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Contos-->Estava acordada, mas sonhava -- 28/04/2004 - 15:46 (Bruno D Angelo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lúcio
Lúcio acordou com aquele gosto amargo na boca. Mais uma noite sozinho. No criado mudo, a garafa de cachaça. Vazia. O despertador tocou e Lúcio abriu os olhos cheios de remela. Foi tentar se espreguiçar e quase desmaiou novamente, seu corpo parecia que havia passado a noite num moedor de carnes ou num desossador de frangos, se é que existe isso, pensou ele. Olhou o relógio e estava atrasado de novo. Não tomou banho, não penteou o cabelo e não tomou o café da manhã. Não havia tempo para isso. Apenas colocou o terno, arrumou desordenadamente a gravata e pegou o dinheiro para o ônibus. Se o motorista fosse seu conhecido, quem sabe o deixaria passar por de baixo da catraca e ele poderia tomar uma média com pão e manteiga no boteco ao lado do trabalho.
Ao sair de casa, Lúcio lembrou de sua mulher Suzette, há dias ela não aparecia. Não mandara notícias, não deixara recados e não telefonara. Aliás, quem quis telefonar para alguma das amigas de Suzette foi Lúcio, mas num surto de lucidez, lembrou que não tinha telefone e muito menos ela tinha amigas. Isso também explica porque Suzette não ligava para ele. E Lúcio já pensava que era ingratidão. Lúcio pôs o pé na calçada e lembrou que havia esquecido as chaves do carro. Subiu com desespero as escadas desesperadas de seu prédio. No último degrau, outro surto de lucidez, constatou que não morava em um prédio, sim em um sobradinho alugado e não tinha carro, ia para o trabalho de ônibus.

Suzette
No outro lado da cidade estava Suzette. Recostada em uma pilastra, ela tomava o café da manhã em uma xícara inexpressiva e observava pela janela, da altura do décimo terceiro andar, duas criancinhas que brincavam no parque de fronte ao prédio. Suzette, por um instante, teve a certeza de que aquelas duas crianças eram suas irmãs, mesmo sabendo que sempre fora filha única. Apenas um instante. Um instante feliz, mas apenas um instante. Suzette recostada na pilastra lançava seu olhar desolado ao encontro de coisa alguma. E bem no exato momento que Lúcio pensou nela. Nesse exato momento, Suzette pensou nele. Suzette recostada na pilastra tomava seu café quente e olhava pela janela duas garotas desconhecidas brincarem e pensava em Lúcio. Suzette recostada na pilastra nem sentiu Paulo chegar carinhosamente a suas costas e lhe assoprar o pescoço. Estava acordada mas sonhava.

Suzette e Paulo
Lá estava lá. Estava lá Suzette, olhando para Paulo. Olhava para Paulo e mirava o chão. Mirava Paulo e voltava a olhar o chão. Piscava os olhos como se não entendesse o que visse. Via Paulo, mas via Lúcio. Na verdade, via apenas Lúcio e não entendia. Não compreendia. O quê Lúcio estava fazendo ali no apartamento de seu amante Paulo? Suzette quis perguntar, mas sua voz não saía, sua voz não saía e seus olhos agonizantes agonizavam, porém mudos. Um chacoalhão. “Paulo é você?”.
- Sou eu. Quem você pensou que fosse? Só estamos nos dois aqui.
- Nada, nada, apenas tive um sonho.
- É! Foi o que eu pensei. Você estava acordada mas sonhava.
Suzette e Paulo ou Paulo e Suzette, como preferirem, se conheceram há 5 anos. Suzette caminhava pela rua. Mesmo que caminhasse pela calçada, caminhava pela rua. Era uma segunda-feira e Suzette caminhava pela rua. Faltou no trabalho só para caminhar pela rua. Era segunda-feira e Suzette caminhava pela rua, caminhava distraída. No quê pensava? Talvez pensasse na morte. Seu olhar era de quem pensava na morte, em sua própria morte. Ou, talvez, pensasse que este momento de paz não se repetiria no dia seguinte, já que não poderia faltar ao trabalho dois dias seguidos. Não poderia sem uma desculpa convincente. Suzette, em plena segunda-feira, andava pela calçada, faltara ao trabalho para isso e estava distraída. Na mesma calçada, a poucos metros dela, Paulo vinha correndo em sentido oposto. Paulo estava de terno e gravata, estava meio amarrotado, seu rosto, seu terno e sua gravata. Paulo não pensava em nada, modo de dizer, já que acordado ao menos um pensamento passa na cabeça de qualquer pessoa - e dormindo mais ainda. Ele parecia não pensar em nada, de tão apressado que parecia estar. Paulo estava apressado amarrotado e distraído e nem viu quando esbarrou em Suzette e ela precipitou-se no chão. Não viu, pois se tivesse visto não teria esbarrado em Suzette e não a teria conhecido. Não viu, mas a sentiu, parou e olhou Suzette atônita, sentada no chão. Não viu, por isso a conheceu.

Apenas Paulo
E Paulo, quem era? Como todos os personagens dessa história, Paulo não era ninguém, e era também muitas coisas. Paulo amava Mariana antes de trombar com Suzette. Paulo amou Suzette e Mariana durante muito tempo e se encontrou com as duas. Transou com as duas. E decidiu-se por uma. Paulo escolheu Suzette e amou Suzette, só Suzette por um bom tempo. Paulo sonhou Suzette, transou com Suzette, só Suzette durante um bom tempo. E num estalar de dedos, voltou a amar Mariana. Voltou a amar Mariana, mas sem deixar de amar Suzette. Voltou a amar Suzette e Mariana. Juntas. Unidas pelo afeto daquele homem. No exato momento em que esta trama se desenrola, Paulo está deixando de amar Suzette. Quando Suzette em pé recostada na pilastra, olhando pela janela do apartamento enxergava Paulo e via Lúcio. Paulo chegou mansamente a suas costas achando que Suzette era Mariana. Olhava Suzette e via Mariana. Sabia que era Suzette, mas só enxergava Mariana, por isso a chacoalhou. Queria expulsar daquele corpo o fantasma de Mariana que o assombrava. Paulo não sabia que havia virado Lúcio aos olhos de Suzette e muito menos ela, se quer imaginava que havia se transmutado em Mariana aos olhos do amante. Porém Paulo já desconfiava que sua paixão por Suzette já não era mais a mesma. Paulo mudou. Paulo mudou e voltou para o que era antes e provavelmente vai mudar até o final de seus dias, mas isso ninguém pode prever. Paulo percebeu ali, olhando para Mariana, quer dizer Suzette, que agora era vez e a hora de Mariana, se ela assim quisesse. Paulo estava acordado, mas sonhava, sonhava com Mariana. Apenas com Mariana.

Mariana
O que falar de Mariana? Ela era linda. Linda. Linda. Daquelas mulheres que você não consegue desgrudar os olhos por um segundo. Daquelas mulheres que você prefere desviar os olhos para não sofrer, para não sofrer por não estar dentro dela.
Mariana gostava de Paulo e durante o tempo em que Paulo esteve nos braços de Suzette, Mariana não esteve nos braços de ninguém. “Cinco anos sem nenhum caso?“ , perguntavam as amigas. “Por que o espanto?” , respondia Mariana. “Mas, cinco anos sem nenhum namorado, sem nenhum amor. E o sexo? Como você fez este tempo todo sem o sexo?”. “Eu disse amor, não disse sexo”, sempre falava Mariana. Mariana. Ah! Mariana. Mariana, nos primeiros meses de separação de Paulo, pensou nele todos os dias, depois, começou a pensar dia sim, dia não. Mais tarde, quase não pensava nele, mas quando as lembranças de Paulo voltavam a sua cabeça, lá ficava ela, parada, absorta, com o olho fixo em algum ponto perdido do horizonte. Mariana gostava de Paulo, e ficou feliz quando este lhe ligou uma noite dizendo que a amava e que ia voltar. Ela pensou que já fazia muito tempo que eles não se falavam, mas disse tudo bem. Não pediu explicação. Não quis saber detalhes. Agora, seus pensamentos começavam a ser povoados por Paulo novamente. Paulo, Paulo, aquele desgraçado! Consegue a mulher que quer.

Paulo e Mariana ou Lúcio e Suzette

Paulo combinou com Mariana. “Passo hoje à noite aí na sua casa! Vamos relembrar os velhos e bons tempos”.
Mariana não era boba. Acatou a proposta de Paulo, pois estava com saudades de suas transas, mas sempre com um pé atrás, sempre com um pé atrás. “Provavelmente ele não vem”, pensou. Mesmo assim foi se arrumar.
Assim que desligou o telefone, Paulo disfarçou e deu um beijo sem sal em Suzette que acabara de entrar na cozinha bombardeando-o com mil perguntas. “Quem era? Você não vai tomar banho? Já não está atrasado para o trabalho? Que horas são?”. Paulo não respondeu nenhuma das perguntas, apenas saiu da cozinha e entrou discreto, feliz no banheiro. Tudo bem, Suzette não queria respostas mesmo.
Enquanto Paulo se despia e ligava o chuveiro quente deixando o vapor preencher o banheiro de portas fechadas, Suzette pensava em Lúcio e pensava também em uma boa desculpa para dar ao chefe que daí a poucos segundos iria atender ao telefone.
- Alô!
- Alô!
- Quem fala?
- Quem está falando?
- Sou eu, a Vilma.
- Que Vilma?
- A faxineira.
- Ah! Vilma, o senhor Adelmo está?
- Peraí que ele acabou de chegar.
- Alô!
- Alô! Senhor Adelmo?
- Sim. Suzette?
- Senhor Adelmo. Eu só liguei para avisar que não vou poder ir ao trabalho hoje.
- Hum! Posso saber o motivo?
- Estou com uns probleminhas familiares. Minha mãe sabe...
- Sei. Está bom Suzette. A senhora quase nunca falta. Amanhã a gente se vê.
- Até mais!
O telefonema durou exato poucos segundos. Lúcio ainda se ensaboava debaixo da ducha fervente e cantarolava músicas sertanejas quando Suzette desligou. Suzette não iria trabalhar, não queria trabalhar aquele dia. Estava bem, mas queria caminhar, caminhar pela calçada e pensar na morte e na vida, não necessariamente nesta mesma ordem. No íntimo, Suzette queria encontrar outro grande amor. Assim, havia encontrado Paulo. Caminhando pela rua e trombando com ele. Assim, achava que encontraria outro amor. Embora, soubesse, veladamente soubesse onde procurar o seu verdadeiro amor. Era só voltar a sua casa. Voltar a Lúcio.
Lúcio que agora se encontrava deitado no assoalho do ônibus. Passa por baixo, disse o cobrador. Lúcio passou. Queria sentar, mas não havia lugares vagos. Lúcio ficou em pé. Agora, além de amarrotado, sujo. Lúcio estava de ressaca. Porre homérico. Porre por uma desilusão. Porre por uma ilusão. Desilusão: Palavra sábia. Palavra sábia, pensou Lúcio. Pensou em Suzette. “Cadê Suzette meu Deus?”, balbuciou Lúcio, deixando o companheiro de coletivo mais desperto.
Suzette saiu de casa. Lúcio saiu do banho. Procurou a amante e achou um bilhete. “Fui trabalhar”. Lúcio amassou o bilhete, jogou-o no lixo e foi se trocar, pois já estava atrasado. Suzette foi caminhar pela rua. Mesmo que caminhasse pela calçada caminhava pela rua. Era uma segunda-feira e Suzette caminhava pela rua. Faltou no trabalho só para caminhar pela rua. Era segunda-feira e Suzette caminhava pela rua, caminhava distraída. Pensava na morte, dessa vez, com absoluta certeza, pensava na morte. Pensava na morte, pois pensava na vida. Uma palavra não vive sem a outra pensou Suzette. Uma palavra depende da outra. Pensava em Lúcio e era ele que no sentido contrário caminhava afoito rumo ao trabalho. Lúcio estava apressado sujo amarrotado e distraído e nem viu quando esbarrou em Suzette e ela precipitou-se no chão. Não viu, pois se tivesse visto não teria esbarrado em Suzette e não a teria reconhecido. Não viu, mas a sentiu, parou e olhou Suzette atônita, sentada no chão. Não viu, por isso a reconheceu.

- Suzette?
- Lúcio?
- Suzette é você?
- Lúcio é você mesmo?
Lúcio não perguntou por onde Suzette havia andado. Naquele momento, naqueles segundos esqueceu de tudo. Só sentiu saudades, amor, saudades e amor.
Suzette não disse por onde havia andado. Não mencionou Paulo. Não mencionou, porque não se lembrou dele. Só sentiu remorso e saudades. Remorso não. Sentiu amor. Saudades e amor.
Os dois esqueceram-se de tudo. Lúcio do trabalho. Suzette da caminhada. Já haviam encontrado o que procuravam. Os dois esqueceram-se e se reinventaram. Deram as mãos um ao outro. Não. Pensaram nisso, mas não ousaram a consumar tal ato. Ainda estavam elétricos e meio surpresos com este reencontro que estava mais com gosto de primeiro encontro. Não deram as mãos. Foram caminhando lado a lado. Conversando e se apaixonando rumo a algum lugar.
Mariana tinha prometido a si mesmo que não ia se preocupar com Lúcio, mas ele já estava atrasado há uma hora e ela já se descabelava. O que poderia ter acontecido? Com certeza aquele safado mudou de idéia e preferiu continuar com sua namoradinha. Aquele viado e aquela piranha. Dois putos. Cinco minutos depois de proferir estas ofensas, a porta se fechou bruscamente acordando os vizinhos. Era Mariana que saía atordoada de casa para buscar Paulo. Só não sabia onde.
Quando o telefone tocou no apartamento de Paulo, ninguém atendeu. Paulo havia ficado preso em uma reunião da empresa. Ele era peça importante na discussão entre os acionistas e não pôde sair. Era peça importante, pois estava sendo desligado de suas funções. Os chefões e fodões disseram que ele havia se tornado um executivo muito displicente. Isso era verdade pensou Paulo e logo lembrou de Suzette. Lembrou de Suzette, mas nem sequer lembrou do encontro com Mariana. Pegou suas coisas e jogou da janela do edifício. Deixou o prédio expulso pelos seguranças. Foi de ônibus para casa. Esqueceu que tinha um carro. Esqueceu de Suzette. Esqueceu de Mariana. Esqueceu-se de quem era por um tempo. Desceu do coletivo no primeiro lugar que lhe veio à memória, uma memória que parecia não ser sua.
Quando o telefone tocou no apartamento de Paulo, ninguém atendeu. Ninguém atendeu, não porque o apartamento estivesse vazio, pois ali estavam duas pessoas, que naquele exato momento, se encontravam muito ocupadas entre si. O telefone tocava, era Mariana do outro lado da linha, aflita pelo atraso de Paulo. E deste lado, Suzette e Lúcio, atrás do sofá, no chão, colados um ao outro não conseguiam e nem podiam ouvir nada. Os gemidos de prazer os sufocavam. Ali naquele apartamento, nem o mais estrondoso ataque terrorista conseguiria ser ouvido. Não porque os amantes fossem muito barulhentos, mas sim porque estavam surdos.
O porteiro achou estranho Mariana sair daquele jeito do prédio. Ela parecia meio tonta, atônita, lesada. Mas ele só conseguiu resmungar. “Bebeu de novo a coitada”. Realmente, Mariana estava bêbada. Acabou com as duas garrafas de vinho que havia comprado para o encontro, as quais devorou, justamente, enquanto esperava o encontro. Enfim, Mariana saiu tonta, atônita, lesada e bêbada como um bêbado pelas ruas da cidade. Saiu para procurar Paulo. Nem sabia por que fazia isso, apenas fazia, sentiu vontade de fazer e fazia. “Paulo” gritava ela. “Paulo” , respondia o eco. “Cala a boca” respondiam uns domicílios irritados e insones, “Vai dormir” respondiam outros. Mariana vagou pelas ruas durante poucos metros. Para ela, uma eternidade. Andou poucos metros e avistou Paulo, imóvel diante de um sobrado. Parado olhando. Querendo entrar, mas não sabendo como. Começou a correr ao encontro dele, mas Paulo não percebeu e subiu as escadas que davam acesso à porta do sobrado. Mariana ficou ali olhando, amuada chorando baixinho, resmungando. Fazia cara de coitada e não sabia como agir. Queria subir, mas agora não tinha certeza se aquele homem que vira era mesmo Paulo. Pensou, pensou, hesitou e decidiu não mais pensar.. Foi atrás do homem. “Quem pensa muito refreia os instintos”, pensou ela. “E quem refreia os instintos não vive” , pensou ele ao adentrar a sua nova casa.

Casa de lá, casa de cá
Paulo acordou com aquele gosto amargo na boca. Ainda eram quatro da madrugada, mas havia ficado sem sono. Havia tomado um porre fenomenal. Acordara, se espreguiçara e fora direto ao banheiro olhar seu rosto amarrotado no espelho. Passou uma água na face. Despertou. Olhou no espelho novamente e lembrou de Mariana. Seu porre não fora tomado sozinho, teve a companhia inebriante de Mariana. Mariana. Mariana. Grande Mariana sussurrou Paulo, deixando a marca de sua respiração no espelho. Saiu do banheiro, entrou no quarto e olhou a cama. Lá estava ela, dormindo e babando no travesseiro. Roncava, mas roncava com um charme que fez Paulo ter vontade de transar com ela outra vez. Finalmente, Mariana havia voltado para casa. Finalmente, Mariana havia voltado para seu marido. “Eu sou seu homem”, sussurrou Paulo no ouvidinho de Mariana enquanto se inclinava para beijar sua bochecha direita. Paulo deitou-se ao lado de Mariana outra vez, cobriu-se e fechou os olhos. Resolvera dormir de novo. Amanhã seria mais um dia árduo de trabalho, mais uma batalha para vencer.
Paulo dormiu. Mariana acordou. Simplesmente para olhar ao redore se certificar de que seu maridinho querido estava ao seu lado. Ela não contou por onde havia andado. Não mencionou Lúcio. Paulo também não perguntou. Paulo não quis saber de nada. Para Mariana não compensava contar, afinal já não gostava mais de Lúcio. Ele já não era mais seu amor. Mariana fechou os olhos e dormiu o sono dos justos mais uma vez.
No outro lado da cidade, estava Suzette. Recostada em uma pilastra, ela tomava o café da manhã em uma xícara inexpressiva e observava pela janela, da altura do décimo terceiro andar, duas criancinhas que brincavam no parque de fronte ao prédio. Suzette por um instante, teve a certeza de que aquelas duas crianças eram suas irmãs, mesmo sabendo que sempre fora filha única. Apenas um instante. Um instante feliz, mas apenas um instante. Suzette recostada na pilastra lançava um olhar desolado ao encontro de coisa alguma. Ela era uma pessoa infeliz a maioria do tempo, mas havia parcos momentos em sua vida que se tornava feliz, plenamente feliz, ludicamente completa e esse era um desses momentos. Finalmente, havia voltado para Lúcio, depois de cincos anos de separação, ele deixara aquela namoradinha imbecil e resolvera voltar para ela, ou será que era ela que havia voltado para ele. Tanto faz. Estavam juntos e isto bastava. E ela que achou que o encontro não fosse acontecer. Lúcio, Lúcio, Lúcio. O desgraçado consegue a mulher que quer.
Recostada na pilastra, Suzette nem percebeu quando Lúcio chegou mansamente a suas costas e lhe acariciou o pescoço. Lúcio pensava em Suzette. Suzette pensava em Lúcio e sorriu quando sentiu que ele havia acordado.
- Bom dia! Você já não está atrasado? É que achei você tão bonitinho dormindo. Não quis acordá-lo
- Não estou mais atrasado para nada. Fui demitido ontem, mas o benefício é gordo.
- Então voltemos á cama.
- Mas não para dormir não é?
- ...

Por Bruno Moreira
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