O que é pior, disse Antônio para si mesmo, enganar ou ser enganado? Sussurros. Enquanto este pensamento martelava sua cabeça, Antônio prosseguia num caminho torto, rumo a um destino sem nome, sem forma e sem timoneiro. O que é pior: enganar ou ser enganado? Ele não queria saber, apenas perguntar. A pergunta lhe fazia bem; dava a ilusão de escolha. E todos sabiam, ele muito mais, não havia escolha. Não havia preto ou branco; amarelo ou azul; verdade ou mentira; eu ou você. Havia somente aquilo que ele iria fazer sem pestanejar. Convicto.
Mas Antônio sabia, mais do que ninguém, que esta decisão aparente era resultado de inúmeras batalhas internas. Como havia tentado evitar que as coisas chegassem a este ponto. Quantas tentativas de tentar encontrar outra solução; quantas maneiras de fazer o bem e não o mal. Mas agora não havia bem, não havia mal, somente aquilo que iria fazer. Foram as contingências, ele pensou, as contingências.
Suava em demasia. Mãos, couro cabeludo e axilas. Não havia dúvidas. Não havia outra estratégia. Parou. Mais uma vez, relembrou todo o plano. Passo a passo, tudo aquilo que iria fazer minutos depois. Nada poderia dar errado. Nada iria dar errado, contudo, suas mãos suavam, seu couro cabeludo e suas axilas.
O que é pior: enganar ou ser enganado? Tanta humilhação não poderia passar impune assim. Tanta humilhação não iria passar impune. Na missa, o padre lhe sussurrava ao pé do ouvido: “Ofereça a outra face”. E Antônio entendia: “Seja humilhado, massacrado, aviltado e sorria, pois é isso que eu quero, já que estou com a bunda, confortavelmente, instalada, no patrimônio da Igreja católica”. Mentira, Antônio não pensava isso. Como poderia, ele tinha apenas sete anos na época. Quem pensava isso, era o Antônio de hoje; o das contingências; aquele que havia sido impelido a tomar uma atitude drástica. Destino? Antônio sabia que este não poderia ser o seu destino. Quando na vida, havia pensado que fosse chagar aos trinta anos assim: sem saída, sem opções, sendo obrigado a tomar sua vida pelas rédeas.
Ser ou ter?, pensava Antônio. A maioria das pessoas passa a vida inteira querendo ser alguma coisa: honesto, leal e trabalhador. A maioria das pessoas não tem nada. O que é pior: enganar ou ser enganado?. Mas não havia escolha. O mundo não havia lhe deixado outro legado; a vida não havia lhe deixado outra alternativa; a história havia lhe empurrado até ali; as contingências eram sempre as contingências. E assim, com tanta coisa lhe dizendo o que fazer; a ele e a sua individualidade não haviam restado muito, apenas ir a favor da maré.
Estacou. Face congelada. Olhos arregalados, como se milhões de pensamentos houvessem lhe visitado ao mesmo tempo. Sobrou aquela velha pergunta: “O que é melhor: enganar ou ser enganado?”. Antônio nunca haveria de se livrar daquele seu instinto de rebanho. Voltou para a casa e abriu o jornal. Enquanto procurava alguma coisa no caderno de empregos, disse baixinho: “Ser enganado, sempre é melhor ser enganado. E eu tenho outra opção?”.