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Contos-->RESPOSTAS À VIDA -- 01/11/2004 - 22:53 (Antonius) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era ainda garoto - tinha treze, quatorze anos - não me lembro exatamente quando testemunhei este fato inusitado e único em minha vida, sei que jamais esqueci o que vi e principalmente o que ouvi, e deixo, com minhas palavras, a página daquele sucesso que teve como cenário um campo de várzea em uma fria manhã do inverno paranaense.

Naquele dia eu corria como um desesperado, mais para manter-me aquecido do que propriamente com intuito de jogar futebol. E bem em verdade, penso hoje, que todos os moleques faziam o mesmo. Fugíamos dos contatos, mas estes eram inevitáveis. Um destes contatos teve uma pegada mais forte.
Um "carinha" de nosso time, o Luizinho "dividiu" uma bola com um tal de "Zanella" e o tal do "branquelo sardento", assim o chamávamos em "off", partiu para o revide. Foi aí que a casa caiu.

Havia uma certa rivalidade entre nós por sermos da cidade e eles um time de fazenda, e isto nos faziam diferentes: estúpidos, assim acreditávamos. Após alguns empurrões daqui, uns chutes dali; muitas ofensas de parte a parte com palavras impublicáveis, os maiores entraram na briga e a pancadaria se generalizou. Não sei se bati em alguém, mas com certeza apanhei muito. Fiquei com saldo de uma contusão na perna que doeu alguns dias, um corte na boca, um olho dorido, e, principalmente, muitos desafetos na fazenda São Pedro, a maior da região. Destes detalhes lembro muito bem.

Quando a coisa começou a assentar sobrou para o Julho e o "Café", dois brigões reconhecidos na cidade, o ensejo de manterem a chama da rivalidade. Não demorou muito e os dois recomeçaram a bestialidade.

Com a molecada a gritar entusiasticamente às voltas, os "grandões" trocavam violentos socos.

Entusiasmado com a briga não demos conta de um homem que se aproximou. Um velho que arrastava a perna direita e trazia na face, as marcas de décadas de lutas; nos cabelos e na barba mal feita trazia a neve de quem já vive os dias do inverno da existência.

Postou-se próximo dos rivais que àquela hora rolavam no chão, na grama gelada pelo orvalho que nem o sol do meio dia conseguiu aquecer, e deixou transparecer um sorriso melancólico, talvez de piedade, talvez por ironia, ou quem sabe, simplesmente achou aquilo tudo muito engraçado.

Voltou os olhos para nós, que, como por encanto, silenciamos. Enquanto os garotos que se arrastavam no gramado pararam de brigar, mas não tiveram forças para erguerem-se.

Deu uma volta ao redor dos caídos e dirigiu-se em nossa direção - os expectadores - e foi face a face olhando no olho de cada um. Não o consegui fitá-lo. Intimidado baixei os olhos, assim como todos os outros. Ao menos os que pude ver se portaram tímidos ante o homem. Estávamos extasiados e envergonhados.

Retornou para junto dos lutadores, e de forma branda começou falar a nós que ouvimos como fossemos platéia interessada.

- "Bravo, meninos bravos!.
Viva a luta dos instintos!
Viva a arena e seus gladiadores!
Viva..., mil vivas, aos espectadores felizes!
Aplausos a força, ao sangue, ... às almas inglórias."

Por um instante parou de falar, como se a procurar palavras, ou talvez a nos dar tempo para resposta, mas ninguém ousou interpelá-lo, sequer conseguíamos nos mover, estávamos todos como imobilizados, sem contar que nada entendíamos, mesmo assim prosseguiu.

"- O que dizer das forças humanas?"
Surgem do âmago e explodem como vulcão. Um Vesúvio dormita em cada um.
Ah! Os vulcões. Lançam cinzas encobrindo vales, vilas, cidades ... Cospem suas lavas e queimam, corroem tudo que surgir à frente. Uma fúria de fogo.

O que dizer das forças ocultas que não vemos, mas que nos domina? As forças que mostra quem realmente somos. Quase sempre nos revela como vulcões, terremotos, tempestades. As forças que revelam as nossas tormentas.
Daí quando explodimos, lançamos terror, barbárie, estupidez.
Nos revela poderosos e incontroláveis.
Por isto que vivemos a nos arrastar, a nos embriagarmos de ignorância. Não conseguimos o controle interior, não temos o domínio sobre o vulcão latente em nosso íntimo.
Quando os desequilíbrios da vida nos cobram paciência, explodimos em irritação; quando nos cobram compreensão, explodimos em indignação; quando nos cobra sabedoria, explodimos em arrogância; quando nos cobram amor, explodimos em ódio.

Há também os vulcões adormecidos. Passam tempos estáveis. Aceitam os reveses e assimilam. Estes, porém, têm seus limites e quando as tormentas tornam-se fortes demais desestabilizam e também explodem."

Baixou os olhos em direção ao Julho e ao Café, estes se levantaram, contudo, ficaram imóveis olhando-se como dois boxeadores em início de luta: olho no olho. Nem a força moral daquele homem, conseguiu aplacar a rivalidade.

Foi até a pequena área do campo, onde o gramado apresentava falhas, pegou um pouco de terra, para em seguida, dar prosseguimento à palestra.

"- Vejam está terra. A mesma que dá vida às lavouras e aos campos que engorda o gado.
A terra que dá a vida... Terra... vermelha como sangue. Herança do vulcão adormecido.

Isto mesmo! Com a morte da fúria interior, sobrevêm os equilíbrios: tempo..., evolução...
E quanto a vocês? O que há dentro de cada um de vocês, hoje?

Fúria e desequilíbrio? Renovação e vida? Que respostas darão ao mundo, quando este vos cobrar paciência, tranqüilidade, compreensão, amor?

O mundo vive a cobrar respostas.

Cuidado ao dá-las!
Saibam: sempre que caímos, devemos ter a consciência que caímos em nossos próprios precipícios.
E sempre somos nós mesmos os primeiros a respiramos a atmosfera que criamos.

Saibam que um tiro como resposta não matou o sorriso de Paz;
A cicuta como resposta não matou a Sabedoria;
A cruz como resposta não matou o Amor.

Saibam que as respostas do homem não podem ferir o Eterno, portanto, sejam pelas respostas que traduzam Amor."

O velho fixou o olhar nos dois valentões que ali bufavam seu ódio, estendeu as mãos e perguntou:
- Que resposta vocês darão a mãos estendidas pedindo fraternidade e compreensão?

Os brigões nada responderam, viraram e se foram. Cada um pegou seu rumo.

O sábio em tom quase imperceptível repetiu a pergunta:
"- E para uma mão estendida pedindo compreensão, fraternidade?"
E conclui:
"- Para uma mão estendida pedindo compreensão..., fraternidade...: dá-se as costas!"
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