“Não dá mais”, disse Lúcia, uma bela jovem de pele alva, olhos negros e cabelos castanhos. “Como assim, não dá?”, interpelou Antônio, um jovem simpático, de feições não tão belas e gestos aparvalhados.
Estavam sentados à mesa de um café e ambos não aparentavam estar precisando de alguma coisa naquele momento. “O que desejam?”, indagou o garçom. “Nada”, respondeu secamente Lúcia. Diante da cara desconcertada do rapaz, Antônio, sempre solicito, tentou remediar a situação. “Não queremos nada no momento. Podemos ficar aqui, só conversando? É rápido.” O garçom saiu sem nada dizer.
Mas Antônio sabia que não iria ser rápido. Depois daquela frase, ele ficaria horas tentando entender o que já parecia muito claro para Lúcia. Sua namorada?
- Hein? Como assim, não dá?
- É isso que você está pensando. Não quero mais, chega!
- Mas...Lúcia. Eu te amo!
- Pode ser Antônio. Eu compreendo. Achei que te amava, mas vi que não consigo.
- O que é? Você tem outro não é? Eu já sabia!
- Viu como você é. Por isso que eu decidi ser seca. Você não sabia de nada, porque não há nada. Simplesmente estou infeliz, descontente e acho que boa parcela dessa infelicidade e descontentamento é por sua causa.
- Nossa! O que eu fiz para você ficar desse jeito.
- Não vou dizer que você não fez nada e que a culpa é minha e que eu que não soube te amar. Não, não vou dizer estas baboseiras clichesísticas. Sim, a culpa é sua, mas também é minha ... aliás, a culpa não é de ninguém. Ninguém tem culpa. Você sempre foi você e eu sempre fui eu. Mas agora eu cansei. Não quero mais!
Antônio coçou a cabeça. Fixou-se no nada. Seus olhos subitamente viraram duas piscinas transbordantes de lágrimas. Mais aparvalhado do que nunca, não sabia o que fazer com as mãos. Na realidade, nunca soubera. Onde se metera sua altivez? Seu orgulho? Por que não a mandava para o lugar onde viviam os padrecos pedófilos e os advogados em geral? Neste momento engasgava-se com a angústia de saber que não podia fazer mais nada, a não ser suplicar, chorar, espernear, por algo que não era mais seu. Que de fato, nunca fora. Ah, como era fácil ser vítima! E como ele estava acostumado a ser vítima. Antônio não quis fazer nada. Com uma lucidez espantosa, reconheceu a derrota, mesmo depois de mais algumas tentativas. Ele seria infeliz se não tentasse. Estava perdido, mas sabia que não podia culpar outra pessoa mais perdida ainda. Enxugou as lágrimas e disse:
- O.K! Tudo bem! Mas antes de irmos embora e nunca mais nos vermos, gostaria de fazer só mais uma pergunta.
- Qual é?
- O que você pretende agora? Melhor... o que você deseja de um novo relacionamento?
- Antônio, já te disse que eu não estou com ninguém. O que eu pretendo? Sei lá!
- Você não me entendeu. Eu perguntei, assim, genericamente. O que você pretende em seus próximos relacionamentos? Você disse que não era feliz comigo. É isso que você busca, a felicidade?
- As coisas não são tão simples assim, Antônio. Mas sim, é isso que eu busco, a felicidade. Primeiro, eu quero alcança-la sozinha, depois dividi-la com alguém que eu ame, principalmente com alguém que eu admire.
- A vida inteira?
- Se possível ... a vida inteira.
- Mas isso não é possível, amar alguém a vida inteira, admirar alguém a vida inteira. Pelo menos assim, como marido e mulher.
- Deixa de ser agourento! E além do mais, você não acabou de dizer que me amava e que não pensava sua vida sem mim?
- É! Mas isso é agora! No futuro não sei se pensaria assim. Com certeza, não pensaria assim. Viu, neste momento já começo a pensar diferente. Te olhando agora, de um diferente ângulo... você já não me parece tão especial.
- Bem, sua pergunta já foi respondida, Antônio. Não quero começar a ouvir desaforos. Uma pena que tenha terminado assim, de uma forma tão seca. Mas há outra forma de acabar um namoro, quando um dos envolvidos ainda ama loucamente o outro?
- Valeu pela alfinetada! Sua arrogância me comove.
Lúcia levantou-se lentamente. Seus gestos sempre foram muito calculados e daquela vez, apesar de tudo que ouvira e dissera, seu humor parecia não ter sido muito afetado. Apenas acenou com a cabeça para Antônio, virou-se de costas e saiu, balançando levemente as ancas, rumo a porta de saída.
Contudo, antes de deixar o recinto, ela ainda ouviu o último discurso de Antônio, talvez o mais tolo. “Mas olha Lúcia, saiba que nunca, mas nunca mesmo, irá encontrar a felicidade. A felicidade não existe, Lúcia. Pelo menos, não na forma que você conhece e deseja. É preciso modificar o mundo aos nossos olhos, para nos tornarmos pessoas realizadas, Lúcia. Este homem que você procura, o qual você irá amar para sempre. Este homem não existe, a não ser em seu pensamento. E um dia, Lúcia, cansada de procurar e já amaciada pelo peso da idade, irá encontrar uma pessoa igual a mim, humana, igual a mim, e irá aceitá-la e amá-la para sempre. E já esgotada, você achará este homem, que sou eu, a pessoa mais linda do mundo. Ele se tornará divino diante de seus olhos. Você o adaptará a suas expectativas. Aquele homem limitado, envelhecido e acomodado, que sou eeeuuu!”. Dito isso, Antônio deitou a cabeça sobre as mãos espalmadas e começou a chorar mais uma vez. Sem aplausos, por favor!
Por Bruno Moreira