso grupo, que morreram agora há pouco.
Como o pedido de Belegão era uma ordem, o padre concordou de pronto, e apeando-se, foi logo improvisando um altar debaixo de uma faveira frondosa.
Depois da cerimônia religiosa assistida com atenção e respeito, os cabras reuniram as armas ao pé do altar, onde mesmo contra a vontade expressamente manifestada, o padre viu-se obrigado a benzê-las com água benta.
Livrando-se do bando, o padre deu um galope e logo em seguida se deparou com os corpos dos dois infelizes para quem havia rezado há pouco.
Aterrorizado, ele próprio, ajudado por seus auxiliares, abriu uma cova rasa e deu um enterro cristão aos mortos.
Belegão e o seu bando seguiram em frente.
Sem desconfiar de que seria alvo de uma investida de Belegão, o posseiro da fazenda Muçambê, bem acomodado debaixo da latada do seu tugúrio, pitando um cigarrinho de palha, cuidava da bicheira de um cabrito. Enquanto isso, sua esposa, sentada num banco de madeira tosca, amamentava o recém-nascido e sua filha, uma mocinha de dezesseis anos, ingênua e pura, escanchada num pilão, confeccionado num toro de aroeira, pilava arroz para o jantar.
Orientados pela batida do pilão, os jagunços se aproximaram. Dividiram-se em dois grupos e entrando no matagal, cercaram a casa.
Quando o posseiro percebeu, já estava sob a mira das armas.
Os bandidos invadiram a casa, colocaram toda a família na latada. Não obstante aos apelos das vítimas, enquanto o marido continuava escorado sob a mira dos arcabuzes, a sua mulher e a sua filha foram violentadas ali diante dos seus olhos. Enquanto duas lágrimas rolavam em sua face e as mulheres chorando, gritavam em vão, a pedir socorro, os jagunços gargalhavam.
Lançando um olhar de raposa doida em suas vítimas, Belegão catou a criança, que em prantos rolava pelo chão, e jogando-a para cima aparou na ponta do seu punhal. E enquanto mãe e filha choravam de desespero, o chefe do bando ordenou:
– Capem esse cachorro e vamos levar os ovos dele para o Mestre-de-Campo.
Os cabras se aproximaram para fazer o serviço, mas antes de lhe por as mãos, o posseiro, mesmo sob a mira das armas, demonstrando uma incrível agilidade, sacou do seu cutelo e num raio de segundo esfaqueou três agressores. Só não fez mais estrago porque foi alvejado por um tiro disparado pelo próprio Belegão, que além de decretar a morte de toda a família, decretou também para que os jagunços acabassem com o sofrimento dos companheiros atingidos pelas cuteladas do posseiro.













































43 – Nichos de Segregação


Os índios do Piauí, que no início da colonização “fervilhavam como formigas nos vales dos nossos rios”, sempre foram alvos da sanha dos conquistadores e dos aventureiros, que não sossegaram enquanto não eliminaram o último sobrevivente dessa raça.
A conquista e o massacre dessa imensa população constituída de quatro etnias e sete nações, distribuídas em várias tribos e malocas ao longo do território piauiense, foram patrocinados por duas correntes de interesses conflitantes e fins antagônicos.
De um lado, os índios eram acossados pelos exploradores, que, muito bem armados, promoviam a guerra para expulsá-los dos seus territórios e vender os prisioneiros aos sitiantes, fazendeiros e senhores de engenho de Pernambuco e da Bahia. Do outro lado, eram submetidos à ação nefasta dos padres e dos seus colaboradores, que no afã de impor a língua portuguesa e difundir a religião católica, ao tempo em que lhes ofereciam proteção, desestruturavam as bases de sua cultura, tanto do ponto de vista material como espiritual, transmitindo-lhes ensinamentos de obediência a um Deus diferente dos seus, – que não permitia a nudez, a poligamia, a selvageria, a antropofagia, e outras práticas por eles adotadas – e ao colonizador, que nunca os entendeu e sempre os perseguiu.
Os confinamentos temporários e os de curta e longa duração, tornaram-se práticas corriqueiras. Tanto eram feitos pelos exploradores, como pelos padres e pelo governo.
Esses nichos tiveram início nos primeiros tempos da colonização, abrangendo um longo corte cronológico, que se estenderia por muitos anos após a instalação da Capitania do Piauí. Os organizados pelos exploradores e os resultantes da captura em guerra defensiva pelos soldados a serviço do Estado Português, portanto os nichos de segregação temporários, não chegaram a ter um nome específico, mas não passavam de campos de concentração, geralmente feitos em cercados de pau-a-pique, onde os nativos ficavam confinados até a concretização da venda. Os nichos organizados pelos padres, agindo em nome da Santa Madre Igreja, recebiam a denominação de Missões; os organizados pelos militares, com finalidade bélica, eram conhecidos como Arraiais Militares e os feitos por ordem do governo eram batizados por Aldeamentos ou Arraiais.
Dentre alguns desses primeiros nichos, destacavam-se o Arraial do Cajueiro I, situado na ilha de mesmo nome, no Delta do Parnaíba, onde o Padre João Tavares, aldeou os Tremembés; a Missão de São Francisco Xavier da Serra da Ibiapaba, situada na zona rural do atual município de São João da Fronteira, onde os jesuítas segregavam os Tabajaras; Missão de Parnaguá, situada nas margens da lagoa de mesmo nome, na atual cidade homônima, onde os padres confinavam os Acroás; Arraial Militar dos Paulistas, situado às margens do riacho Santa Catarina, afluente do Sambito, na região de Valença e Aroazes, onde o Capitão-Mor Francisco Dias de Siqueira, segregava os Aroazes; Arraial Militar de Santo Antônio de Pádua, mais conhecido como Arraial Militar dos Ávilas, na atual sede municipal de Jerumenha, onde o Sargento-Mor do Mocha Miguel de Abreu Sepúlveda, comandava índios domesticados vindos da Bahia e índios da região do Gurgueia; Arraiais Militares de Nossa Senhora da Conceição e Santo Antônio, organizados na região de Campo Maior pelo Mestre-de-Campo Antônio da Cunha Souto Maior; Arraial Velho – arraial militar – organizado pelo segundo Mestre-de-Campo da Conquista do Piauí, Bernardo de Carvalho.
Além desses nichos de segregação, haviam muitos outros espalhados pelo território do atual Estado do Piauí, inclusive os organizados pelos primeiros colonizadores, como os de Domingos Jorge Velho, situados às margens do Caatinguinha, na região de Valença e às margens do Itaim-Açu (Poti), nas proximidades da atual capital do Estado, bem como os de Mafrense, especialmente o Arraial do Rosário, situado em torno da fazenda Cabrobó, no Brejo do Mocha (Oeiras), onde residia.
Além da guerra de conquista, que depois se transformou em guerra de extermínio, existiam esses confinamentos a que os sobreviventes eram submetidos. Foi exatamente contra tudo isso que ocorreu o Levante Geral dos Tapuias do Norte, comandado por Mandu Ladino – uma espécie de Salvador dos Desvalidos, que reunindo tribos inimigas do Piauí, Ceará e Maranhão, formou uma grande nação de índios rebelados para enfrentar os conquistadores.
E sob sua liderança, os índios exteriorizando seus recalques, ódios e sofrimentos, assaltaram as tropas de Mestre-de-Campo Souto Maior, acabando com ele e com quase todo o seu contingente militar e passando a agir do Baixo Parnaíba ao extremo Sul do Maranhão e Ceará. Criaram um permanente estado de guerra em toda a região. Após sucessivos saques praticados nas fazendas, massacrando rebanhos e pessoas, queimavam casas e plantações e se apoderavam das armas e cavalos passaram a enfrentar os poderosos, com grande poder de fogo. Causando incalculáveis prejuízos para a economia regional e uma enorme ameaça para a estabilidade política, o que provocou a cólera do governo, dos bandeirantes e da Casa da Torre, que passaram a combater a indiada.
Com sua cabeça posta a prêmio, o grande líder terminou morrendo em luta contra as tropas do Comissário Geral de Cavalaria Manoel de Carvalho Almeida, ocorrida em 1717, no Porto das Barcas, na Vila de São João da Ribeira do Parnaíba.
O desaparecimento de Mandu Ladino trouxe a pacificação da região Norte, mas o seu nome transformou-se em verdadeiro mito.
Depois de sua morte e do conseqüente enfraquecimento da resistência dos nativos, surgiram outros nichos de segregação, dentre eles sobressaiam o Aldeamento de São Félix da Boa Vista, na atual cidade de São Félix de Balsas (MA), criado para segregar os Acroás e os Timbiras. Situava-se na foz do Rio Uruçuí-Preto, onde, posteriormente, foi edificada a cidade de São Félix da Boa Vista; Aldeamento de São José, criado para segregar os Acroás. Situava-se nas nascentes do rio Uruçuí-Vermelho, atual zona rural do município de Barreiras do Piauí; Missão de Nossa Senhora dos Aroazes, instalada pelo bispo do Maranhão, Dom Manoel da Cruz, nas margens do Caatinguinha, afluente do Sambito. Deu origem a Valença / Aroazes; Missão de Nossa Senhora do Desterro, criada pelo bispo do Maranhão, Dom Manoel da Cruz, no Rancho dos Patos. Deu origem à Vila de Marvão, atual município de Castelo do Piauí; Arraial de São João do Sande, criado para segregar os Acroás e os Guegueses. Situava-se a aproximadamente 8 léguas ao norte de Oeiras, nos contrafortes da Chapada Grande, na zona rural do atual município de Tanque do Piauí; Arraial do Cajueiro II, criado no vale do rio Itaim. Deu origem a atual cidade de Jaicós. A maior parte da sua população era composta pelos Jaicós, que deram origem ao nome da cidade; Arraial do Cajueiro III situava-se na zona rural do atual município de Jerumenha. Foi criado para aldear os Acroás; Arraial de São Gonçalo do Amarante, criado com a finalidade de segregar os Guegueses e Acroás Era comandado pelo capitão João do Rego Castelo Branco, que submetia os nativos a trabalhos pesados de roça e corte de madeira. Situava-se no vale do Mulato, na atual cidade de Regeneração; Aldeamento da Lagoa do Bicho, criado para segregar os Acroás. Situava-se na zona rural do atual município de Gilbués e o Aldeamento de Bonsucesso, criado para segregar os Pimenteiras. Situava-se nas proximidades da Lagoa Bonsucesso, nas nascentes do rio Piauí, zona rural do atual município de Caracol.
As aldeias ou arraiais, submetidas à tutela oficial, não ofereciam condições dignas de sobrevivência. Os índios eram tratados como escravos, padeciam de fome e maus-tratos, razão pela qual fugiam constantemente, mas quase sempre eram perseguidos, mortos ou recapturados e levados de volta para o aldeamento.



































44 – A Excomunhão do Ouvidor


Assumindo as rédeas da administração do legado, o Padre Domingos Gomes, novo Superior dos Jesuítas, no Piauí, visando dar maior dinamismo às suas ações, dividiu as fazendas em três departamentos: Santo Inácio, Nazaré e Canindé.
E em cada uma das sedes eleitas para o gerenciamento do seu grupo, além da Residência dos Padres, mantinha uma Capela, onde, em agradecimento, rezavam contritos pela alma de Mafrense, o grande benfeitor da Companhia de Jesus.
No entanto, apesar das rezas diárias e das constantes exorcizações, os jesuítas do Piauí e da Bahia viviam atormentados por inúmeras assombrações.
Além dos presbíteros, os vaqueiros e escravos também davam notícias das peripécias da alma penada do velho sertanista, que a qualquer hora do dia ou da noite lhes aparecia sobre as mais variadas formas.
Muitos davam notícias de um bode preto dos olhos de fogo que aparecia do nada e desaparecia, como por encanto, envolto numa nuvem de fumaça com o cheiro de enxofre.
Outros viam a imagem desfigurada de um velho chifrudo com uma espada na mão direita e a cabeça de um índio na mão esquerda, segurada pelos cabelos, a pingar sangue pelo chão.
Alguns ouviam vozes e viam vultos, de vestes brancas, a atravessar as paredes e a flutuar livremente por dentro de casa.
Além das outras formas de assombração, os padres viam, em sonhos e ao vivo, a figura de um defunto, de cabelos brancos, recostado na cabeceira de uma cama e um cotoco de braço com a mão segurando os cabelos da nuca do infeliz, fazendo com que ele balançasse a cachola em sinal positivo como se tivesse concordando com alguma coisa.
A visão, que seria a repetição da cena do testamento, feito de forma escusa, ao se dissipar, desobedecendo ao comando da mão, mostrava a cabeça do defunto a se movimentar em sinal negativo.
Aprendendo a conviver com as assombrações e com a vida do sertão, os padres continuaram à frente do legado, a tanger as fazendas e a multiplicar os lucros da Companhia de Jesus, que a cada dia ficava mais rica e poderosa.
A imensa fortuna e os privilégios concedidos pelo Rei deram prestígio e poder aos jesuítas do Piauí, a ponto de serem considerados os donos da situação.
Não obstante a tudo isso, acobertados pelo véu da religião, que encobria a indisfarçável hipocrisia, passaram a cometer toda sorte de arbítrio. Eram a própria justiça. Intervinham nos negócios do governo. Mandavam e desmandavam em tudo. Colocavam o povo contra as autoridades constituídas. Incitavam os índios contra os colonizadores, que pudessem usurpar as suas terras e contra toda e qualquer pessoa que, de uma forma ou de outra, pudessem contrariar os seus interesses.
Tinham tanto prestígio e poder a ponto de usar dos mais diversos expedientes para bloquear as ações governamentais, especialmente as que visavam a cobrança de impostos.
Certa vez, quando o governo aumentou a taxação sobre a exportação de gado, eles, indignados, passaram a incentivar a sonegação e, como se não bastasse, insuflaram os fazendeiros para suspender a venda das boiadas e mandaram interditar as estradas para Pernambuco, Bahia e Minas Gerais.
Enquanto o governo local, na condição de Capitania Subalterna do Maranhão, tentava receber o novo tributo, os jesuítas, mais uma vez, mostrando que tinham prestígio, conseguiram por intermédio do Conde de Sabugosa, Vice-Rei do Brasil, que o Rei isentasse os bens da Companhia de Jesus de todo e qualquer imposto.
Por várias vezes desmoralizaram as autoridades, mostrando quem realmente tinha prestígio e poder.
Por ocasião em que, atendendo aos protestos formulados junto a Corte, o Rei determinou que fosse feita a demarcação das sesmarias piauienses, eles mais uma vez mostraram quem realmente tinha poder.
Incumbido de realizar a espinhosa tarefa, o Ouvidor do Piauí, Dr. José Marques da Fonseca, declarou devolutas, dentre outras, as terras administradas pelos jesuítas, determinando a imediata demarcação.
Chateado com a lentidão do trabalho, que já se arrastava por muito tempo e com o comportamento dos funcionários inescrupulosos na prática de abusos, roubos, arbitrariedades e exigindo propina para dar andamento ao serviço, o Padre Domingos Gomes, indo se ter com a autoridade executante protestou:
– Meritíssimo Sr. Ouvidor, Dr. José Marques da Fonseca, dado a grande lentidão do trabalho e o reprovável comportamento dos funcionários que estão realizando a demarcação das terras da Companhia de Jesus, venho protestar veementemente contra tudo que está acontecendo e, especialmente, contra o seu ato nefasto de ter incluído essas terras no rol das devolutas e determinado que uma corja de corruptos fizesse a demarcação.
O magistrado, que se encontrava no seu gabinete de trabalho, levantou-se da cadeira em que estava sentado e apontando o indicador na cara do religioso, falou:
– Reverendo, eu estou cumprindo uma determinação do Rei e fazendo tudo dentro da lei. Portanto, é melhor que o senhor me respeite e colabore para a boa execução do trabalho. Caso contrário, o senhor terminará prestando conta com a Justiça.
– Tire esse dedo sujo da minha cara e pare com essa ameaça. Não me dirigi até aqui para ser insultado e sim para exigir que o senhor mande suspender a demarcação de nossas terras. Ou o senhor suspende essa maldita demarcação ou eu mando enxotar os seus funcionários corruptos das nossas propriedades.
Irritado com a prepotência do sacerdote, o ouvidor foi enfático:
– Não mando suspender coisa nenhuma e assim como nas demais, a demarcação vai continuar nas terras da Companhia de Jesus e se o senhor tentar impedir, serei implacável em lhe enquadrar nos rigores da lei.
– Já que o senhor se nega a atender a um pedido da Companhia de Jesus, que muito tem feito em prol dessa terra, eu vou apelar diretamente ao Rei e denunciar as irregularidades que o senhor está acobertando.
Os ânimos se exaltaram. A troca de insultos continuou.
O ouvidor, perdendo a cabeça atingiu a honra e a moral dos jesuítas:
– Vocês são uns verdadeiros fariseus. Condenam a vida de algumas pessoas desta terra, que vivem amasiadas. No entanto, vocês também vivem no pecado com as índias dos aldeamentos, com as negras das fazendas e até com as crianças.
E dando um murro na mesa, completou:
– Todos sabem disso, como também sabem que, dentre vocês, há um maricona!.
Sentindo-se injuriado, o sacerdote revidou com outros insultos, ofendendo a honra do juiz, que, de cabeça quente o expulsou do seu gabinete.
Ao sair na rua, enxotado pela autoridade, o padre, sob a vista dos curiosos, apelando para os poderes divinos, traçou uma cruz no ar e apontando para o ouvidor, descarregou a sua fúria:
– Filho de Satanás! Com os poderes de Deus, do Espírito Santo e da Virgem Maria, eu te excomungo e condeno a tua alma ao fogo do inferno!
O magistrado fez um rapapé e arregaçando a manga da camisa, deu uma “banana” para o inaciano. Indiferente aos olhares de uma pequena platéia o padre montou em seu cavalo e voltando para a fazenda do Brejo de Santo Inácio, mandou um emissário para Salvador com a incumbência de seguir para Lisboa, com vistas a fazer apelos ao Rei, em favor da causa dos filhos de Santo Inácio.
Meses depois, o Rei expediu um documento reprovando a conduta do juiz e mandando suspender a demarcação das terras do legado.
Com ar de vitorioso, o superior dos inacianos, no Piauí, retornando ao gabinete do magistrado, de onde anteriormente tinha sido expulso, sacou o documento do bolso da batina e jogando-o em cima da mesa, tripudiou:
– Agora o senhor suspende essa maldita demarcação e pune aqueles corruptos que estão se sustentando com o nosso gado ou nós seremos implacáveis em lhe enquadrar nos rigores da lei.
Sentindo-se desmoralizado e cheio de indignação, o magistrado profetizou:
– Um dia vocês ainda haverão de pagar muito caro por tudo isso que estão fazendo!...






















45-O Conflito de Carvalho e Melo com os Jesuítas

Durante o reinado de Dom João V – amigo e protetor de todas as ordens religiosas instaladas em Portugal e em seus domínios –, nada abalava o poder e o prestígio da Companhia de Jesus, que a cada dia se consolidava mais.
No entanto, depois da morte do velho monarca, que falecera nos braços de Malagrida, seu amigo e fiel confessor, as coisas tomaram outro rumo.
Em 7 de setembro de 1750, Dom José I foi aclamado como o novo rei de Portugal.
Em atenção à Rainha-Mãe, Dona Maria Ana de Áustria, que queria favorecer uma conterrânea, amiga e cortesã, o novo rei nomeou o ex-diplomata de Portugal em Viena, Sebastião José de Carvalho e Melo, esposo da austríaca protegida da Rainha, para ocupar a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.
Assim que assumiu a pasta, respaldado pelo Rei, Carvalho e Melo, que depois seria contemplado com os títulos de Conde de Oeiras (1759) e Marquês de Pontal (1770), e, posteriormente se encarregaria da governança do país, se voltou contra o clero, retirando os privilégios da Igreja, proibindo o Santo Ofício de perseguir os cristãos-novos (judeus convertidos) e acabando, de vez, com a terrível discriminação entre cristãos-novos e cristãos-velhos, pois entendia que a perseguição e expulsão dos judeus atrofiaria o desenvolvimento de Portugal.
Preocupado com a estabilidade política, econômica e social do reino, Carvalho e Melo, O Déspota Esclarecido, percebendo que a Companhia de Jesus se robustecia, transformando-se numa espécie de Estado dentro do Estado, tratou de impor limites.
Quando, no início de 1751, por sua indicação, seu irmão, o oficial da marinha Francisco Xavier de Mendonça Furtado, foi nomeado para assumir o cargo de Capitão General e Governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, o poderoso Secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, ao lhe passar uma série de instruções, recomendou:
– Cuidado com a “desmedida ambição política” dos jesuítas e me mantenha informado sobre as suas atividades. Para tanto, investigue com “grande cautela, circunspeção e prudência” sobre o “poder excessivo e grandes cabedais” (1), que eles possuem no Grão-Pará, Maranhão e Piauí.
Antes de tomar as primeiras medidas contra o clero, o novo Secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, que era tido como herege e anticlerical, reuniu-se com Dom Luís da Cunha seu amigo, conselheiro e homem de sua inteira confiança, para falar sobre seu plano de governo, sobre a sua preocupação com os religiosos, notadamente com os jesuítas.
No curso da conversa, Carvalho e Melo instigando o amigo, indagou:
– Meu caro Dom Luís da Cunha, velho amigo e companheiro de diplomacia no reinado de Dom João V, diga com toda sinceridade: o que você acha dos meus planos de governo e do meu conceito sobre os religiosos, especialmente sobre os padres da Companhia de Jesus?
Dom Luís, comungando com os pensamentos de Carvalho e Melo, respondeu:
– Excelente! Você está no caminho certo, os seus planos são os melhores possíveis. Portugal precisa de um homem de idéia e pulso forte como você para implantar as reformas de que tanto necessita.
E, após uma breve pausa, continuou:
– Quanto aos religiosos e especialmente aos jesuítas, afirmo sem sombra de dúvida: eles são nocivos e prejudiciais ao desenvolvimento do nosso país, que ostenta a terrível fama de Nação Católica. O ideal seria se pudéssemos bani-los de Portugal e dos seus domínios.
– Já que o amigo pensa assim, eu lhe peço para fazer um minucioso levantamento sobre a quantidade de conventos, mosteiros e religiosos existentes no país.
Pouco tempo depois, portando um papel com algumas anotações, o eficiente auxiliar adentrou ao gabinete de Carvalho e Melo e ao cumprimentá-lo com um grande sorriso, disse:
– Já tenho todas as informações que você me solicitou.
Depois de pedir para o seu secretário se ausentar, Carvalho e Melo, não se contendo de curiosidade, falou:
– Então me fale sobre a apuração:
Puxando as anotações do bolso da camisa, Dom Luís, desembuchou:
– Veja, enquanto Portugal ainda não atingiu a casa dos 3 milhões de habitantes, tem nada menos do que 538 conventos e mosteiros e cerca de 200 mil padres, frades e freiras de todas as ordens religiosas.
E acrescentou:
– Esta é a “primeira e mais copiosa sangria”, sofrida pelo país, “aumentando-se desta sorte as bocas que comem, sem braços que trabalhem e vivendo à custa dos que, para se sustentarem e pagarem os tributos que se lhe impõem, cavam, semeiam e colhem o que Deus lhes dá com o suor de seu rosto” (2).
E como se não bastasse, continuou:
– Os religiosos se constituem num grande peso para o país, onerando a Fazenda Real com o desembolse de cifras astronômicas para o pagamento da folha eclesiástica, somente os jesuítas recebem mais de 80% de todo o valor pago.
Enquanto Carvalho e Melo continuava calado, Dom Luís, arrematava:
– Quem não se lembra das críticas feitas por Voltaire ao clero e a Dom João V, afirmando, que, quando aquele Rei “queria uma festa ordenava um desfile religioso; quando queria uma construção nova, erigia um convento; quando queria uma amante, escolhia uma freira” (3).
E corroborando com o filósofo e crítico francês, complementou:
– Voltaire tinha razão: quem não se lembra dos grandes investimentos e das altas somas gastas pelo velho monarca “para construir o mosteiro de Mafra”, onde “mantivera longos relacionamentos amorosos com várias freiras” (4).
Tomando pé da real situação do país, Carvalho e Melo “desencadeou um processo de profundas e significativas reformas, econômicas, sociais e políticas, no interesse da burguesia contra o poder eclesiástico e a aristocracia senhorial” (5).
Para implementar essas reformas a Coroa portuguesa baixou algumas Provisões relacionadas com os negócios de terras no Piauí, na Bahia e em Pernambuco, afetando os domínios da Casa da Torre e da Companhia de Jesus.
Essas provisões que começaram a ser executadas, no Piauí, pelo Ouvidor Geral da Vila do Mocha, o corrupto Desembargador José Marques da Fonseca Castelo Branco, sob a orientação de Mendonça Furtado, foram sustadas por outro Ato Régio, que, em atenção às reclamações dos prejudicados, lhes restabeleceu o direito de propriedade.
Ao tempo em que procurava combater os desperdícios econômicos do reino, Carvalho e Melo preocupou-se também em povoar e defender as fronteiras do Brasil.
Mas, tendo em vista que a defesa militar por si só não garantiria a posse da principal colônia portuguesa, vez que os outros países não reconheceriam os direitos sobre terras não ocupadas e que a guerra se tornaria onerosa e difícil de ser implementada à distância, Carvalho e Melo, reconhecendo não poder povoar o Brasil apenas com a imigração de portugueses do continente europeu e das ilhas, cuidou de incentivar a miscigenação dos seus patrícios com as índias brasileiras. E, para tanto, influenciou para que D. José baixasse um Ato Régio proibindo a discriminação e concedendo privilégios para os portugueses que se casassem com as índias.
A miscigenação que já ocorria, em passos lentos desde os primeiros dias da colonização, por conta do relacionamento dos dominadores sobre as índias escravizadas, passou a ser obstacularizada pelas missões jesuíticas que detinham o poder temporal sobre os indígenas segregados, privando os colonos do convívio com as nativas. No entanto, os próprios jesuítas se serviam delas, com quem tinham filhos, mas não em número suficiente para acelerar europeização da população brasileira.
A medida tinha por objetivo acelerar o processo de povoamento do território brasileiro para evitar que fosse ocupado por outras nações. Porém a sua implementação prejudicava os interesses dos jesuítas, que tentando evitar a sua viabilização, montaram uma central de intrigas, espalhando na colônia e na corte o boato de que Carvalho e Melo seria descendente do Padre Sebastião da Mata Escura e de uma escrava chamada Marta Fernandes, com quem o religioso vivia amancebado no Brasil, razão pela qual procurava encorajar os portugueses para seguir o exemplo pecaminoso do seu inescrupuloso parente.
Abespinhado com as críticas, para ele infundadas, Carvalho e Melo, respaldado pelo Rei, “suprimiu todo o poder religioso e temporal que os jesuítas exerciam sobre as missões”, desferindo duro golpe na Companhia de Jesus, vez que a força de trabalho dos índios aldeados representava grande valor econômico e se constituía numa das principais bases do seu enriquecimento material.
Enquanto a arrecadação local se constituía de ninharias e Mendonça Furtado mendigava recursos na Corte para dar andamento aos seus projetos, como por exemplo, para construção de fortes, os jesuítas gozavam da isenção de impostos e, como se não bastasse, exibiam uma fabulosa riqueza, ostentando poder e uma desmedida ambição política.
Para se ter uma idéia, somente na Ilha do Marajó possuíam mais de 100 mil cabeças de gado e além das fazendas tinham engenhos e várias outras propriedades; no Rio de Janeiro, somente na fazenda Santa Cruz, com 100 léguas quadradas, tinham cerca de mil escravos trabalhando; no Piauí, o fabuloso patrimônio crescia vertiginosamente, com a aquisição de novas fazendas, perfazendo um total de 39, situadas numa área de 145 léguas de comprimento por 71 de largura, contendo mais de 50 mil cabeças de gado e quase 3 mil cavalos e bestas, além de cerca de 500 escravos.
Eles possuíam enormes latifúndios em várias regiões do Brasil e além das atividades religiosas que ficavam em segundo plano, administravam uma operação comercial de grande monta, envolvendo a venda de açúcar, arroz, feijão, farinha, azeite de andiroba, manteiga de tartaruga, milho, algodão, bem como carnes e peixes salgados, para outras capitanias, para Portugal e para outros países, feitos principalmente através do porto de Belém.
Somente no Piauí, a venda anual para as Capitanias da Bahia, de Pernambuco e de Minas Gerais, atingia a casa de 1200 bois.
Em todo o lugar se comentava sobre a riqueza dos jesuítas, o que, de certa forma causava inveja aos seus adversários, especialmente a Mendonça Furtado, que na condição de Capitão-General e Governador, sentia-se inferiorizado pelo poder econômico da Companhia de Jesus.
Instigado pelo irmão, que também se tornara inimigo dos jesuítas, Carvalho e Melo, além de retirar todo o poder religioso e temporal que os discípulos de Santo Inácio exerciam sobre as missões, instituiu a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão.
O monopólio atribuído à recém-criada companhia aniquilou os negócios das ordens religiosas, notadamente da Companhia de Jesus, a quem pertencia o grosso do comércio daquele Estado Colonial.
O duro golpe feriu de morte os jesuítas, que impedidos de continuar com um dos mais rentáveis de todos os negócios do Brasil, reagiram imediatamente.
Aliando-se aos demais comerciantes prejudicados, “reuniram-se em torno da Mesa do Bem Comum dos Homens de Negócio, embrião de uma associação comercial, em nome da qual o Padre Bento da Fonseca, que representava as missões do Maranhão em Lisboa, e o advogado João Tomás Negreiros escreveram um duro protesto. E sete delegados dos doze representantes da Mesa do Bem Comum dos Homens de Negócio (...) entregaram-se aos mais ‘virulentos abusos” e à ‘linguagem mais truculenta’ contra a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão durante a audiência que o rei D. José lhes concedeu e durante a qual Custódio Nogueira Braga entregou o manifesto. Ao mesmo tempo, do púlpito da basílica de Santa Maria Maior, o jesuíta Manuel Ballester, em dia festivo, atacou violentamente os privilégios concedidos à Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, a proclamar que quem nela entrasse não seria da companhia de Cristo, Nosso Senhor” (6).
Em reunião convocada por Carvalho e Melo, para debater sobre essas críticas, Dom Luís da Cunha comentou:
– Vejam como eu tinha razão ao alertar que os religiosos, especialmente os jesuítas, são nocivos e perigosos.
Indignado com a reação dos inacianos, Carvalho e Melo, dando um murro na mesa, bradou:
– Eu vou acabar com eles!
E acalmando-se um pouco mais, continuou:
– Já tomei uma decisão: vou dissolver a Fraternidade do Espírito Santo, que reputo ser prejudicial aos interesses do comércio; vou desterrar o Padre Bellester para Setúbal; vou banir aqueles membros da Mesa do Bem Comum dos Homens de Negócio e extingui-la, substituindo-a por uma Junta Comercial.











46 – Os Jesuítas e o Terremoto de Lisboa


Mesmo enfrentando as críticas da oposição e a crescente onda de boatos propagada pelos jesuítas, Carvalho e Melo, continuava cada vez mais fortalecido a mandar e desmandar na Corte e nas Colônias, especialmente no Brasil, de onde recebia as principais informações para a elaboração de um dossiê comprometedor contra as atividades da Companhia de Jesus.
Contando com o apoio do Rei Dom José I, tinha o controle da situação. Tudo corria bem até o dia 1° de novembro de 1755, quando um grande terremoto destruiu três quartos de Lisboa.
Num raio de segundos a terra começou a tremer, o mar, revolto, avolumou-se, com grandes ondas a destroçar os navios ancorados no porto. Um turbilhão de chamas e uma enorme nuvem de cinzas encobriram a cidade. Casas, sobrados, palácios, castelos, mosteiros, conventos e templos desabaram sobre os alicerces.
Milhares de habitantes foram soterrados sob os escombros.
Os sobreviventes, em verdadeira polvorosa, tomados pelo desespero, procuravam parentes e amigos pelas ruas, praças e debaixo das ruínas, especialmente das igrejas, que, por ser o dia de Todos os Santos, estavam repletas de fiéis.
Gemidos de dor e gritos de desespero se misturavam no ar.
Diante daquela cena dantesca, de terror, centenas de pessoas ajoelhando-se no chão, clamavam pela clemência Divina.
Uma beata, cheia de escoriações e banhada de sangue, correndo como uma louca no meio da multidão, gritava:
– É o apocalipse! É o apocalipse! Estamos todos perdidos! Hoje é o dia do fim do mundo! Vamos todos rezar e pedir a Deus pela salvação das nossas almas!
Além dos soterrados, milhares e milhares de corpos, muitos dos quais completamente mutilados ficaram expostos no meio dos destroços da cidade.
De todo lado ouvia-se gemidos e pedidos de socorro.
O Padre Malagrida, que no momento da hecatombe se encontrava celebrando uma missa numa das igrejas atingidas, que, por sorte não desabou por completo, saindo praticamente ileso. Após cuidar dos fiéis que participavam daquele ato religioso, correu para ajudar a socorrer as outras vítimas.
Ao tempo em que cuidava dos feridos e ouvia a confissão dos moribundos, administrava a extrema-unção aos enfermos em estado terminal.
Com a chegada de outros religiosos para confortar aquela enorme legião de desvalidos, o Padre Malagrida, visando explorar o sentimento religioso do povo contra o governo, que havia declarado guerra aos privilégios do clero e especialmente dos jesuítas, subindo na parte mais alta das ruínas da igreja onde rezava no momento da eclosão do terremoto, falou para a multidão ali presente:
– Queridos irmãos, é com grande pesar, que, nesta hora de dor e de desespero, ocupo esta tribuna improvisada nos escombros da Igreja de Santo Antão, que até há pouco tempo estava de pé, para me manifestar sobre esta triste tragédia que abalou a nossa capital, matando milhares e milhares de inocentes.
E apontando para os escombros, para os mortos e para os feridos, dirigiu-se diretamente à cidade:

– “Sabes, pois, ó Lisboa, que os únicos destruidores de tantas casas e palácios, os assoladores de tantos templos e conventos, homicidas de tantos seus habitantes, os incêndios devoradores de tantos tesouros, os que a trazem ainda tão inquieta e fora da sua natural firmeza, não são cometas, não são estrelas, não são vapores ou exalações, não são fenômenos, não são contingências ou causas naturais; mas são unicamente os nossos intoleráveis pecados. Esta demasiada carga foi para nós aquele Ônus Aegypti, que aponta Isaías (...), o qual assim como então fez de um reino o mais opulento do mundo, um assombro de miséria, assim no presente, fez de uma Corte, rainha da Europa, o horroroso cadáver que contemplamos”. (1).

E sacando um manuscrito do bolso da batina suja de lama, poeira e sangue, continuou o seu discurso contra o governo:

– “Ora, suposta a verdade inegável de tantos avisos e profecias precedentes, haverá, não digo católico, mas herege, turco ou judeu, que possa dizer que este tão grande açoite foi puro efeito das causas naturais, e não fulminado especialmente por Deus pelos nossos pecados? Mas como poderá desembaraçar-se de um argumento tão forte, que não tem nem pode ter solução? Porque eu argumento assim; Deus revelou que estava gravemente irado pelos pecados de todo o reino, e muito mais de Lisboa, e conseqüentemente, que havia de fulminar um grande castigo; logo, este açoite não se pode atribuir a causas naturais; mas unicamente à indignação de Deus pela exorbitância de nossas culpas. A primeira proposição em que se estriba toda a força para mim é tão certa, como é certo que o sol é o sol, e que as estrelas são estrelas, e que na terra há gente, e no mar água”.

E exibindo o manuscrito, continuou:

– “É evidente que, muito tempo antes do terremoto, tive nas minhas mãos este manuscrito, que acaso achei em uma casa dos principais de Lisboa, e porque nele vi tão grande peso e substância, disse a seu dono que não lho restituiria mais, antes, movido de um justo temor e compaixão a esta pobre cidade, fiz várias diligências, ainda que talvez não fiz todas as que devia, para satisfazer de alguma sorte a Deus, e atalhar castigo tão tremendo; pois sabia, e era para mim tão certo, que só uma conversão verdadeira das nossas almas ao mesmo Senhor, podia atalhar tão horroroso castigo, como é certo que se viver bem me hei de salvar! Oh como é certo que, se ao menos agora convencidos dos nossos mesmos desastres e tomando o escarmento nas nossas cabeças (já que não quisemos tomá-los dos ditos exemplos alheios) tratarmos de nos humilhar e converter verdadeiramente a Deus atalharemos os rigores da Justiça Divina que nos ameaça. / Eu me atrevo a dizer que, se desenganados já com tão grande experiência da nossa inexplicável insensibilidade em fazermos tão pouco caso e em desprezarmos tanto e metermos debaixo dos pés um tão supremo poder e Senhor, que só com a vista severa faz desmastriar e agonizar todo o mundo, buscarmos verdadeiramente contritos e emendados, as entranhas da sua piedade, poderá ser tão vivo, tão sério e constante nosso arrependimento, que façamos em certo modo arrepender a este Senhor de nos ter com tanto rigor quase aniquilado, ao menos despertaremos no amargoso mar da sua ira correntes dulcíssimas de compaixão e misericórdia, que restituam brevemente ao triste e funesto cadáver das tuas ruínas todo o resplendor e antiga opulência. Não o fez assim tantas vezes com aqueles hebreus tão inconstantes e só constantes nas suas reincidências e contumácia? E se assim obrou com os servos, como patiori jure o não praticará conosco a quem honra com o título e o tratamento de filhos? (2).

Mesmo abalado pela tragédia o povo o aplaudiu.
A beata, que havia dado uma trégua para ouvir a pregação do religioso, continuou a gritar:
– É o apocalipse! É o apocalipse! Estamos todos perdidos! Hoje é o dia do fim do mundo! Vamos todos rezar e pedir a Deus pela salvação das nossas almas!
A catástrofe transformou a capital lusitana num verdadeiro inferno, deixando-a em estado de calamidade pública.
No caos reinante em decorrência daquela terrível tragédia, a exemplo de Malagrida, outros profetas se levantaram na multidão para apontar os vícios, a corrupção e os abomináveis pecados dos governantes, dos nobres e dos arremediados da Corte como o principal motivo do terremoto, que para eles era uma descarga da ira Divina para castigar os pecadores, atingindo também milhares de inocentes.
Um dos profetas, tentando atingir diretamente a figura do Primeiro Ministro, seguindo as pegadas da beata, percorria a multidão a gritar em alto e bom som:
– Este terremoto foi “um castigo Divino ao povo que tolera um herege no governo”.
Para rebater a versão dos pregadores, o primeiro ministro mandou distribuir panfletos com a versão oficial de que o terremoto “teria sido provocado por causas físicas”.
Para contrapor as afirmações do governo, o Padre Malagrida escreveu o livreto “Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto que Padeceu a Corte de Lisboa no Primeiro de Novembro de 1755”, reafirmando as suas posições.
Diante da calamidade reinante, em decorrência da terrível catástrofe, que provocou fome, peste e todo tipo de desolação, atingindo principalmente os mais pobres, o Rei Dom José I, instigado pelo Chefe de Governo, que via na atitude dos pregadores um ato de subversão e um grande perigo para a estabilidade política do país, mandou prendê-los e os desterrar para bem longe de Lisboa.
O Padre Malagrida foi condenado a cumprir o seu degredo em Setúbal, na mesma cidade para onde fora mandado por ocasião do primeiro incidente com Carvalho e Melo, ocorrido num dos salões do Palácio Real, quando era o confessor da rainha-mãe, a única protetora que tinha na corte.













































47 – A República Jesuítica


Baseado em informações fidedignas enviadas por seu irmão, Mendonça Furtado, governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará e por outras autoridades do Brasil, Carvalho e Melo, aos poucos, ia montando um dossiê comprometedor contra as atividades da Companhia de Jesus em território brasileiro.
Pelas informações colhidas ao longo do tempo, sabia que os jesuítas eram os religiosos que mais se empenhavam na catequese dos índios brasileiros.
Pelos relatos dos seus informantes, tinha conhecimento de que, aqueles religiosos, no afã de cumprirem o intento da Companhia de Jesus, agindo com inteligência e sagacidade, inspirados na organização social e nos costumes dos nativos, montavam as missões aproveitando o modelo organizacional das comunidades tribais, e, em cada uma delas, em função dos seus objetivos econômicos, políticos e religiosos, mantinham a mais rígida disciplina, com o fito de consolidar a dominação pacífica e garantir a posse e a soberania dos territórios ocupados, o que se constituía numa terrível ameaça para o Reino.
As informações que tinha em mãos, davam conta da existência de uma considerável rede de missões interligadas por uma administração central, comandada pela Companhia de Jesus, que tinha por objetivo a criação de uma República independente – um Estado Clerical em território brasileiro, com idioma próprio, o Tupi-Guarani, também conhecido como Língua-Geral, que já dispunha de gramática e dicionário elaborados pelos Padres José de Anchieta e Ruiz de Montoya.
Sabia que o projeto de “vastíssima ambição”, capitaneado inicialmente pelo Padre Manoel da Nóbrega, não se limitava apenas à região da Bacia do Prata, em território da Coroa Espanhola, especialmente nas Missões Orientais do Uruguai, onde os jesuítas instalaram os Sete Povos das Missões e fundaram a República Guarani, que pelos termos do Tratado de Madri, em troca da Colônia de Sacramento (Uruguai), passou para o domínio português.
Conforme suas informações, o ambicioso projeto, que se constituía no principal objetivo dos jesuítas desde a instalação do Governo-Geral do Brasil, pretendia se estender pelo Nordeste, pela Amazônia e por toda a América do Sul, atingindo também outras colônias espanholas, onde se interligaria com as missões criadas pelos padres que atuavam naquelas plagas, configurando uma nova sistemática de colonização pela qual retirariam as populações nativas da tutela e da jurisdição dos posseiros e, conseqüentemente, das coroas de Portugal e da Espanha.
De posse das informações enviadas por seu irmão, o Primeiro Ministro percebendo que os interesses econômicos, sociais e políticos suplantavam os objetivos da evangelização, resolveu agir com energia e determinação para barrar o processo de independência e soberania implantado pela Companhia de Jesus, que além de manter o poder temporal sobre os índios aldeados, já haviam organizado uma estrutura de governo interno, mantendo uma espécie de municipalidade, com seus representantes – todos índios – escolhidos através de eleição popular e regidas por leis civis e penais.
Diante da implementação daquele plano de “vastíssima ambição”, culminando com a instalação da República Guarani no território das Missões Orientais do Uruguai, que em permuta pela Colônia de Sacramento passou para o domínio de Portugal e da enorme ameaça da criação de uma república em território brasileiro, o Primeiro Ministro, dando um murro na mesa bradou:
– Esse é um crime de lesa-pátria! Os jesuítas passaram de todos os limites! Agora eu vou ter que tomar uma medida radical! Tenho que agir com mão-de-ferro!
Priorizando o integral cumprimento dos termos do Tratado de Madri, que praticamente definiu os contornos fronteiriços do Brasil, Carvalho e Melo, aliando-se aos espanhóis, tratou de desalojar os Guaranis do território das Missões Orientais do Uruguai.
A força conjunta enviada em abril de 1754, após seis meses de escaramuças, terminou estabelecendo um armistício com os chefes indígenas das Missões de Santo Ângelo e São Luís.
Enquanto isso, as duas Coroas tentaram chegar a uma solução pacífica para o problema dos Sete Povos das Missões (São Francisco de Borja, São Nicolau, São Luís Gonzaga, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista e Santo Ângelo Custódio), situados no atual território do Rio Grande do Sul.
Na impossibilidade de se firmar um acordo com os Guaranis, obstacularizado pelos jesuítas, como o Padre Lourenço Balda, da Missão de São Miguel, que procuravam incentivar os índios à rebeldia, diante do desafio, em janeiro de 1756, os dois países envolvidos invadiram o território dos Sete Povos das Missões com uma força conjunta ao redor de 3.700 homens e 19 peças de artilharia.
Após vários meses de guerra, os Guaranis terminaram capitulando. Com isso, Portugal assumiu o controle daquele território obtido em troca da Colônia de Sacramento.
























48 – Outras Investidas Contra os Jesuítas


Depois de rechaçar os Guaranis e de garantir o controle do território dos Sete Povos das Missões, Carvalho e Melo, promovido ao cargo de Primeiro Ministro logo após o terremoto de Lisboa, voltou a sua ira contra os jesuítas, que além de causarem sérios transtornos ao seu governo, haviam cometido o crime de lesa-pátria, estruturando uma república clerical.
Insatisfeito com a atitude dos inacianos, que desde o primeiro momento começaram a obstacularizar a execução do Tratado de Madri e a desrespeitar as determinações das autoridades brasileiras, Carvalho e Melo decidiu nomear ouvidores, para que, sigilosamente, dessem início ao processo de levantamento do patrimônio da Companhia de Jesus, que brevemente deveria ser confiscado para que as suas rendas pudessem financiar o soerguimento de Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755.
O Dr. José Luís Duarte Freire foi designado como Ouvidor-Geral da Vila do Mocha, para cuidar dessa importante tarefa, em território piauiense.
No Piauí, o plano deveria ser executado pelo Vice-Rei do Brasil, Marquês de Lavradio, que ao credenciar o ilustre magistrado, recomendou:
– Dr. Duarte Freire, o seqüestro dos bens dos jesuítas é uma questão de honra para o Primeiro Ministro, portanto, cuide apenas desse assunto e faça tudo dentro do mais absoluto sigilo.
Enquanto o magistrado desempenhava a sua função, o Primeiro Ministro determinava para que o Capitão-General e Governador do Grão-Pará e Maranhão usasse de todo e qualquer pretexto para afastar os inacianos das fronteiras do Brasil e cortasse a comunicação entre eles e os seus colegas espanhóis, vez que, o plano implementado na Bacia do Prata tinha o apoio e a anuência dos jesuítas do Piauí, do Maranhão e do Pará, que também pretendiam conquistar autonomia política-administrativa.
Além dessa medida, Carvalho e Melo, contando com o consentimento de Dom José I, fechou as portas do Palácio Real aos jesuítas e os destituiu da condição de confessores de Sua Majestade e da família real.
E, como se não bastasse, em 1º de abril de 1758, usando o nome do Rei solicitou que o Vaticano reformasse a Companhia de Jesus, retirando dos padres a “faculdade de confessor”.
Ainda em 1758, instigado por Carvalho e Melo, Dom José I incumbiu o Desembargador da Casa de Suplicação, Dr. Francisco Marcelino de Gouveia, em missão secreta, para investigar o comportamento e a conduta dos jesuítas do Piauí e do Maranhão.
Logo em seguida, cerca de um mês após o envio do Desembargador, em missão secreta para a Vila do Mocha, o Rei, teleguiado pelo Primeiro Ministro, a pretexto de atender ao povo piauiense que clamava por autonomia, assinau uma Provisão datada de 29 de junho de 1758, determinando o cumprimento do Alvará de 18 de novembro de 1718, que elevou o Piauí à condição de Capitania independente, separada da jurisdição administrativa do Maranhão.
Essa medida ensejou a imediata nomeação do Coronel de Cavalaria, João Pereira Caldas, como Governador da nova unidade política-administrativa.
Devida a grande distância entre a Corte e a Colônia, a lentidão das comunicações e as formalidades burocráticas, houve um grande lapso de tempo entre o Decreto de nomeação, o juramento e a solenidade de posse do governante, que, sem sombra de dúvida, seria uma peça chave na execução do plano do Primeiro Ministro.
Carvalho e Melo tinha pressa em aniquilar os jesuítas. Antes mesmo do Coronel João Pereira Caldas ser empossado como o primeiro governador do Piauí, por recomendação do Desembargador Francisco Marcelino de Gouveia, o Primeiro Ministro conseguiu que o Rei assinasse a Carta Régia de 9 de junho de 1759, autorizando o novel governante a transformar os principais povoados em vilas e organizar o Regimento de Cavalaria Auxiliar para ter controle efetivo sobre a região largamente dominada pelos jesuítas e libertar os índios da tutela da Companhia de Jesus.








































49 – O Atentado ao Rei e a Instalação da Capitania do Piauí


Exasperados com as medidas tomadas contra a Companhia de Jesus, os inacianos partiram para a ofensiva com mais uma campanha de difamação, insinuando em Portugal e no exterior que o Rei era uma verdadeira marionete, um fraco e incompetente e “falto de capacidade para governar e não passava de um pupilo de Carvalho e Melo” (1).
Diziam que ele entregava o governo a um herege e ao invés de se preocupar com os destinos do país, vivia cercado de amantes e em verdadeira orgia, dando mal exemplo aos seus súditos.
Dentre outras coisas, incluindo verdades e mentiras, propalavam também que o Rei era um tarado; que não respeitava nem as mulheres casadas e que além das freiras, traçava até as esposas dos nobres.
A rede de boatos montada em cima de fatos reais e de algumas inverdades contava com o apoio e com a conivência de alguns nobres descontentes com as reformas implementadas por Carvalho e Melo. Por coincidência, no auge dessa campanha difamatória voltada principalmente contra a conduta e o decoro majestático, o Rei sofreu um atentado.
O fato ocorreu na noite do dia 3 de setembro de 1758, quando ele retornava da casa de uma das suas amantes – dama da alta sociedade de Lisboa, esposa do Marquês de Távora, Luís Bernardo, um dos mais prestigiados nobres da Corte.
Pela investigação, ficou constatado que os mandantes do atentado teriam sido o Duque de Aveiro e o Marquês de Távora, que inconformados com a sina de corno, decidiram eliminar o garanhão.
Submetidos a uma violenta sessão de tortura, “vencido pela dor”, o Duque de Aveiro incriminou o Padre Malagrida, o Conde de Atouguia e muitos outros.
Aproveitando-se da ocasião para se fortalecer politicamente, Carvalho e Melo decretou a prisão de todos os conspiradores e depois de um julgamento sumário os executou em praça pública “por crime de lesa-majestade, traição e rebelião”.
Por conta do incidente, houve 478 execuções incluindo 17 nobres.
Com isso, Carvalho e Melo “esmagou a oposição dos nobres descontentes com as reformas burguesas que promovia”. (2).
Mesmo jurando inocência e alegando que o Duque de Aveiro havia se retratado, afirmando que o incriminara sob tortura, o Padre Malagrida, também acusado por rebelião, traição e crime de lesa-majestade, sem direito à defesa, foi recolhido à masmorra da Torre de São Julião.
Sem ter o que fazer, na ociosidade do cárcere, o prisioneiro beirando as raias da loucura, escreveu a biografia de Sant’Ana e um outro texto sobre o retorno do Anticristo.
Visando levar em frente o seu plano de desmoralização e desarticulação da Companhia de Jesus, que já havia criado muitos problemas para o seu governo, o Primeiro Ministro, voltando-se contra Malagrida, a quem queria punir exemplarmente por conta das desavenças pessoais, desvirtuando o sentido dos textos escritos pelo missionário, o acusou de heresia e o denunciou à Inquisição.
E enquanto o missionário mofava na masmorra imunda da Torre de São Julião, por insuflação do Primeiro Ministro, em 19 de janeiro de 1759, Dom José I baixou um Ato Régio considerando os jesuítas proscritos de todo o reino.
Após a publicação, o Ato foi enviado para a Colônia, mas por razões de ordem política-religiosa, envolvendo as relações externas, notadamente com o Vaticano, terminou não produzindo efeito.
Em setembro de 1759, enquanto mais uma vez o prestígio dos jesuítas e o poder da Igreja bloqueavam mais uma ação governamental, o Coronel de Cavalaria João Pereira Caldas, após prestar juramento, perante o Governador do Maranhão e Grão-Pará, chegou ao Piauí para assumir o governo.
No dia 16, ele pernoitou no sítio Olho d’Água, a uma légua da sede do governo.
Na manhã do dia seguinte uma comitiva de pessoas distintas da terra foi ao seu encontro e o conduziu até às margens do Mocha, onde apeou-se para cumprimentar a câmara e passar a tropa em revista.
Aproveitando a oportunidade para fazer uma média, um dos vereadores subiu num tamborete e, estufando o peito, fez um discurso de boas-vindas.
Em seguida a milícia, o saudou com uma salva de tiros.
Depois, acompanhado pelos vereadores e pelo comitê de recepção, o Governador se encaminhou para a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, onde o Padre Antônio Luís e o grosso do povo da Vila o esperavam.
Após as palavras de saudação do Vigário e das orações, o Governador, acompanhado pelo secretário particular, Joaquim Antunes e pelo cortejo, se recolheu a uma casa, nas proximidades do templo, que se achava destinada para ser a residência oficial.
Na noite desse dia e dos dois seguintes, o povo, conforme o costume de então, lhe apresentou o “obséquio de luminárias.”
Na tarde do dia 20, o dia da tão esperada posse, o Corpo do Senado da Câmara precedido pelo Desembargador Ouvidor-Geral da Comarca, Dr. José Luís Duarte Freire e de toda a nobreza da terra se dirigiu à casa do Governador, onde um dos Vereadores proferiu um emocionante discurso.
Em seguida o Governador se meteu num pálio – uma espécie de andor com cobertura – e, como se fosse um santo, em procissão, foi conduzido, por algumas pessoas importantes, que disputaram o privilégio de carregá-lo até a Casa da Câmara.
Adentrando ao recinto, foi ovacionado pelo povo, que o aplaudia incessantemente e em coro, gritava:
– Viva o Governador da Capitania do Piauí, Coronel de Cavalaria, Dom João Pereira Caldas!
– Viva!
– Viva a Capitania do Piauí!
– Viva!
– Viva a Vila do Mocha!
– Viva!
Ainda sob aplausos, após apresentar o Decreto de nomeação, o Termo de Juramento e as demais credenciais, o Coronel João Pereira Caldas, foi empossado em concorrida solenidade.
Em seguida, metendo-se novamente no pálio, foi conduzido para a Igreja Matriz. No percurso, foi ovacionado pelo povo e cortejado pela milícia, com as continências e uma salva de tiros.
Após a missa em ação de graças, o Governador foi levado para residência oficial, onde passou a receber os cumprimentos.










































50 – A Maldição do Padre


Embora se considerando um católico praticante daqueles assíduos freqüentadores da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, da Vila do Mocha, onde assistia as missas dominicais e uma vez por outra se comungava, o Ouvidor-Geral da Comarca do Piauí, Dr. José Marques da Fonseca Castelo Branco, vivia impressionado com a maldição do padre, que, como um pesadelo, carregaria para o resto da vida.
Em suas reflexões sobre a demarcação das sesmarias, mesmo tendo que admitir ter prevaricado e enriquecido por conta das extorsões praticadas contra o patrimônio dos jesuítas, concluía que estava agindo em nome da Lei. Portanto, achava natural cometer alguns atos de improbidade, afinal de contas, ganhava pouco. Os padres haviam recebido toda aquela imensa fortuna de mão-beijada, tinham isenção de impostos e até o governo português era corrupto. Por quê ele também não poderia ser?
Onde quer que estivesse, a maldição o perseguia. A cena da discussão com o Padre Domingos Gomes não saía da sua mente. Ao tempo em que se via enxotando o religioso do gabinete da Ouvidoria, recordava-se dos gestos de fúria do inaciano traçando uma cruz no ar, em sua direção, a descarregar sua fúria:
– Filho de Satanás! Com os poderes de Deus, do Espírito Santo e da Virgem Maria, eu te excomungo e condeno a tua alma ao fogo do inferno!
Via-se fazendo um rapapé, arregaçando a manga da camisa e dando uma “banana” para o presbítero, que indiferente aos olhares de uma pequena platéia, montando em seu cavalo, voltou para a fazenda do Brejo de Santo Inácio.
Em suas reflexões concluía que o documento expedido pelo Rei reprovando a sua conduta e mandando suspender a demarcação das terras do legado – ato que muito o desmoralizou, – era apenas o início das maldições que estariam por vir.
Pouco tempo depois de ter recebido a reprimenda, ocorrida em abril de 1754, o Ouvidor-Geral, de “gênio inquieto e pouco escrupuloso” (1), querendo dar a volta por cima, resolveu aplicar o golpe do baú, casando-se secretamente, sem a permissão régia, com dona “Eugênia Mesquita Castelo Branco, viúva do Capitão-Mor Antônio Gomes Leite, senhora de qualidades distintas, nobreza notória e possuidora de muitas fazendas de gado.” (1).
Por este ato de insubordinação, pelas prevaricações e por outras desonestidades cometidas no exercício das suas atividades, o Magistrado foi denunciado ao Capitão-General e Governador do Maranhão, que o suspendeu de suas funções e determinou a sua imediata prisão.
Para não ser preso, o condenado fugiu para a Bahia. De lá embarcou para Portugal e tempos depois regressou para o Maranhão, onde finalmente foi capturado e enviado para cumprir a sua pena no presídio de Limoeiro, em Lisboa.
Amargurando as humilhações e as agruras do cárcere, o ex-Ouvidor Geral, fazia uma retrospectiva de sua vida.
Trazendo o passado para o presente, recordava-se do seu tempo de estudante na famosa Universidade de Coimbra. Lembrava-se com nitidez da velha escadaria, da torre do relógio, dos seus colegas de turma e das serenatas que faziam para as belas raparigas daquele tradicional centro cultural da Europa, conhecido e respeitado no mundo inteiro.
Em suas evocações, recordava as coisas boas da vida, especialmente das mulheres da Colônia e do honroso cargo de Ouvidor-Geral da Comarca do Piauí, que apesar de dignificante, não o exerceu com honradez e dignidade.
No exílio, distante do convívio dos amigos, a figura de dona Eugênia Mesquita, era apenas uma doce lembrança. Mas, no fundo, a lembrança não era tão doce assim, pois se não tivesse cometido mais esse deslize de se casar com ela às escondidas, para se adonar do seu patrimônio, não teria perdido o cargo e nem estaria preso.
Ao refletir sobre o casamento, se indagava:
– De quem seria a culpa? Minha, dela ou do Padre Luís Azevedo?
E raciocinando, respondia:
– Ela não queria se casar e resistiu o quanto pode, até se render às minhas pressões. O Padre Luís Azevedo foi contra e só oficializou a cerimônia depois de um gordo suborno. Portanto, a culpa foi minha, que cresci os olhos na fortuna dela. Bem que eu poderia ter me conformado apenas com a fazendinha que montei com o gado e os escravos extorquidos dos jesuítas.
E ao finalizar os seus devaneios, remoeu as suas amarguras e desdenhando da Vila do Mocha, de onde saíra como foragido da Justiça, comentou com um colega de cela:
– Naquela terra desgraçada, aonde um “Demônio de Saia”, usando o nome de Deus, do Espírito Santo e da Virgem Maria, me excomungou, além do sino da Matriz, que é a única coisa que presta, não há nada mais o que se aproveite.


























51 – A Expulsão dos Jesuítas


Em 3 de setembro de 1759, um pouco antes da posse do governador da Capitania do Piauí e exatamente um ano após a fracassada tentativa de eliminação do Rei, o Primeiro Ministro querendo demonstrar a sua gratidão por ter sido contemplado com o título de Conde de Oeiras, voltando-se novamente contra os jesuítas, conseguiu a edição de um novo Decreto, considerando “aqueles religiosos rebeldes, traidores, adversários e agressores da Real Pessoa do Monarca” e os declarando “desnaturalizados, proscritos e exterminados do Reino.” (1).
E como fundamentação, por sua orientação, o Rei os acusou de promoverem sedição internas, da tentativa de regicídio, de atentarem contra o seu decoro e além do mais mandou publicar em Português e Francês um relatório intitulado de “Relação abreviada da república que os religiosos jesuítas das capitanias de Portugal e Espanha estabeleceram nos domínios ultramarinos das duas monarquias, e da guerra, que nelas têm movido e sustentado, contra os exércitos espanhóis e portugueses”.
E ainda os incriminou pelo “temerário e façanhoso projeto com que haviam intentado e clandestinamente prosseguido a usurpação de todo o Estado do Brasil, com tão artificioso e violento progresso que, não sendo pronto e eficazmente atalhado, se faria no espaço de 10 anos inacessível a todas as forças da Europa unidas”. (2).
Seis meses após a edição desse Ato, sem que o mesmo tenha produzido efeito no Piauí, o Primeiro Ministro, que além de vingativo era teimoso, redigiu um Decreto que foi assinado pelo Rei, contendo o seguinte teor:

“Eu El Rei, faço saber a vós João Pereira Caldas, Governador da Capitania do Piauí, que havendo os Regulares da Companhia denominada de Jesus obrigado a minha religiosa piedade, a fazer lugar a minha indefectível Justiça, para com os justos e indispensáveis motivos de que sereis informado pela Coleção impressa que vos será com esta apresentada, mandar expulsar, como têm sido expulsos de todos os meus reinos e domínios, os mesmos perniciosos Regulares.
E devendo, pela conformidade de minha Lei dada em 03 de outubro do ano próximo passado, praticar-se o mesmo procedimento com aqueles dos sobreditos Regulares que se acharem no território dessa Capitania.
Sou servido que, logo que receberdes esta, façais apreender e remeter ao Governador do Maranhão, com toda a segurança, todos os que estiverem nos limites da vossa jurisdição, ou a eles chegarem de qualquer qualidade ou Nação que sejam, fazendo ao mesmo tempo seqüestrar e pôr em segura custódia e arrecadação, todos os papéis, bens móveis, semoventes, e de tais que forem achados dos mesmos Regulares, e dando-me conta da sua importância, assim em capital como em rendimentos, para de tudo eu dispor o que achar que mais convém. E para que não padeçam detrimento as fazendas, lavouras e gados, as entregareis ou inteiras ou divididas, a pessoas que bem as administrem, com o encargo de pagarem anualmente o terço do seu produto, por ora, e enquanto eu não der mais decisiva providência sobre esta matéria. Dos mesmos rendimentos fareis deduzir sempre o que necessário for para se satisfazerem as obrigações de culto divino e as disposições testamentárias, como pelas minhas reais ordens está determinado. E tudo espero que executais com a exatidão, zelo e acerto com que vos empregais no meu real serviço. Escrita no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda a 10 de abril de 1760. Rei para João Pereira Caldas.” (2).

Logo ao receber o Ato Régio, o Governador determinou a imediata prisão de todos os jesuítas que se encontravam na jurisdição da Capitania.
Uma patrulha composta por um Alferes e mais de uma dezena de soldados, fortemente armados, efetuou a prisão dos que se encontravam na Residência do Brejo de Santo Inácio.
Um pouco depois que os policiais saíram da fazenda conduzindo os prisioneiros, o irmão Jacinto Fernandes retornou do campo. Ao ser informado do infortúnio, entrou na Capela, onde após uma breve oração, apanhou a imagem de Santo Inácio, de 50 centímetros, em ouro maciço do melhor quilate e mais que depressa, montando em seu cavalo, empreendeu fuga.
Convicto de que um dia os jesuítas ainda voltariam a reinar nos sertões do Piauí, o Padre-Vaqueiro apeou-se e cavando um buraco ao pé de uma carnaubeira, beijou a imagem do santo e antes de enterrá-la, falou:
– Meu querido Santo Inácio, nos proteja e nos aguarde que um dia nós voltaremos para cuidar dos bens da Companhia de Jesus.
Certo de que os que não foram presos haviam empreendido fuga, o Governador acionou os comandantes militares da Capitania, ordenando a imediata captura de todos.
Em 10 de maio de 1760, após uma batida nos distritos e em todas as fazendas do legado, os inacianos residentes no Piauí – Francisco Sampaio, João Sampaio, Manoel Cardoso, João de Figueiredo e Jacinto Fernandes – já se encontravam presos e recolhidos à cadeia pública da capital, sob forte vigilância policial.
Enquanto os outros sacerdotes, segurando nas grades do cárcere, recebiam a solidariedade dos amigos e, mesmo sem querer, ouviam os insultos dos seus desafetos, o Padre Francisco Sampaio, recolhido ao fundo da cela, relembrava das noites e mais noites em que dormia nos braços de Inácio – o filho bastardo do Padre Manoel Gonzaga com Esperança Garcia, – que além de coroinha e de zelador da Capela do Brejo de Santo Inácio, era o seu secretário particular.
Nova orientação da Corte determinou que os prisioneiros deveriam ser enviados para Salvador, de onde, em companhia dos inacianos presos em outras Capitanias, deveriam seguir para Lisboa.
Em razão disso, o Coronel João Pereira Caldas providenciou a imediata transferência deles para a capital baiana.
O comando da escolta composta por um sargento e dez soldados, fortemente armados, foi confiado ao Alferes João Rabelo da Cunha.
Antes da partida, preocupado com uma possível reação por parte dos amigos influentes dos presos, que poderiam resgatá-los, o Governador repassando as últimas instruções ao comandante da escolta, recomendou:
– Tenha muito cuidado! Não permita que nenhum dos prisioneiros se aparte da sua presença e nem que alguns dos soldados da escolta se adiante ou se atrase, devendo ir todos juntos, para que não suceda a mais leve desordem em negócio tão sério, devendo, portanto, observá-los em toda parte onde pousarem, pondo sentinela e rondando os seus passos.
No momento em que os jesuítas estavam sendo conduzidos para Salvador, enquanto algumas pessoas lamentavam, um dos curiosos que se aglomeravam na rua, relembrando a cena da excomunhão do ouvidor, falou:
– Bem que o Dr. José Marques da Fonseca disse que um dia vocês ainda haveriam de pagar muito caro por tudo que tinham feito!
Com o seu jeitão afeminado e cheio de trejeitos, o Padre Francisco Sampaio, que seguia na frente, de cabeça baixa, com um rosário nas mãos, a puxar uma reza, arregaçou a manga da batina e baixando o nível, deu uma “banana” aos presentes, que reagiram com uma grande vaia.





































52 – A Execução de Malagrida, o Santo Protetor dos Índios e das prostitutas, que por Ironia do Destino se Transformou no Caboclo Sete Encruzilhadas


As medidas implementadas contra a Igreja, especialmente a expulsão dos jesuítas e o conseqüente confisco dos seus bens, abalou as relações entre Portugal e o Vaticano.
Em solidariedade ao clero e em especial aos religiosos da Companhia de Jesus, “o Papa Clemente XIII se recusou a conceder dispensa para o casamento da princesa D. Maria com seu tio, o Infante D. Pedro”. (1).
Em represália à atitude do Sumo Sacerdote, em 15 de junho de 1760, “Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, expulsou então o núncio papal, Mons. Acciaiuoli, juntamente com todos os membros da nunciatura” (2) e rompeu as relações diplomáticas com o Vaticano, que, por sua vez, poderia interferir no julgamento do Padre Gabriel Malagrida.
E abespinhado com o Papa e com todas as ordens religiosas, pressionou o Tribunal da Inquisição para apressar o julgamento do missionário, a quem desejava uma punição exemplar.
Examinando o caso, os Juízes do Santo Ofício, presidido pelo padre dominicano Francisco de São Tomaz, concluíram que não havia razões para a condenação do missionário.
Contrariado em sua pretensão, o primeiro ministro, usando a sua influência, destituiu o presidente do tribunal, que se recusou em fazer a acusação e o transferiu para Angola. Em seguida, sem nenhum escrúpulo, o substituiu por seu próprio irmão, Paulo de Carvalho.
Em novo julgamento, sob nova presidência, o Tribunal sustentou todas as acusações imputadas ao missionário e o sentenciou à pena capital.
Abandonado pelo clero, contando apenas com a solidariedade de dois beneditinos, que tentavam lhe confortar nos últimos momentos de sua vida, ao cair da tarde do dia 21 de setembro de 1761, de barba longa, mãos atadas para trás, barrete de palhaço na cabeça e com a batina pintada com figuras do satanás, o Padre Malagrida foi conduzido numa carroça, pelas ruas de Lisboa até a praça do Rossio, no centro da cidade.
Do alto da carroça, ao ouvir a sua sentença de morte, olhando para um crucifixo e para a grande multidão que tomava toda a praça, o condenado desabafou:
– “Se a vida que vivi até os 72 anos foi uma simples hipocrisia e impostura, possam os cravos, que prendem Nosso Senhor Jesus Cristo a esta cruz, transformar-se em raios de fogo e reduzir-me a pó.” (1).
E quando, ladeado pelo rei Dom José, o Primeiro Ministro sinalizou para que se desse início à execução, o missionário beijou as escadas do cadafalso e virando-se novamente para o povo, bradou:
– Eu juro que sou inocente!
E encarando o Rei e o Conde de Oeiras, disse:
– Eu vos perdôo, mas o chicote de Deus há de vos punir. Um de vós, o mais poderoso e ao mesmo tempo o mais fraco, amargará muita dor e sofrimento antes da sua morte, o outro morrerá leproso, como um cão sem dono, repudiado e abandonado por todos.
E olhando mais uma vez para a multidão, ajudou o carrasco a colocar a corda no seu pescoço.
O povo que o tinha como santo, ao ver o laço se romper, na primeira tentativa, gritou assombrado. Enquanto o algoz preparava um novo laço, a multidão começou a rezar, no entanto, por ordem do Conde de Oeiras, os quatro mil soldados de prontidão fizeram com que a prece fosse silenciada.
Novamente com o laço no pescoço, o mártir rezou em silêncio e antes que o carrasco o executasse, falou em alto e bom som:
– “Senhor, nas vossas mãos entrego a minha alma.” (2).
Ao pronunciar a última palavra, a corda foi acionada e enquanto, com um palmo de língua de fora, o seu corpo balançava no ar, o carrasco acendia a fogueira, que o queimaria por toda a noite, velado pelos milhares de fiéis, que não paravam de rezar.
No dia seguinte as suas cinzas foram atiradas no rio Tejo, enquanto isso, corria a notícia pelos quatro cantos da cidade de que o fogo não havia queimado o seu coração.
A sua morte ecoou pela Europa.
Da França, tomado por grande indignação, o conceituado filósofo Voltaire, que se destacava por suas posições contrárias aos dogmas da Igreja e como um dos mais ferrenhos críticos dos jesuítas, abominou os atos de terror cometidos contra o missionário. E analisando a situação, concluiu que o governo português ao perseguir, torturar e matar Malagrida, não havia matado o jesuíta e sim “o pensador, o ideólogo, o político”, cuja obra social e educacional representava uma séria ameaça ao Absolutismo.
Na Espanha, os sinos das capelas, das igrejas, dos conventos e dos mosteiros da Companhia de Jesus tocaram incessantemente durante vários dias em honra da morte do missionário, que foi aclamado como um mártir e venerado como um santo.
Do Vaticano, ao ser informado das atrocidades imposta ao jesuíta em nome do governo português e da Igreja, o Sumo Pontífice Clemente XIII, que nunca moveu uma palha para defendê-lo, exclamou:
– “A Igreja de Jesus Cristo tem mais um mártir!” (3).
Em 13 de novembro de 1761, enquanto grande parte dos piauienses ainda lamentavam a expulsão dos jesuítas e o mundo condenava as atrocidades impostas ao Padre Gabriel Malagrida, o governador João Pereira Caldas, querendo agradar ao Rei (Dom José I) e ao seu Primeiro Ministro (Conde de Oeiras), assinou um Decreto mudando o nome da Capitania do Piauí para Capitania de São José do Piauí e o da Vila do Mocha para Oeiras do Piauí, inaugurando assim a prática do puxasaquismo, que depois seria seguida por Saraiva e por tantos outros.
Em 1770, cada vez mais fortalecido, Carvalho e Melo, o poderoso Conde de Oeiras, foi agraciado com o título de Marquês de Pombal.
No ano seguinte, dez anos após a eliminação do sacerdote, as suas idéias ainda incomodavam a cúpula do governo, que querendo apagar a memória do religioso, baixou um Édito mandando recolher e queimar, em praça pública, todos os textos escritos por Malagrida, especialmente o livreto sobre o terremoto de Lisboa.
Com o passar do tempo o Rei Dom José adoeceu e conforme o missionário havia preconizado, na hora de sua morte, o chicote de Deus o alcançou, levando-o a um longo e penoso sofrimento, que se arrastou pelo resto dos seus dias.
O mesmo aconteceu com o Marquês de Pombal, que após perder o cargo e o prestígio, foi abandonado e repudiado pelos nobres e, como se não bastasse, morreu leproso como um cão sem dono.
Mesmo depois de ter viajado para o além, de onde presenciou a derrocada do Rei e do seu Primeiro Ministro, o Padre Gabriel Malagrida – Santo Protetor dos Índios e das Prostitutas, – não se esqueceu do Brasil, onde havia missionado durante trinta anos, voltando muito tempo depois da sua eliminação física para cumprir importante missão que lhe estava sendo reservado dentro do Movimento Umbandista Brasileiro.
A sua primeira manifestação oficial ocorreu muito tempo depois, na Federação Kardecista de Niterói. Em sessão realizada naquela ocasião, o seu espírito se incorporou ao médium Zélio Fernandino de Moraes. Indagado de quem se tratava, a entidade respondeu ser apenas um caboclo brasileiro. E ao ser perguntado como se chamava, disse que se fosse necessário ter um nome que lhe chamassem de Caboclo Sete Encruzilhadas – um Caboclo para quem não havia caminhos fechados.
Feita essa breve apresentação, a entidade falou sobre a sua existência anterior, narrando a história da sua execução. Falou também sobre o surgimento de uma nova religião e finalizando fez algumas revelações sobre o futuro da humanidade.
Ao ser novamente indagado pelo Sr. José de Sousa, presidente da Federação, se já não eram suficientes as religiões existentes no mundo, a entidade respondeu:
– “Deus em sua infinita bondade estabeleceu na morte o grande nivelador universal: rico ou pobre, poderoso ou humilde, todos se tornariam iguais na morte. Mas vocês, homens preconceituosos, não contentes em estabelecer diferenças entre os vivos, procuram levar essas diferenças até mesmo além da barreira da morte. Por que não podem nos visitar esses humildes trabalhadores do espaço, se, apesar de não haverem sido pessoas importantes na terra, também trazem importantes mensagens do além? Por que o “não” aos Caboclos e Pretos-Velhos? Acaso também não foram filhos de Deus?.” (4).
E ao concluir, anunciou:
– “Vim para fundar a Umbanda no Brasil, aqui se inicia um novo culto, em que os espíritos de pretos-velhos africanos e índios nativos de nossa terra poderão trabalhar em benefício dos seus irmãos encarnados, qualquer que seja a cor, raça, credo ou posição social. A prática da caridade no sentido do amor fraterno será a característica principal desse culto.” (5).
A partir de então, o médium Zélio Fernandino de Moraes, com apenas 17 anos de idade, tornou-se líder de um grupo religioso que se dedicou ao árduo trabalho de esclarecimento e difusão da Umbanda, que logo se espalhou pelo Brasil, inclusive pelo Piauí, onde o Caboclo Sete Encruzilhadas faz ponto e revisita os caminhos por onde passou na sua existência anterior a cumprir o seu desiderato de missionário.









53 – Os Novos Rumos do Piauí Colonial


A partir da instalação da Capitania, efetivada com a posse do governador João Pereira Caldas, o Piauí que ainda vivia o marasmo da Civilização do Couro, começou a tomar outro rumo e sair do isolamento.
Logo após se instalar no governo e montar a estrutura necessária para o gerenciamento político-administrativo, o novel governante, além de prender os jesuítas e de seqüestrar os seus bens, criou a Companhia dos Dragões, o Serviço de Correios para as correspondências oficiais, organizou um hospital, elevou a Vila de Oeiras à condição de cidade e capital da Capitania de São José do Piauí, transformando assim a antiga Vila do Mocha na décima vila do Brasil a receber essa titulação. Criou e instalou as vilas de Nossa Senhora do Livramento de Parnaguá, Jerumenha, Valença do Piauí, Santo Antônio de Campo Maior, Marvão e São João da Ribeira do Parnaíba. Construiu prédios públicos, realizou um censo demográfico e econômico, elaborou a primeira carta geográfica do Piauí, promoveu a guerra contra os índios e organizou o aldeamento dos Jaicós.
O final do seu governo foi marcado pela chegada, na Vila de São João da Parnaíba, de Domingos Dias da Silva, trazendo consigo uma enorme fortuna em ouro, moedas e obras de artes em ouro e prata. Fixando-se nas proximidades do Porto das Barcas, a exemplo do pioneiro João Paulo Diniz, Domingos Dias da Silva instalou uma charqueada e passou a exportar carne prensada e desidratada para outras Províncias e para a Europa, oxigenando assim a nossa incipiente industrialização e abrindo as portas do Piauí para o Velho Mundo.
Os outros governantes do período colonial que sucederam a João Pereira Caldas promoveram a criação de um serviço de correio mensal entre as vilas. Criaram a Companhia de Tropa de Primeira Linha, o Primeiro Regimento de Cavalaria Auxiliar e o Segundo Regimento de Cavalaria de Milícias. Construíram a Casa da Pólvora – um dos primeiros arsenais militares do Brasil. Cuidaram da abertura de novas estradas, da organização dos mapas gerais da população; da criação do cargo de Juiz de Fora das vilas de Parnaíba, Campo Maior, Oeiras e da nomeação dos seus titulares; da criação da Alfândega de Parnaíba; da criação de escolas nas sedes das vilas, de Parnaíba, Oeiras e Campo Maior; da instituição do correio mensal para a Bahia e para o Maranhão, ligando a Vila de Oeiras a Salvador e São Luís.
Nesse período houve a transferência da Família Real para o Brasil, a eleição para Deputado Constituinte junto à Corte de Lisboa, a criação de várias paróquias, a completa emancipação política do Piauí em relação ao Maranhão, o início do povoamento de Amarração e a conspiração liderada por Antônio Maria Caú, visando a derrubada do governador Elias José Ribeiro de Carvalho. Esse período também foi marcado pela chegada do oficial português João José da Cunha Fidié para assumir o Comando das Armas e pela insurreição de Parnaíba liderada por Simplício Dias da Silva, dando início a outros acontecimentos que culminaram com as lutas pela adesão do Piauí ao Império de Pedro I, tendo como ponto alto a Proclamação de Piracuruca e de Campo Maior comandadas pelo Alferes Leonardo Castelo Branco, a adesão de Oeiras liderada pelo Brigadeiro Manoel de Sousa Martins e a Batalha do Jenipapo – a batalha que garantiu a integridade nacional.










N O T A S


Capítulo 3 – Mafrense, o Nababo do Sertão

1 – Luiz Alberto Moniz Bandeira, in “O Feudo, A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da Conquista dos Sertões à Independência do Brasil”, pág. 183. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 2000.


Capítulo 10 – A Expulsão do Padre Tomé

1 – Reginaldo Miranda, in “Piauí em Foco”, págs. 64 e 65, Comepi, Teresina, PI, 2003.

Capítulo 15 – Arraial dos Ávilas, o Terror dos Índios e dos Posseiros

1 – Luiz Alberto Moniz Bandeira, in “O Feudo, A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da Conquista dos Sertões à Independência do Brasil”, 1ª orelaha. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 2000.

Capítulo 20 – O Testamento de Mafrense

1, 2 e 3 – Esmaragdo de Freitas, in “O Testamento de Domingos Sertão”, Antologia da Academia Piauiense de Letras, de Wilson Carvalho Gonçalves, págs. 178 e 179, Edição do Autor, Teresina, PI, 2000.

Capítulo 24 – A Indicação do Novo Mestre-de-Campo

1 e 2 – Pe. Cláudio Melo, in Bernardo de Carvalho, págs. 27, 28 e 29, Gráfica da UFPI, Teresina, PI, 1988.

Capítulo 26 – A Segunda Fase da Conquista

1 – Pe. Cláudio Melo, in Bernardo de Carvalho, pág. 36, Gráfica da UFPI, Teresina, PI, 1988.

Capítulo 35 – A Balbúrdia Administrativa, o Conflito de Jurisdição e as Conseqüências dos Desentendimentos entre o Mestre-de-Campo e a Casa da Torre

1 – Pe. Cláudio Melo, in “Bernardo de Carvalho”, pág. 47 e 48, Gráfica da UFPI, Teresina, PI, 1988.

Capítulo 37 – Vida e Obra de Malagrida, O Apóstolo do Brasil

1 – Internet

Capítulo 42 – Outras Crueldades de Belegão (1)

1 – Este capítulo é uma homenagem ao escritor Moura Lima e ao seu romance “Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros”.

Capítulo 45 – O Conflito de Carvalho e Melo com os Jesuítas

1, 2, 3, 4, 5 e 6 – Luiz Alberto Moniz Bandeira, in “O Feudo, A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da Conquista dos Sertões à Independência do Brasil”, págs. 293, 298, 299, 299, 286/287 e 296/297. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 2000.

Capítulo 46 – Os Jesuítas e o Terremoto de Lisboa

1 e 2 – Trechos do livro “Juízo Sobre as Causas do Terremoto de 1755”, de autoria do Padre Gabriel Malagrida, in “O Livro Proibido de Padre Malagrida”, de Marcus Odilon, Unigraf, João Pessoa, PB, 1986.

Capítulo 49 – O Atentado ao Rei e a Instalação da Capitania do Piauí

1 e 2 – Luiz Alberto Moniz Bandeira, in “O Feudo, A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da Conquista dos Sertões à Independência do Brasil”, págs. 306, 306. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 2000.


Capítulo 50 – A Maldição do Padre

1 e 2 – Cláudio Bastos, in “Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí”, pág. 225, Fundação Cultural Monsenhor Chaves, Teresina, PI, 1994.

Capítulo 51 – A Expulsão dos Jesuítas

1 e 2 – Pe. Cláudio Melo, in “Os Jesuítas no Piauí”, pág. 22, Edição do Autor, Teresina, PI, 1991.

Capitulo 52 – A Execução de Malagrida, o Santo Protetor dos Índios e das Prostitutas, que por Ironia do Destino se Transformou no Caboclo Sete Encruzilhadas

1 e 2 – Internet.

3 – Marcus Odilon, in “O Livro Proibido de Padre Malagrida”, pág. 16, Unigraf, João Pessoa, PB, 1986.

4 e 5 – Revista Espiritual de Umbanda, nº 01, Editora Escala, São Paulo, SP, 2003.





DADOS DO AUTOR

A D R I Ã O N E T O – Natural de Lagoa do Camelo, município de Luís Correia, Piauí. Nasceu em 19 de dezembro de 1951. Filho de Osvaldo Sales Santos e Maria Nazaré Santos. Dicionarista biográfico, historiador, antologista, poeta e romancista. Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Piauí. É um dos escritores mais premiados do Piauí. Em 1978, conquistou o 1º lugar no Concurso de Monografia sobre a Importância do Porto de Luís Correia para o Desenvolvimento do Piauí, lançado em Recife (PE), pela Ação Social de Confraternização da Juventude; em 1994, logrou o 1º lugar no Concurso Nacional e Internacional de Poesia, promovido pela OICC - Ordem Internacional das Ciências, das Artes, das Letras e da Cultura; em 2001, com o romance A CONQUISTA DO MARANHÃO, foi classificado em 1º lugar no Concurso Literário, Categoria Romance – “Prêmio Fontes Ibiapina” – de âmbito nacional, promovido pela Fundação Cultural do Piauí e em 2002, com o romance histórico e indianista ETERNA ALIANÇA, editado no ano de 2000, conquistou o 2º lugar do Prêmio Nacional Literário Benedito Rodrigues Nascimento, promovido em Goiás, pela Sociedade de Cultura Latina do Brasil e Casa do Poeta Brasileiro. Posteriormente, em 2003, com o romance RAÍZES DO PIAUÍ, foi classificado em 3º lugar no Concurso Literário, Categoria Romance – “Prêmio Fontes Ibiapina” – promovido pela Fundação Cultural do Piauí. Autor de várias obras, dentre elas, DICIONÁRIO BIOGRÁFICO ESCRITORES PIAUIENSES DE TODOS OS TEMPOS (1993 e 1995); DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE ESCRITORES BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS (1998 e 1999); LITERATURA PIAUIENSE PARA ESTUDANTES (várias edições – adotado por várias escolas do ensino médio), GEOGRAFIA E HISTÓRIA DO PIAUÍ PARA ESTUDANTES – DA PRÉ-HISTÓRIA À ATUALIDADE (adotado em várias escolas de todo o Estado) e ETERNA ALIANÇA (romance histórico e indianista, adotado em escolas do ensino fundamental). Além de ter participado de vários trabalhos coletivos, organizou as coletâneas CRÔNICAS DE SEMPRE (1995); COLETÂNEA DE ESCRITORES BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS EM PROSA E VERSO (1999) e A POESIA PARNAIBANA (2001). Dentre outras honrarias, detém o Título de “Cidadão Teresinense”, outorgado pela Câmara Municipal de Teresina; o Diploma de “Personalidade Cultural do Século” e o Instituto do Mérito Cultural “Leonardo Castelo Branco”, ambos outorgados pela Academia de Letras da Região de Sete Cidades; o Diploma de “Personalidade Cultural da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro”, concedido pela UBE/RJ; a Láurea “Mérito Juscelino Kubitschek” (medalha e diploma), o Diploma do Mérito “Poesia JK” e o Diploma de “Personalidade do Ano de 1996”, outorgados pela Ordem Internacional das Ciências, das Artes, das Letras e da Cultura; o Diploma do Mérito Cultural “Da Costa e Silva”, concedido pela UBE/PI; o Diploma do Mérito Cultural “Firmino Teixeira do Amaral”, conferido pela Fundação Nordestina do Cordel e Revista De Repente; o Instituto do Mérito Cultural “A. Tito Filho”, concedido pela Academia de Letras do Vale do Longá; o “Diploma”, concedido pelo Centro Cultural dos Cordelistas do Nordeste, em parceria com a Fundação Demócrito Rocha, ambos sediados em Fortaleza (CE) e o Diploma de Personalidade do Ano de 1996, conferido pela OICC. É destaque em vários livros editados no Brasil e no exterior. Seu nome é citado em mais de trezentas obras, inclusive em dissertações de mestrado e em teses de doutorado. É verbete nas seguintes obras: DIRECTORY OF INTERNATIONAL WRITERS AND ARTISTS, de Teresinka Pereira, editado nos Estados Unidos; ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA (2002), de Afrânio Coutinho e J. Galante, 2ª edição, atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho, editada no Rio de Janeiro; ENCICLOPÉDIA DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA, Volume I (1993), de Reis de Souza, editada no Rio de Janeiro; DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DO TOCANTINS (2001), de Mário Ribeiro Martins; DICIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO ESTADO DO PIAUÍ (1994), de Cláudio Bastos; DICIONÁRIO DE POETAS CONTEMPORÂNEOS (1991), de Francisco Igreja, editado no Rio de Janeiro; LITERATURA: DE HOMERO À CONTEMPORANEIDADE – ENFOQUES HISTÓRICO, TEÓRICO E PRÁTICO (2003), de Ronaldo Alves Mousinho, editado em Brasília; PERSONALIDADE CULTURAL DO SÉCULO – TALENTOS DA INTELIGÊNCIA DO PIAUÍ (2001), de José Fortes Filho, editado no Piauí; GUIA DE ESCRITORES BRASILEIROS, de Néa Tauil, editado em São Paulo; VISÃO HISTÓRICA DA LITERATURA PIAUIENSE (3ª e 4ª edições), de Herculano Moraes, editada no Piauí; DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO PIAUIENSE (1992 e 1993), GRANDE DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO PIAUIENSE (1997) e DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO PIAUIENSE ILUSTRADO (2003), todos de Wilson Carvalho Gonçalves, editados no Piauí, bem como, no DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO REGIONAL DO BRASIL, de Mário Ribeiro Martins, via Internet, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br e ainda nos livros AMARRAÇÃO / LUIZ CORREIA e LUIZ CORREIA, PASSADO E PRESENTE, ambos de Wilson Fiúza, editados no Piauí. É destaque no livro A CRÍTICA LITERÁRIA NO BRASIL, 3ª edição (2003), do conceituado crítico literário Wilson Martins, editado em São Paulo e no livro ESTE MUNDO É PEQUENO (2003), de Nelson Hoffmann, editado no Rio Grande do Sul. Figura como personagem do livro EM PRETO-E-BRANCO (1995), de José Ribamar Garcia, editado pela Litteris Editora, do Rio de Janeiro. Em setembro de 1996, participou, como conferencista, do XIII Congresso Brasileiro de Teoria e Crítica Literária / XII Seminário Internacional de Semiótica e Literatura / VII Simpósio Paraibano de Estudos Portugueses, realizado em Campina Grande, pela Faculdade de Direito da UEPB e Prefeitura Municipal de Campina Grande (PB). Participou, também, como conferencista, de vários seminários de Literatura Piauiense, realizados em Teresina e em outras cidades do Piauí, inclusive em Bom Jesus, onde, em sua homenagem, o evento foi denominado de I SEMINÁRIO DE LITERATURA PIAUIENSE ESCRITOR ADRIÃO NETO. Foi objeto de três questões do vestibular/99, da Universidade Estadual do Piauí. O Vestibular/2003, da referida Universidade também lhe contemplou com duas citações. Ainda em 2003, foi lembrado no vestibular da Faculdade Piauiense. Em 2002, seu nome fez parte do rol dos escritores piauienses, incluídos, pela Secretaria de Educação do Estado do Piauí, no “Manual do Candidato” aos “Exames Supletivos do Ensino Médio”, tendo inclusive sido objeto de uma das questões da prova. Participou do Colégio Eleitoral para eleger os vencedores do Prêmio Multicultural o Estadão 2001, 2002 e 2003, promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo. Em suas andanças já foi visto em Portugal, Espanha, Suíça, Argentina, Paraguai, Guiana Inglesa, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Chile, Peru e em quase todos os Estados brasileiros. Em maio de 2003, a Prefeitura Municipal de Parnaíba o homenageou, estampando o seu nome numa placa de bronze, afixada na praça: Jardim dos Poetas, ora inaugurada pelo prefeito Paulo Eudes Carneiro. Contatos: Rua Lucídio Freitas, 653 – Cep. 64.003-120 – Teresina, PI - adriao-neto@webone.com.br - adriao-neto@antena10.com.br - (0xx86) 9986-0573 e 213-1529.


BIBLIOGRAFIA DE APOIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO



ADRIÃO NETO – Geografia e História do Piauí para Estudantes, da Pré-História à Atualidade, 2ª edição. Edições Geração 70, Teresina, PI, 2003.

ALENCASTRE, José Martins Pereira de – Memória Cronológica, Histórica e Corográfica da Província do Piauí. Comepi, Teresina, PI, 1981.

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz – O Feudo - A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da Conquista dos Sertões à Independência do Brasil. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, RJ, 2000.

BAPTISTA, João Gabriel – Etnohistória Indígena Piauiense. Edufpi / APL, Teresina, PI, 1994.

BASTOS, Cláudio – Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí. Fundação Cultural Mons. Chaves, Teresina, PI, 1994.

BRANCO, Renato Castelo – A Conquista do Sertão de Dentro. LR Editores Ltda, São Paulo, SP, 1983.

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CARVALHO, Wilson Gonçalves – Antologia da Academia Piauiense de Letras. Edição do Autor, Teresina, PI, 2000.

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MIRANDA, Reginaldo – Piauí em Foco. Comepi, Teresina, PI, 2003.

MOTT, Luiz R. B. – Piauí Colonial. Comepi, Teresina, PI, 1985.

NUNES, Odilon – Pesquisas para a História do Piauí. Imprensa Oficial do Estado do Piauí, Teresina, PI, 1966.

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_____ Devassamento e Conquista do Piauí. Comepi, Teresina, PI, 1972.

_____ Um Desafio da Historiografia do Brasil. Comepi, Teresina, PI, 1979.

_____ Depoimentos Históricos. Comepi, Teresina, PI, 1981.

ODILON, Marcus – O Livro Proibido de Padre Malagrida. Unigraf, João Pessoa, PB, 1986.

SOARES FILHO, Antônio Reinaldo – Oeiras Municipal. Gráfica e Editora Júnior Ltda., Teresina, PI, 1992.


OUTRAS FONTES DE APOIO

CATÁLOGO de Verbetes dos Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Piauí Existentes no Arquivo Histórico Ultramarino Lisboa-Portugal 1684-1828 / CDs com os respectivos documentos.

INTERNET (vários sites sobre o Padre Malagrida)

REVISTA Espiritual de Umbanda, n° 01, Editora Escala, São Paulo, SP, 2003.
Comentarios

António Carvalho Almeida  - 30/12/2019

Muito interessante, como seria possível adquirir um exemplar desta obra?
Cumprimentos

António Carvalho Almeida  - 28/05/2019

Como descendente do Capitão-Mor de Natal, de 1701 a 1705, António de Carvalho e Almeida tenho muito interesse na historia dessa época e felicito-os pela disponibilização destes textos na internet.

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