Festa na repartição
Eu era um funcionário da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e trabalhava na XXIII Delegacia de Ensino na cidade de Mogi das Cruzes.
Lembro-me com clareza das primeiras horas daquele dia de trabalho. Nelas o funcionário mais antigo da repartição debochava e fazia todos rirem com as suas tiradas irônicas sobre uma medida que tinha sido aprovada, há alguns dias, e naquela manhã estava sendo colocada em prática: O uso obrigatório de crachá por todos os funcionários.
Ele gargalhava e ridicularizava enquanto falava sobre o crachá que teria de usar, pela primeira vez, depois de trinta anos de trabalho. Estava claro que se sentia aviltado, mas não assumia o quanto estava ofendido.
O seu nariz vermelho e grande tremia como se fosse um radar das suas mágoas. Sardônico e carregado de ironia em suas palavras comentava uma falha em seu nome impresso no crachá:
- Meu nome é João Cardoso de Souza Filho e aqui só colocaram JOÃO CARDOSO SOUZA FILHO. Cadê o “DE”... Cadê? Eu me nego a usar esta porcaria. Não vou usar isto assim.
E os companheiros deliravam com as caçoadas do pobre e velho João Cardoso.
- Oficialização, um outro funcionário disse essa palavra com ênfase e logo depois esboçou o sentido desse pensamento:
- Somos escachados já há bastante tempo. Vários governos passaram e sempre houve o escachamento. Agora nesse daqui temos que reconhecer a existência de trabalho e organização. Até que enfim surgiu um governante sério (*) que escacha, mas oficializa o escachamento.
Entre as gargalhadas que todos davam alguem falou sardonicamente e também em tom de caçoada:
- Se o crachá for usado na hora do almoço tem uma gratificação de 10% em nosso salário e se o colocarmos no pijama pra dormir ganhamos adicional noturno. Da direito de andar de trem pago, ônibus pago, bicicleta pago.
E a balburdia generalizou-se.
Aquele governo havia tentado facilitar o reconhecimento dos funcionários que trabalhavam para ele e era por isso ridicularizado. Estariam aquelas pessoas sendo injustas com os seus governantes em seus julgamentos?
A explicação é uma só:
“Toda medida tomada por um governo atuante - seja ela justa, interessante, sadia ou não – sempre é motivo para festa dos funcionários descontentes com o salário que percebem. Eles não conseguem ser profissionais e desconhecem método e funcionamento. São agrupamentos de servidores descontentes e desorganizados que em tudo encontram motivos para festejar e não produzir”.
(*) Mario Covas, governador do estado quando essa medida foi tomada.
CARLOS CUNHA
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CARLOS CUNHA/o poeta sem limites
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