Fim do dia, sol maduro ameaçando cair sobre a serra. Aristeu olhou pra lá:
— Êta, diacho! Hora de se banhar.
Tirou da capanga um pedaço de sabão-de-coada e desceu rumo ao po-ço, logo ali. Pouco depois apontava no terreiro. Tianinha, na bica, lavava dois pratos esmaltados e isso queria dizer que os meninos já tinham jantado. Aris-teu assobiou, dando sinal da chegada. A mulher nem se virou.
— Tá atravessada, muié? — perguntou.
Nem resposta. Ele também não fez caso. Entrou na casa e os molecotes se agarraram em suas pernas, como sempre. Tirou do bornal um araticum e preveniu:
— É pra amanhã. Hoje cês já jantô.
E tratou de jantar, que já ia escurecer e o dia foi puxado. Esperou pela bacia de água morna para lavar os pés e nada. Foi então que observou que, desta vez, a zanga da mulher podia ser coisa mais séria que de costume. "Então não vai ser arte dos menino: só pode ser arte minha mesmo".
Para não dar o braço a torcer, reclamou. E a resposta...
— Se quisé vem buscá!
....deixou-o temeroso. Foi até a cozinha, pegou a bacia e encheu-a de água quente, temperando com água da bica. De volta cochichou para Tianinha:
— Quando os menino durmi nóis conversa.
A mulher nem respondeu. Cuidou do restante da arrumação e quando foi dormir Aristeu ressonava, atravessado no jirau. Aristeu fazia sempre assim: esticava atravessado na cama para que Tianinha, ao vir se deitar, o acordasse e ele não perdesse...
Só que desta vez foi diferente. Tianinha o sacudiu bruscamente e sem falar. Aristeu foi de novo à cozinha, beber água. Aproveitou o embalo e deu uma chegadinha no terreiro. Gostava de ver o terreiro à noite. As galinhas em-poleiradas na laranjeira e na goiabeira, os porcos fuçando ruidosamente, um vento gostoso vindo do mato e trazendo um cheiro que mulher nenhuma, até hoje, já pôs no cangote. "E por falar em muié, vamo vê".
Voltou ao quarto. Sebastiana (quando discutiam ele falava assim) arru-mava um lençol de chita e esbarrava no urinol. Aristeu pigarreou e esperou. Até que, impaciente com a indiferença da mulher, resolveu tirar assunto:
— Cê ficar enfezada, vá lá. Mas num trazê nem a água de lavá meus pé, essa tá esquisita. Quê qui foi?
Tianinha tava com sono. Respondeu simplesmente: "Mariana". E Aris-teu, totalmente sem-graça, silenciosamente deitou matutando: "Quem foi o excomungado que contou?".
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In: O cerco e outros casos. Goiânia: Lider, 1978.