A festa estava preparada. Ali estava a sociedade mais requintada da cidade: o bispo, o governador, o prefeito, deputados, industriais, educadores, os médicos do hospital, o comandante da polícia militar, o general comandante da região militar,o comandante do corpo de bombeiros, o presidente do Tribunal de Justiça, o cônsul, enfim, o que de melhor havia naquele conglomerado urbano. O palanque estava armado no centro da praça e havia flores e balões espalhados pelos quatro cantos do logradouro. O evento seria trasmitido pelos maiores emissoras de televisão, os repórteres estavam com suas minipranchetas e gravadores apostos; os fotógrafos com suas câmeras,enfim, um cenário perfeito para um grande acontecimento.
Aos poucos, o povo começou a tomar lugar perto do palanque, enchendo rapidamente o espaço destinado aos espectadores. No palanque, fazendo pose para as fotografias, políticos antegozavam as manchetes e os comentários a seu respeito.
De repente, silentes e solenes, dos quatro cantos da praça, começaram a surgir vultos estranhos: mendigos com roupas rotas e sujas; aleijados com muletas; loucos com ostensiva demência estampada no rosto; doentes com feridas expostas, faixas atando partes do corpo; anões, hidrocefálicos; desdentados, corcundas, esquizofrênicos.
Eles tomaram a praça e fizeram um grupo imenso e compacto, rindo e chorando, fazendo gestos, dançando, cantando, gritando, vociferando, exigindo atenção.
O povo, lentamente, se dispersou. A banda de música parou de tocar, os políticos foram embora, as damas fugiram amendrontadas.
Um único repórter ficou ali, como que maravilhado pelo espetáculo do lado escuro e feio da sociedade.
E o jornal, no dia seguinte, comentou: Os deserdados da sorte fizeram a grande festa da cidade no dia de ontem.