Apesar de já ter passado dois meses daquele casamento frustrado, sentia-se péssima. Aquele apartamento, com sua mobília ainda nova, agora era só dela. Mas para que bastava tudo aquilo, se a cama estava vazia, se as roupas dele já não ocupavam parte de seu guarda-roupa, se não o encontraria mais sentado no sofá cor de abóbora, lendo a caderno de esportes?
A estante no canto daquele pequeno escritório revelava livros científicos que ele desistira de vir buscar, antigos discos de vinil que ouviram juntos. Sentou-se diante da escrivaninha, onde muitas vezes o encontrava abrindo e fechando as gavetas atrás de papéis importantes. Abriu a da esquerda, ainda estava lá, embrulhado, esperando por ele, uma edição mais nova de “O Cortiço”, livro que tanto gostava.
Girou a cadeira para direita, deparou com o computador que deixara ligado. Veio à súbita idéia de navegar pelos chats que, apesar de achar ridícula a atitude, acabou visitando uma sala. Aquelas conversas fúteis, algumas tão vulgares, que já decidira voltar a andar pela casa lamentando a ausência dele, mas recebeu uma mensagem de um tal Vivaldi....Seu compositor preferido.
Trocaram descrições. Ele se dizia moreno, alto, olhos castanhos, e um advogado aposentado. Logo ele enviou uma foto. Ela, ainda na defesa, pouco contava sobre sua vida, e principalmente, sua aparência. Freqüentadora assídua de academias e adeptas a um arsenal de cremes e vitaminas, seus 37 anos estavam bem conservados. Mas sentia-se feia, ainda mais por estar desiludida como estava.
As conversas já não eram somente em frente à máquina, telefonemas tornaram-se freqüentes. Ela estava seduzida por aquela voz que ligava ao final do dia, por e-mails que declaravam o desejo de encontra-la.
Embora também quisesse encontra-lo, não havia coragem, porém ele insistira tanto que ela cedera.
Era sexta-feira, as estrelas já estavam todas espalhadas pelo céu. Parou sua Toyota e olhou-se no espelho e pensou em desistir, já não se estava tão segura. Aquele sentimento de medo começara a tomar conta dela. Vacilou um instante, mas já não podia, o que ele poderia fazer?
Ficou a espera por alguns minutos antes de pedir uma dose de uísque. Passaram 20 minutos, ela já começara a balançar ansiosamente a perna sob a mesa, cuja rosa como enfeite a incomodara. O casal ao lado estava deixando-a nervosa, já não bastava a 2ª dose para acalma-la.
Os ponteiros de seu relógio suíço pareciam correr. Por dentro, estava arrasada, milhares de perguntas rodeavam sua cabeça, ligou para seu celular várias vezes, nada além daquelas mensagens gravadas. “O que ele poderia fazer?!”, balbuciou ela, enquanto a primeira lágrima caía. Levantou da mesa e voltou para sua vida novamente.