O menino corria, empurrado pelo vento, empinando a pipa que o pai fizera para ele no domingo. Sorria, fazia gestos, quando o brinquedo subia mais alto. Na sua fantasia de criança, via anjos voando na rabeira da pipa, loucos para laçá-la. Depois imaginava dragões lutando por ela, e ele dava mais linha para que subisse mais e mais alto, e assim escapasse de ser capturada. Queria que ela entrasse nas nuvens e chegasse até Deus. Não se cansava. Corria, como a sua imaginação, pela estradinha de terra. Corria de costas quando caiu num buraco. Tentou sair, não conseguiu. O buraco tinha uns dez metros de profundidade. Gritou, ninguém ouviu. Chamou pela mãe. Começou a chorar, pois tinha medo do escuro e dentro daquele poço era muito escuro. Estava com tanto medo. O medo era tão grande que fazia dele uma formiguinha enroscada com a cabeça entre os joelhos.
As horas foram passando. Olhou para cima e viu que o dia estava indo dormir de tão cansado que estava. Sentiu vontade de fazer xixi, mas como se não podia sair do buraco. Fez ali mesmo. A fome e a sede ele não tinha como saciá-las. Olhou para cima e viu uma estrela. Já era noite. O poço estava mais escuro ainda. O medo aumentava. Por um momento ele pensou ter ouvido passos. Gritou. Nada. Ninguém respondeu. Parecia que o mundo ficara deserto de repente. E a pipa – pensou -, será que Deus a recolheu? Ou será que outro menino estava com ela? Lembrou-se de uma musiquinha que sua mãe cantava para ele adormecer. Cantarolou. O desespero chegou com toda a sua força. Gritou, gritou até sentir que a garganta doía.
Adormeceu naquela posição incômoda. Sonhou. Sonhou que uma enorme pipa pairava sobre a boca do buraco com uma rabiola dourada que chegava até ele. Agarrou-se a ela e subiu. Subiu até ver o buraco lá do alto. A pipa continuava a subir, e passando por entre as nuvens chegou ao espaço. Olhou ao seu redor. Ninguém. Só ele, a pipa enorme e as estrelas brilhando num fundo negro. Pensou que houvesse morrido. Quando acordou viu todo o esplendor do sol na boca do buraco. Estava vivo, mas ainda dentro do buraco. Quem sabe algum dos seus amiguinhos estaria brincando por ali. Gritou muito. Nada.
E novamente o dia foi embora, a noite chegou com a lua vestida de dourado com seu manto negro bordado de estrelas. No dia seguinte choveu, e ele aproveitou para matar a sede. A fome continuava lá, roendo as paredes do estômago. Bebeu a água da chuva e sentiu amenizar um pouco a dor. Bendita seja a água que engana a fome.
Foi no sétimo dia, ou melhor, na sétima noite que aconteceu. Ele, depois de gritar muito, rezou. Rezou como só as crianças sabem fazer.
- Deus, avise a minha mãe e ao meu pai onde estou. Diga que estou com saudade deles, que estou com muita fome e frio, que estou com muito medo de ficar sozinho nesse buraco. Queria tanto que viesse alguém para me tirar daqui. Deus, se senhor está zangado porque eu quis que pipa chegasse até o céu, me perdoe. Eu só queria que o senhor visse a beleza de pipa que o meu pai fez. Deus, eu peço que não me abandone aqui. A minha mãe sempre fala do senhor. Ela diz que o senhor ama as crianças e que perdeu seu filho nas mãos dos malvados. Eu espero que o senhor não deixe a minha mãe me perder, ela não suportaria. Amém.
Terminada a prece, ele olhou para cima e viu uma moça sentada à borda do buraco. Ao redor da moça havia uma claridade, uma luz branca que ele nunca vira igual. Era como se a aurora surgisse sobre a cabeça dela formando um manto. Ficou feliz e implorou:
- Moça, me tira daqui! Minha mãe deve estar preocupada porque eu não voltei pra casa. A moça prontamente respondeu:
- Espera, meu filho, a hora está chegando. Você não está só.
- Como não? Estou aqui faz dias. Grito, grito e ninguém me escuta... Acho que vou morrer aqui, pois nem Deus ouviu o meu grito.
- Lembra da oração que fez e do pedido?
- Lembro.
- Então, eu estou aqui...
- Me tira daqui, moça! Por favor...
- Ah, meu querido, a minha função é tomar conta de você até que chegue a pessoa que o tirará daí.
- E como você me achou aqui, se ninguém ouviu os meus gritos?
- Isso você entenderá quando for um homem maduro e fizer um balanço de sua vida. Compreenderá tanta coisa, inclusive este momento que vive agora.
Ele chorou sem esperança. A moça, condoída, estendeu a mão no ar e ele sentiu o afago nos seus cabelos. Como – indagou em pensamento – se estava num buraco fundo e aquela moça, lá em cima, conseguiu passar a mão na sua cabeça se ela tinha braços normais? Não disse nada, só chorou mais forte.
Enquanto isso os pais, em desespero, procuravam por todos os cantos do bairro aquele menino de treze anos, desaparecido misteriosamente. Já estavam no nono dia e nada do garoto. Até que um seu amiguinho lembrou de tê-lo visto naquela estradinha empinando a pipa. E todos partiram para lá. Foi quando a moça lhe disse:
- Que tal gritar mais uma vez? Ao que ele respondeu:
- Não adianta, ninguém vai ouvir...
- Vamos, tente, quem sabe!
- Não tenho forças.
- Vamos, meu filho, tente só uma vezinha.
Então ele pôs na garganta tudo que restou das suas forças e gritou:
- Mãeeeee, me tira daqui!
Alguém da comitiva de busca ouviu e gritou:
- Pessoal, é a voz do Marquinhos.
Lágrimas de alegria e felicidade em todos os rostos diante do milagre. Foi muito trabalho para retirá-lo daquela profundidade. Finalmente saiu. Abraçou os pais, que entre lágrimas, agradeciam a Deus ter encontrado o menino vivo. Enquanto todos comentavam o acontecido, Marquinhos olhava para todos os lados procurando a moça que ficará ali conversando com ele.
- Está procurando o quê, meu filho?
- A moça que estava sentada na borda do poço?
- Filho - disse a mãe -, não havia ninguém aqui.