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Contos-->A mulher do Shopping -- 20/11/2000 - 10:54 (Maria Angela Sena Gomes Teixeira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A MULHER DO SHOPPING
Angela Teixeira - 29 de junho de 2000


Estava ela, lá, estirada no mármore frio do Shopping, trajava uma roupa comum, sandália de saltos alto, tinha acabado de cortar o cabelo e isso podia ser observado porque ainda restavam fios pequenos pelo pescoço. Estava levemente maquilada, usava óculos e aparentava 45 anos ou um pouco mais. Sua idade era difícil de precisar; morena, corpulenta, pesava uns 90 quilos bem distribuídos, a exceção de uma volumosa barriga, descuidada. Aos poucos, começaram a juntar pessoas e o dono de uma farmácia, trazendo um tensiômetro, tentava desvendar o que se passava: se a cidadã estava viva ou morta. Ao mesmo tempo, seguranças providenciavam um táxi para levar a mulher a algum hospital. Duas mulheres suspenderam o seu braço e tomaram a bolsa tentando identificá-la para, a partir daí, emitirem alguma opinião sobre para onde levá-la. Lá estava o celular. Pela última chamada, era possível manter algum contato, a carteira e a identidade, o cartão de saúde. As duas pensaram logo em resolver a situação, imaginando... e se fosse comigo?! O tumulto estava criado no shopping e logo o administrador queria resolvê-lo, uma vez que isso não ficava bem para o estabelecimento. Todos em torno daquela mulher tinham algum pensamento e invariavelmente se colocavam no lugar da criatura. Sorte da mulher que aparentava ser gente de alguma posse, pelo menos tinha cartão de saúde particular e isso definia que para um hospital público ela não deveria ser levada. As duas mulheres se apresentaram como voluntárias para companhia e junto com os seguranças a levariam para uma emergência privada mais próxima.
Naquele dia, todos teriam o que contar em casa e o caso foi contado em todas as lojas, em todas as livrarias, nos restaurantes, nos cafés. Mas quem era essa mulher, coitada? Que destino teve, o que aconteceu com ela? Será que estava viva? Acho que sim, pelo menos foi o que disse o farmacêutico. Mas, que mal lhe acometera? As duas mulheres não disseram o seu nome? Por que não perguntou? Será que era alguém conhecido? Descreva as suas feições... ela estava babando, se batia? Será que foi um ataque de epiléptico?
Comentaram que ela ainda abriu os olhos e chamou pelos filhos. Pela idade os filhos devem ser adultos. Será que foram avisados?
Todos gostariam de ter acompanhado aquela mulher e saber a sua história verdadeira, mas mesmo sem saber todos imaginaram a sua vida colocando um pouco da sua história naquilo tudo.
Um homem dirige-se a outro a seu lado, depois do tumulto desfeito, e diz: ela tem uma cara conhecida. Estou tentando lembrar. Acho que foi professora de meus filhos. O outro responde, é uma cara comum, de mulher baiana, a gente sempre tem a impressão que conhece. Não, não, estou tentando me lembrar. De qualquer modo, eu que sou espírita e tenho muita intuição, acho que é uma pessoa do bem, ela tem uma cara boa e me passou uma boa energia. Sei lá, quem vê cara, não vê coração. Pois é, será que ela teve alguma coisa no coração? O administrador se volta para algumas pessoas que ainda restavam no local e pergunta: alguém observou se ela estava com chave de carro? Um garoto, de uns treze anos de idade, responde que sim e dá os detalhes: era um carro da Fiat, eu vi, tenho certeza. Sou ligado nisto.
Ouve-se um choro, alguém se descontrola e começa a gritar, suar frio e dizer que também vai desmaiar ou talvez morrer... era uma jovem que entra em pânico, imaginando que poderia ocorrer o mesmo com ela e que ela não tem cartão de saúde particular e pede pelo amor de Deus que a levem para uma clínica de um amigo, em Brotas. Aparece uma moça, psicóloga e diz muito baixo, quase entre os dentes. Ela está tendo uma crise de histeria, é o que hoje chamam de síndrome do pânico. Um copo com água e um calmante vai ajudá-la a voltar ao normal. O administrador comenta, de forma bastante violenta: afinal, já tivemos muito trabalho por hoje, levando aquela gorda para o hospital. O outro pensa ... que desalmado, mas ele tem razão. Onde vamos achar tantas pessoas dispostas a socorrer alguém, gratuitamente, num mesmo dia.
Um vendedor de uma loja se aproxima do grupo e oferece uma cadeira para a mulher se sentar. Segue com ela um pequeno cortejo, formado por pessoas que ficam perambulando, sem ter mesmo o que fazer, e achando ótimo a novidade. Enquanto acalmam a jovem dando a ela um copo de água, telefonando para sua casa, o vendedor relata que viu a hora em que a mulher tropeçou no salto, que era muito alto, e caiu no chão batendo a cabeça. Se tivesse gelo era tiro e queda, num instante ela ficava boa. E aí que começou a discordância. Outro vendedor disse que estava olhando para a mulher na hora e que ela não havia tropeçado nada. O tropeço já era o resultado do mal estar. Cara! Ela pôs a mão no coração, como se estivesse sentindo alguma pontada. Eu vi quando o rosto dela se contorceu de dor. Ela é conhecida, deve morar aqui por perto porque está sempre no shopping. Ela vem acompanhada dos filhos, e às vezes só da filha que é uma moça muito bonita. Não quis me meter porque só conheço de vista, ela nunca comprou aqui e o meu gerente não ia gostar de que eu saísse do meu posto. Era hora de almoço e os outros vendedores tinham saído para fazer o lanche. Quando vi essa outra moça começar a passar mal, não me agüentei, meu dever de cristão falou mais alto. Além do que esse caso parece ser menos grave do que o da outra mulher. Pra mim ela teve foi um negócio no coração, sei não... Mas como é que a gente vai ficar sabendo? Só se a gente for ao hospital, isso porque o administrador deu ordem aos seguranças de apenas deixar ela na porta da emergência e voltarem logo. Um senhor, que até então havia ficado calado, disse: me arrependi depois que não fui junto. Fiquei depois pensando se aquelas duas mulheres não forem gente séria é capaz de fazerem uma malvadeza, não avisar a família, roubarem o dinheiro, cheque e os cartões dela. Que irresponsabilidade, disse, pensando baixo no administrador e na falta de cuidado com os clientes. Saiu cabisbaixo, remoendo suas culpas. Estava indo para seu analista e teria uma história para contar. Refletiu sobre as culpas, e aquilo foi tomando uma proporção enorme. Meu Deus! Tenho que fazer alguma coisa rápido, senão acabo nervoso e aos gritos como aquela outra mulher, aquela outra que começou a se tremer. Depois dizem que é só mulher que tem histeria. Isso que estou tendo é pura histeria. Vou sair do shopping, estou sentindo um abafamento e daqui a pouco tenho um treco aqui mesmo. Será que vou conseguir dirigir? Vou andar até a floricultura, respirar um pouco de ar para ver se me acalmo; assim como estou, não consigo dirigir; minhas pernas tremem e sinto vontade de defecar. Mas é nervoso, tenho que me acalmar, tenho que me acalmar...
O gerente da loja volta e não gosta daquele “ouriço” na loja. Chama o vendedor e pergunta: o que está passando pela sua cabeça, já vieram me contar que você ofereceu cadeira, água, etc. Você está querendo fazer a sua caridade do dia? Quer demonstrar que é um bom cidadão? O vendedor gagueja e tenta explicar que foi dever de cristão, que não tem nada a ver com essa coisa de cidadão. Que ele não suportou ver duas pessoas passarem mal na sua frente e ele não fazer nada. Não é todo dia que acontece uma coisa dessa no shopping. Peço desculpas, foi uma reação incontrolável, além de mim, da próxima penso duas vezes. O gerente se aproxima da mulher que já estava mais calma e ela agradece a solidariedade e diz que nunca havia comprado ali e que de agora em diante ia se tornar freguesa. Só aí o gerente observa que se trata de uma moça bonita, pernas torneadas e passa a tratá-la simpaticamente, melhor dizendo debochadamente, com ar de malandro, de lobo mau. A mulher percebe e quer rapidamente desvencilhar-se. Rapidamente o seu pânico se transforma em outro sentimento e pensa nunca vi tamanha ousadia! As pessoas que antes estavam ao seu lado começam a se dispersar e voltam a falar da outra mulher e do seu destino.
Voltam os seguranças e passam em silêncio. Um senhor, que esteve todo o tempo sentado no banco, fumando um cigarro atrás do outro, chama pelos seguranças e eles dão com a mão dizendo com gestos que não podem falar. O senhor levanta-se e tenta acompanhar os passos dos seguranças que aceleram e entram no elevador, deixando o senhor para trás.
Ele volta a sentar-se no banco e continua imaginando o que sucedeu àquela mulher, lembrou-se de sua esposa e do que havia ocorrido com ela. Se ela tivesse sido socorrida, não estaria morta. Pede a Deus que lhe tire aqueles pensamentos, pois não agüenta mais aquelas lembranças. Depois da morte da mulher, assim, de repente, ele não tinha mais sossego. A sua vida perdeu o sentido. A sua mulher era quem cuidava de tudo para ele depois que ele se aposentou por invalidez. Morava perto do shopping, num condomínio de funcionários públicos, tinha sido policial e não sabia fazer outra coisa, ficou inválido porque levou uma bala perdida bem na virilha e ficou manco, não servia mais para o serviço. A sua mulher era muito dinâmica, vendia roupas em casa, tinha uma boa freguesia e ele ajudava na contabilidade, não tinham tido filhos e preenchiam esse vazio cuidando de gatos e canários. Nunca tinha gostado de beber e por isso fez poucos amigos. A mulher era sua verdadeira companheira. Pensava na outra, que foi socorrida, e imaginava e se ela tivesse um marido como eu, que estivesse esperando por ela. Coitado dele, e pensando nesse marido imaginário sentiu que as lágrimas lhe brotavam aos olhos... aquele líquido quente começou a rolar e ele sentiu vergonha, ficou constrangido, será que alguém está vendo? Tirou o lenço, enxugou as lágrimas e acendeu mais um cigarro para disfarçar.
Naquele momento passa o administrador do shopping, com os seguranças, todos em silêncio. Ele esboçou um sorriso amarelo, não podia falar porque ainda estava tomado de emoção e com isso perdeu a oportunidade de ter notícias. Viu quando duas pessoas se aproximaram do administrador, um deles era o farmacêutico. Que droga! estou eu aqui, como uma criança e ainda por cima manco, por isso perco a oportunidade de saber alguma coisa sobre a mulher, algo que de algum modo pudesse acalmar meu coração.
O administrador sai sozinho, um carro com motorista já esperava por ele. O vendedor da loja pensou: parece que as coisas se complicaram para ele, vai ver que a polícia quer fazer algumas perguntas. Sendo assim, a mulher deve ter morrido... O senhor conseguiu se levantar do banco e foi falar com o vendedor que estava à porta do estabelecimento com cara de intrigado. Que você acha? Ele fala do que está imaginando. O senhor diz: basta para mim hoje. Amanhã eu volto; se souber de alguma coisa, arrume um tempinho e ligue para mim e dá o número do telefone e segue seu caminho, aflito.
O vendedor passa a tarde atendendo os poucos fregueses que aparecem naquele dia. O shopping, não sei por quê, está triste hoje. Parece que todos foram tomados por aquela dor desconhecida. As horas passam devagar, o administrador que não volta, os seguranças que desapareceram, o farmacêutico que se escondeu na farmácia e não mais pôs o pé de fora.
No dia seguinte, logo que as lojas abrem, aparece aquela mulher vistosa, gorda, maquilada levemente, irreconhecível. Era ela? O vendedor corre à porta da loja e dá um psiu, ela se volta. Ele corre até ela e pergunta: foi a senhora? Foi, responde ela com um sorriso. Todos aqui estamos angustiados, que aconteceu? Nada, apenas estava sem dormir há vários dias, trabalhando. Foi uma tontura, um mal estar passageiro. No táxi mesmo pedi que me levassem para casa, precisava dormir. Voltei hoje para jogar na loteria, porque ontem, com aquele desmaio não consegui fazê-lo. O vendedor suspira fundo. Seu suspiro tem algo de alívio e algo de indignado. Corre ao telefone para falar com o senhor que havia saído tão transtornado. Conta-lhe o ocorrido e do outro lado só se ouve o silêncio e o ruído de queda da ligação.

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