Se pudéssemos congelar aquela imagem e olhar atentamente para o olho azul de Manoel, não veríamos apenas o instante daquele momento refletido nas profundezas de seu oceano. Veríamos uma profusão de sentimentos. Veríamos o indefinível: a ausência. Veríamos o invisível e o indizível. Ficaríamos calados. Com a palavra a repousar na boca morta.
Ali, no abismo de seu ser, presenciaríamos o seu não-ser. Veríamos suas paixões, amores e certezas. Sentiríamos a sua dor. Angústia. Engasgaríamos ao rever todos os nós na garganta. Que foram muitos e que valeram a pena. Ali, nos perderíamos no labirinto de suas dúvidas. Ali, riríamos de suas crenças. Mas só riríamos por sermos espelho. Por sermos humanos. Por sermos estúpidos.
Ao buscar alma e luz, acharíamos sombra. A massa amorfa de nossos instintos. Veríamos o volver de suas entranhas. A dor do processo de recomeçar sempre. Veríamos o fim que é o início. Veríamos a parte faltando, parte que sempre faltará. Acharíamos aquilo que não procurávamos e saberíamos, sem de fato saber, que aquilo que procurávamos nunca acharíamos.
Apenas o desconsolo seria a nós revelado. Apenas o terror e as trevas. As trevas da consciência. Sua consciência, que teria de reconhecer a supremacia da irmã mais velha: a inconsciência. E perdido, atentaríamos para a questão de que terror trevas luz e amor são peças participantes do mesmo corpo e da mesma vida. E de que nada existe de forma absoluta e descontextualizada. Teríamos a noção de quem se encontra em outra perspectiva. E veríamos a flor nascer, crescer, perecer, morrer, nascer...
Se pudéssemos congelar aquela imagem e olhar atentamente para o olho azul de Manoel, veríamos também o instante daquele momento refletido nas profundezas de seu oceano. Seríamos jogados a contragosto, mas por força do hábito, nas garras da consciência. E de fora, veríamos a face enrijecida de Manoel. Perplexo. Olhando para o alto do edifício em construção, observando aparentemente passivo a viga de aço lhe esmagar o crânio e tudo mais.