Lentamente, os primeiros raios de sol daquela manhã de segunda-feira entram pela fresta da cortina envelhecida e iluminam o rosto envelhecido de uma mulher não menos envelhecida. A pele é de seda pronta para esfacelar. O cabelo algodão. O nome? Semíramez.
Deitada na cama de casal gigantesca, com a cabeça afundada no travesseiro, solitária, Semíramez abre os olhos, com preguiça, assim que a luz do sol começa a lhe incomodar. Ela apara os raios que incidem no quarto com o antebraço. Dá um suspiro profundo e pensa no esposo já falecido. Alberto! Outro suspiro. Há dois anos, desde a morte do marido, o primeiro pensamento do dia é destinado a Alberto, obsessivamente.
Depois de pensar no amor, Semíramez pensa na vida e lista todas as tarefas do dia, mentalmente. Só então, ergue o dorso surrado e se senta a cabeceira da cama. O movimento é dos mais difíceis. Já não possui mais vinte anos. Seus ossos rangem. Dor.
Mais um suspiro. Semíramez se levanta. Devagar. Do corpo delgado e bem feito da mocidade nada restou . Agora, obesa e curvada, Semíramez caminha a passos curtos para o banheiro. Vai esvaziar a bexiga incontinente para depois tentar tomar o banho matinal.
Seus pés, veias azuis contrastantes com a pele transparente, se movimentam acorrentados até pisarem o azulejo azul. Entre sonolenta e desperta, Semíramez se posta em frente ao vaso sanitário. Mecanicamente, repete o procedimento diário: levanta a camisola, abaixa a calcinha e se senta, pronta para o alívio.
A banca gelada do vaso, em contato com as nádegas de Semíramez lhe ouriça os pêlos do pescoço. Prestes a dar a primeiro esguicho de urina sente o chão duro e frio contra os pés. Os olhos fecham. Escuridão. Ela volta a dormir, agora também, dura e fria.