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Contos-->A última conversa do corpo e a alma -- 20/11/2000 - 23:50 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A última conversa do corpo e a alma



Trancado num cubículo entre seis paredes, a escuridão era total. Já não sentia dor, nem cheiro, nem sede, nem fome, nem frio, nem calor. Não sentia nada. No corpo inerte os vermes começavam seu trabalho natural de destruição da matéria. Algumas rosas jogadas de última hora furava-lhe a carne, permitindo que as formigas triturassem as células e em seguida fossem tragadas pela podridão interior.
Há menos de quarenta oito horas, esse mesmo corpo bebia alegremente numa festa entre muitos amigos e parentes. Na saída da festa veio o primeiro sinal. Uma dor violenta no peito. O corre-corre para o hospital, mais duas horas de tubos, choques, injeções e pronto. Tudo acabado. A mulher, os filhos, parentes e amigos do lado de fora do hospital receberam a violenta notícia. Está morto. Muito desespero, muito choro.

Os circunstantes inconsolados, seguiram o ritual madrugada a fora. O mais controlado providenciou a funerária, outro foi colocar o anuncio no jornal e avisar pelo telefone aos parentes e amigos.
O féretro seguiu para o velório, e foi sepultado no outro dia as nove da manhã. Muita gente, muitos amigos, ficaram durante o dia e alguns mais chegados, atravessaram a noite ficando até o final do sepultamento.

Enquanto tudo isso ocorria, a alma vagava no espaço sem fim, mas com a visão total dos acontecimentos. Esperava no éter o julgamento da vida, que seria mais cedo ou mais tarde. Para o espírito não existe tempo. Horas, dias meses anos, são frações de segundo. Além da visão, apenas a comunicação com o corpo em decomposição. A visão dos acontecimentos aflora os sentimentos subjetivos que falta ao corpo mas sobra na alma. O remorso, a saudade, o bem, o mal, a tristeza, a alegria, a compaixão, o perdão e o amor.

- Oi corpo! Estou te vendo ! Estás péssimo, se acabando ! É assim mesmo, nossa vida em comum terminou ! Agora cada um segue o seu destino. Como mortal tens que seguir a regra da natureza, voltarás ao pó. Eu no entanto, tenho que prestar contas do que fiz e do que tu fizestes, ou melhor fizemos juntos.

- Não pensava em vida que o meu fim fosse tão cruel e sem importância. - respondeu o corpo. Mas, conta-me, conta-me como foi nossas última horas ? Quem foi ao nosso enterro ? Quem chorou mais ? Quem realmente sentiu a nossa falta ?

Foi horrível, quando sentimos aquela dor no peito, vi o desespero de Lalinha. Parece que ele já sabia o que ia acontecer. Nos abraçou, disse que não era nada, mais soluçava, nos apertava, e acariciava nossos cabelos como se fora pela última vez. Depois que chegamos ao hospital não vi mais nada. Passado alguns instantes comecei a ver tudo de cima. Como uma câmara de televisão de um satélite. No hospital eu via o pessoal que estava ao nosso redor e os que estavam lá fora.

Após a confirmação da nossa morte, Solon foi se encarregou da funerária. No caminho ele sentia com estivesse sonhando, ao contrário dos tempos normais, dirigia vagarosamente pelas ruas. Encomendou um caixão bem simples, como era meu desejo. Vilanova foi ao Jornal colocar o anuncio porque era amigo de um jornalista. Enquanto isso nossos quatro filhos, juntamente com Lalinha, choravam mais controladamente depois de tomarem calmantes. Aos poucos o pessoal que estava na festa ia chegando. A cara do desespero de todos era terrível. Os homens da nossa idade, tremiam de medo e pensavam cada um na sua vez. O comentário era que cada um iria fazer os exames o mais breve possível. - Ele era tão cuidadoso, vivia nos médicos, fazendo regime e tudo que um cinqüentão deve fazer. Mesmo assim, lá se foi.
O comentário rolava quando chegou a funerária. Logo nos colocaram no caixão e fomos carregado até o carro fúnebre. Nem trocaram nossa roupa. Também com um terno daqueles não precisava fazer mais nada. Éramos um defunto bem vestido. Nosso rosto estava um pouco inchado mas continuou corado. Chegamos ao velório onde já estavam alguns de nossos amigos. Logo começaram a colocar flores. Acho que eram cravos ou rosas brancas, não sei direito, nunca entendi de flores. Sei no entanto que só deixaram nosso rosto e nossas mãos de fora.
- Passa essa parte ! - disse o corpo impaciente.
- Tu sempre fostes apressado enquanto vivo, e acho que agora ainda estas pior. Lembras-te que nosso filho disse quando falei que poderia morrer a qualquer hora ? Pai tu com essa mania de horário e chegar antes do tempo, vai terminar comprando um caixão agora, para o enterro não sair atrasado. Tudo porque nós estávamos reclamando a sua indecisão quanto a sua futura faculdade.
- Pára com essa mania de falar na segunda do plural ! Essa parte era toda sua ! Eu era apenas o teu corpo. Tu é que encrencava, reclamava e jogava adrenalina no meu estômago.
- Está bem ! Esta Bem ! Não vamos brigar agora depois de morto. Sabes que muita coisa que fiz de errado foi por culpa tua ? Principalmente esse problema de mulher.
- Eu ! Eu não. Tu criavas na tua imaginação e colocavas os meus músculos e nervos em reboliço. Falar nisso, Ela estava lá ?
- Estava sim. Escondida, de óculos escuros mais linda como conheci há vinte dois anos. Chorava controladamente, e nos seus pensamentos estava arrependida de nunca termos passado da amizade platônica.
- Ela só ! E eu? Quantas vezes depois de dois tragos eu fiz tudo para tu deixares ela me experimentar. Tu com essa mania de ser certinho, quem sobrou fui eu. Ainda me arrependo de não ter te enganado e partido para a realidade. Tu nascestes com o corpo errado, até imposto tu pagavas ! Mulher extra que me lembre, só umas dez. Assim mesmo ficastes com um remorso desgraçado e quem padeceu foi meu estômago. Terminei com aquela gastrite. Eu devia ter uma alma mais aventureira, mais errada, se possível deveria ser um político corrupto, daqueles bem safados, que tanto tu condenavas. Se estivesses ligado a uma alma sebosa, esses tapurus não iam ter muito o que comer. Ia ser tanta farra, tanta mulher, que eu nunca chegaria aos 55.
- Não digas uma miséria dessas ! Estou para enfrentar um julgamento do Criador, e tu que eras o meu corpo, blasfemando desta maneira ! Não tens mais nada a perder, mas eu tenho. E tenho muito. Aqui os sentimentos valem mais que qualquer fortuna terrena. Daqui posso ajudar meus filhos, minha mulher, minha família, meus amigos e até Ela. Para isso no entanto tenho que passar no julgamento que será breve. Estou fazendo exame de consciência para ver o que tenho a favor e contra. O que fiz de errado, o que fiz certo. Olha, estou com medo que na balança da justiça daqui, estou mais para o lado do mal que para o lado do bem.
- Que mal que nada ! Se não fores absorvido, não tem ninguém no céu.
- Fala baixo ! Pensas como sempre pensei ! Baixinho ! Escondidinho ! Entendeu ! E não jogues confete demais que os Santos não são otários !
- Conta mais ! Ai tem praia ? O que é que estas vendo ?
- O firmamento é lindo, um azul sem fim. Onde estou vejo as almas passeando. Sei que elas me vêm, mas nem me olham. Ontem, logo quando cheguei vi o Dr. Ulisses. Estava com um rosto de tranqüilidade. Não via expressão de alegria, mas sentia que ele estava feliz. Aqui não há praia vagabundo ! Vemos a terra, nosso país, o Congresso, nossa casa nossos filhos a Lalinha e Ela. Todos ainda choram muito. Quando for chamado terei de fazer a melhor defesa da minha vida. Terei que ser simpático a todos, mas não poderei ser demagogo. Terei de ser enérgico, mas não poderei ser autêntico demais. Minha ficha todos têm decorada. Ë muito difícil enganar o Criador.
- Besteira minha alma, vais tirar isso de letra e ainda terás um bom cargo. Fique tranq...

- Pára de falar ! Acorda Brasilino ! - berrou a esposa Genoveva.
- O senador acordou e gritou. - Estou vivo ! Não morri ! Era um sonho ! - Lali... Genoveva minha querida, que pesadelo !
- Pesadelo você vai ter agora Brasilino ! - disse Genoveva. - Desde de quando você gostou de pagar imposto ? Quem é essa tal de Lalinha ? Os outros dois filhos você teve com essa vagabunda ! Não foi ! seu canalha. Você nunca chegou na hora em canto nenhum seu vagabundo ! Quem é essa tal de Ela ? outra rapariga ? Gravei todo o seu sonho ! seu safado !
- Sempre soube que era enganada, da mesma maneira que você enganava seus eleitores, seus pares dos muitos partidos que você já pertenceu, seus parentes e seus amigos. Mas agora você chegou ao máximo do mau caráter. Você estava enganando a sua consciência, se é que você tem, ou sabe o que é isso! Até a Deus seu desgraçado ! Quanto ousadia num corpo só ! Não falo nem da alma, que isto você nunca teve ! Quero o divórcio ! Hoje ! Agora ! Nunca mais quero ouvir falar no teu nome ! Verme ! Devias morrer de verdade nesse teu maldito sonho !Desgraçado !
Brasilino levantou-se, colocou a mão no peito, soltou um grito de dor e caiu. Estava morto. Desta vez para sempre.
Mauro de Oliveira
20/11/2000
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