Manhã de segunda-feira, o primeiro barulho que se ouve no apartamento é a música sem harmonia do relógio - despertador. O homem recém - acordado nem se levanta , apenas ergue o braço e procura, tateando com os dedos, o culpado pela zoada inoportuna. Vai achá-lo em cima da estante de livros. Silêncio restabelecido, o homem permanece na cama. De olhos fechados, ainda se acostuma com a idéia de mais um dia de trabalho.
O leve aconchegar de sua cabeça no travesseiro lhe traz de volta a vontade inextinguível de dormir. Para espantar o sono, o homem resolve despertar de vez. Em um impulso homérico ergue seu dorso até deixá-lo em posição vertical. Sentado, espreguiça-se e, novamente, o silêncio matinal é interrompido, dessa vez, pelo estalar dos ossos de sua coluna.
Um bocejo, uma piscadela e o homem se levanta; vai lavar o rosto na pia do banheiro. Dores em todo o corpo, ele mal consegue realizar o primeiro asseio do dia. Esta maldita insônia! Dentes escovados e olhos livres de remela, ele se despe sem aparente vontade. Nu, abre a porta do boxe e gira a torneira mecanicamente, deixando cair à água quente sobre os cabelos, ombros e pernas. Pronto, ali começa seu dia.
Banho tomado, agora consciente, o homem enrola-se na toalha ao sentir a mudança brusca de temperatura sobre as partes baixas. De volta ao quarto, procura dentro do armário, no emaranhado de roupas amassadas, o terno e a calça social; peças solitárias entre inúmeras camisas hering e bermudas rasgadas sem marca. Retira do cabide aqueles objetos estranhos, que junto com a camisa social irão compor sua vestimenta de trabalho, e os coloca sem preocupar-se com a aparência amarrotada. Veste as meias marrons e a gravata da mesma cor que estão jogadas em cima do mancebo de metal. Faltam apenas os sapatos, mas antes o desjejum.
Na cozinha, prepara o café e começa a esquentar o leite. Pão adormecido. Abre a geladeira. Manteiga. Fecha a geladeira. Café coado. Leite a transbordar na panela. Mistura feita, resta apenas mandar tudo pra dentro. Olha o relógio instalado na parede. Está atrasado. Ele e o relógio. Mas quando se prepara para sorver o primeiro gole daquele que parecia ser o mais delicioso café com leite dos últimos tempos, o telefone toca na sala e o ele corre para atender.
- Alô? Quem é? Como assim? Não acredito! Mas aconteceu isso mesmo? E ninguém notou nada? Ontem à noite! Só? Meu Deus! Meu Deus do céu! Tô indo pr’aí. Que se dane o trabalho, tô indo pr’aí!Até.”.
Telefone desligado, o homem calça os sapatos e sai. Na cozinha, solitários, permanecem o café com leite e o pão com manteiga, cujos destinos, mais tarde, serão a pia e o lixo, respectivamente.