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Contos-->Itinerário lugar nenhum -- 28/04/2004 - 15:43 (Bruno D Angelo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dia 25 de novembro. José Carlos tomou banho, vestiu a roupa, falou no telefone e saiu de casa. Eram nove horas da noite. Em ponto.
A festa de aniversário da sua ex, atual, ou seja lá o que for namorada, já havia começado, mas ele queria comprar um presentinho antes. Encostou o carro ao lado da floricultura as nove e cinco. Saiu do automóvel e ficou em dúvida de qual barraca entrar. Eram tantas. Foi na do senhor que lhe pegou pelo braço e já foi lhe mostrando um arranjo de rosas vermelhas.
José Carlos disse que queria comprar flores para uma aniversariante, que não entendia nada sobre isso e não sabia o que escolher. O homem perguntou o que a futura presenteada era dele. José Carlos ficou sem resposta. Namorada? Não. Amiga? Também não. Sei lá. O homem entendeu e lhe ofereceu um arranjo bonito com flores sortidas. José Carlos lembrou que Miriam gostava de girassóis. Reparou em um vaso bonito com um girassol imponente e o escolheu. O homem achou estranho, mas a sua obrigação era vender, e só. José Carlos pagou, entrou no carro e foi embora. Eram nove e treze.
No caminho do aniversário, José Carlos ficou pensando no diálogo que tivera com o senhor da floricultura. Ele gostava de fazer isso. Pensar em fatos recém acontecidos. Já virara até uma obsessão. José Carlos sentia-se um tanto ridículo. Um tanto magoado. Triste. Namorada ou o quê? Ele não tinha a menor idéia.
Quase não prestou atenção no itinerário, já o sabia de cor. Quando entrou na rua de Miriam, olhou para o relógio imenso instalado na calçada. Eram nove e trinta e cinco. O vaso com o girassol tremia no assoalho junto ao banco do passageiro. Aquela ruela mal iluminada lhe trazia algumas lembranças. Teve vontade de chorar. Andava fazendo muito isso ultimamente.
A casa dela continuava no mesmo lugar. Eram nove e quarenta quando estacionou e desceu com o girassol na mão. No portão de entrada, encontrou alguns amigos de Miriam, que não o reconheceram mesmo depois dele os ter cumprimentado. Ficou ali: um paspalho e uma flor. Logo após, chegaram os tios de Miriam. Acharam que José Carlos era um novo namorado. Ele sentiu ciúmes de si mesmo naquele momento. Andava fazendo muito isso ultimamente.
Miriam veio recepcionar os convidados. Cumprimentou a todos e deixou José Carlos por último. Deu-lhe um beijo no rosto e aceitou as flores. Emocionada. Ele sentiu-se ridículo mais uma vez. Uma fraqueza latente. Vinha sentindo muito isso ultimamente. Eles entraram. Faltavam quinze minutos para as dez da noite.
A festa foi divertida. Coisa de família. Havia tios, irmãos, primos e avós. Além dos amigos considerados mais íntimos. José Carlos era um deles. Só não sabia se deveria se sentir lisonjeado com isso ou simplesmente ridículo para variar. Ele falou com todos os parentes de Miriam. Foi simpático e prestativo, como um bom menino, só não se sentou para conversar com ela e seus amigos. Havia um abismo que não o deixava.
As horas correram. As onze e vinte e dois, José Carlos sentiu calor, tirou a jaqueta que vestia e foi guardá-la no quarto dos fundos da casa. Ao sair do recinto, encontrou Miriam e eles se beijaram as onze e vinte e sete. O beijo foi mais um resultado do hábito, do que qualquer outra coisa. Apesar dos dois estarem com vontade, esta não era maior do que o desejo de não prolongar aquela agonia por muito mais tempo. Tomaram seus devidos lugares na festa que continuava; Miriam prosseguia no papo descontraído com os convidados e José Carlos tentava disfarçar a posição desconfortável de amigo colorido.
As luzes foram apagadas e apenas as velas sobre o bolo de chocolate iluminavam a cozinha. Parabénspravocênestadataquerida e etc, etc, etc, foi o que se seguiu logo depois. José Carlos de longe observava Miriam. Como sempre ela irradiava felicidade. Os olhos dele brilhavam ao vê-la tão linda. O que sentia por ela já não era mais amor, era vontade de morrer. Por isso agonizava. Calado, sentia o peito se contorcer, a consciência evaporar e depois se solidificar como pedra rígida e inquebrantável. Como alguém podia ser sempre tão feliz? Quis morrer. Talvez fugir para casa. Ficou mais um pouco.
Já passava da meia noite quando o último convidado foi embora. José Carlos, ridiculamente, permaneceu. Esperava por não sei o quê. Talvez por uma decisão. Sua ou dela. Mas, sabia que nada iria acontecer. Miriam não o mandou sair, embora assim o desejasse. Pelo menos foi isso que passou pela cabeça de José Carlos naquele momento. Ele também queria sumir dali e também queria ficar. Puxa, como queria transar com aquela garota. Ali, naquele momento. No entanto, era só ela dar aquele sorriso de menina mais legal do mundo, que José Carlos tinha vontade de esgana-la.
Os pais de Miriam foram para a sala assistir televisão. Um péssimo hábito. Miriam e José Carlos também. Mais um minuto ali na cozinha, um olhando para a cara do outro, e talvez, eu digo talvez, a verdade teria que ser dita. Embora, quase certamente, a única opção possível era sentar-se naquele sofá confortável e consumir o puro e fino entretenimento televisivo. Era preciso entreter-se, nada mais seria dito aquela noite. Um sentimento de autopunição e de sadismo inconsciente pairava no ar. Meia noite e meia indicava o ponteiro do relógio.
José Carlos não soube por que quis se levantar. Apenas o fez. Alguma coisa ali o incomodava. Disse que iria embora e foi. Miriam se despediu com um gesto de quem pouco se importava. Ele deu uma última olhada no girassol que trouxera poucas horas antes. “Por que sempre faço isso? Por que sempre trago flores?”, pensou. Flores para um moribundo. Um relacionamento que agonizava e agora morria. Os últimos suspiros foram um selinho e um até breve, que nunca aconteceu.
À uma hora em ponto da madrugada chegou ao fim o relacionamento de Miriam e José Carlos. Os dois nunca mais se viram, nem quiseram se telefonar. Ela, talvez, por ter esquecido dele durante o sono e ele, por uma incrível mágoa que paralisava todo o seu corpo.
Ainda hoje, José Carlos pega o carro e dirige ate a casa de Miriam. Ele fica observando o lugar, nem sabe porque faz isso, mas há algo dentro de seu corpo que lhe conduz até lá. Miriam não quer lhe dizer mais nada. A casa também não. A única coisa que lhe vem ao pensamento, incessantemente, é a lembrança daquele dia; em que saiu de casa, com um girassol não mão, rumo a lugar nenhum.



Por Bruno E. Moreira

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