Amanheceu e Jorge sentado no sofá. Olhos abertos, avermelhados. Passara a noite preocupado com os acontecimentos do dia anterior. Não há de ser nada, pensou ele. Hoje vou esclarecer tudo. Foi apenas uma briguinha, estas coisas acontecem com os melhores casais. Hoje tudo vai ficar em pratos limpos.
Parado, absorto em seus pensamentos, cabeça inerte. Divagava. Resolveu fumar um cigarro. Ainda havia um escondido por aí. Há tempos não fumava, mas se lembrou que havia guardado um maço na gaveta do criado mudo para situações como esta.
Achou, acendeu, tragou. Ah! Nada como um cigarro, depois tossiu. Há tempos não fumava. Mais de mês. Continuou. Movimentos compassados. Cigarro entre os dedos. Punho em riste. Sentou-se novamente. Dessa vez na cama. Olhos pregados. Sem piscar. Devia ser a insônia. Não piscou uma só vez em minutos.
Jorge quis levantar-se. Fez menção, mas desistiu. Queria vestir as roupas, esqueceria até o sapato, as meias, mas precisava falar com ela. Iria esclarecer tudo. Explicar detalhe por detalhe do que havia acontecido. Iria dizer que tudo não passava de uma confusão e nada daquilo mais importava.
Pensamentos parasitas. Jorge começou a lembrar de antigos relacionamentos e de suas brigas. Riu sozinho. Uma gargalhada tenebrosa, daquelas que se algum hóspede do hotel estivesse passando no corredor, naquele momento, com certeza acharia que no quarto estava internado um doente mental.
Deprimiu-se logo depois. Pelo jeito não iria sair da cama tão cedo. Quis afundar-se nos lençóis. Pegou o travesseiro e apertou entre a cabeça para sufocar o choro que vinha. Não conseguiu. Chorou como um bebê. Respiração ofegante. Uma lágrima, apenas uma lágrima e continuou sentado.
Já passavam das duas da tarde. Ela devia estar fazendo a feira uma hora dessas. Tomado de impulso, ensaiou novamente uma retirada dos lençóis e como da outra vez, não conseguiu. Pensou que não era o momento certo. Importuná-la na feira. Que disparate!
Com fome, foi até a geladeira. Vazia. Apenas algumas verduras e um resto de suco de laranja em uma jarra. Bebeu no gargalo mesmo. Não quis comer. Estava com fome, mas não queria comer nada. Enfiou-se entre os lençóis, mais uma vez. Precisava refletir. Que situação! Que impasse! Querer e não querer. Mas refletir sobre o quê? Já sabia o que fazer. Iria pedir perdão, ajoelhar se fosse preciso. Jurar amor eterno. Mas agora não! Estava esperando a hora exata.
Os olhos entreabertos começaram a fechar-se. Não, não podia. Precisava permanecer acordado. Deu um tapa no rosto, arregalou os olhos, nada estava adiantando, mas não podia dormir. Corria o risco dela aparecer e ele estar ali dormindo, babando na fronha do travesseiro. Levantou-se, foi até o banheiro. Abriu a torneira. Jogou água no rosto que se contraiu todo. Era inverno. Sentiu-se melhor. Atento. Ainda preocupado. Precisava ficar a postos, não podia perder a chance de elucidar tudo o quanto antes.
Sua imagem refletida. Jorge. Olheiras profundas e negras. O branco dos olhos, agora vermelho. A face rosada, agora branca, pálida. Abatido, parecia querer desvanecer. Não dormira a madrugada inteira pensando naquela mulher. Não devia tê-la tratado assim. Estava arrependido, era visível isso em seu semblante. Quando ela olhasse sua feição preocupada, insone, iria perdoá-lo. Claro que iria. Ou não? Era melhor nem aventar esta hipótese.
Voltou à cama. Sentou-se na parte lateral. As costas pesadas formavam uma pequena corcunda. Estava realmente cansado de esperar. E ela não chegava. Já deveria estar aqui. Está atrasada! O sono não passava, Jorge queria desmaiar, mas não podia. Ligou a TV. Nada! Controle na mão, dedos rápidos passando pelos botões. Nada! Resolveu estirar-se na cama. Olhos atentos, vidrados em uma rachadura que já começava a se formar no teto. Deixou o som alto. Não iria dormir. Precisava falar com ela.
Mas que diabos! A noite já chegara e ela ainda não havia aparecido.Onde será que se meteu? Pensou em procurá-la no saguão do hotel. Com certeza devia estar lá. Estava ressentida. Não passara no quarto hoje, porque estava ressentida. E com toda a razão.
Ergueu o dorso, saltou da cama. Agora era a hora. Trocou a roupa amarrotada, vestiu uma novinha, engomada por ela por sinal. Não iria tomar banho. Depois faria isso. No momento, queria simplesmente colocar os pingos nos is, dizer-se arrependido e jurar por Deus nunca mais brigar de novo.
Chegou até a abrir a porta do quarto. Parou. Voltou a sentar-se na cama. Não! O orgulho. Ainda havia sobrado uma ponta de orgulho em Jorge. Afinal, a culpa nunca é de uma pessoa só, pensou ele. Afinal, a culpa não existe. Se ela não o procurasse, ele que não o faria. Não era capacho de ninguém. Estava arrependido e angustiado, mas ela poderia perder o respeito caso ele fosse até lá. Não foi. Permaneceu sentado. Inerte.