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Contos-->Armadilha -- 22/11/2004 - 22:23 (CARLOS CUNHA / o poeta sem limites) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






“The crew bore about them the marks of hoary old age. Their knees trembled with infirmity; their shoulders were bent double with decrepitude; their shriveled skins rattled in the wind; their voices were low, tremulous and broken; their eyes glistened with the rheum of years; and their gray hairs streamed terribly in the tempest”.

Edgard Allan Poe: Manuscript Found in a Bottle


“A tripulação agüentou sobre eles as marcas de velhice grisalha. Os joelhos deles/delas tremeram com fraqueza; os ombros deles/delas estavam curvados dobre com decrepitude; as peles secadas deles/delas tagarelaram no vento; as vozes deles/delas eram baixas, trêmulas e quebradas; os olhos deles/delas brilharam com a reuma de anos; e o cinza deles/delas fluíram terrivelmente na tempestade”.

Edgard Allan Poe: Manuscrito achado em uma garrafa



Armadilha



Um mar sereno. Raras ondas. O suficiente para a prática da natação e para o treinamento de surfistas inexperientes. Uma multidão de banhistas. Subitamente um maremoto. Ondas gigantescas vêm fortes e aceleradas. Uma catastrófica avalanche Não há chance de escapar. Exceto, talvez, para uns raros felizardos. A maior parte é carregada pelo primeiro vagalhão.
Os que ficaram pra trás são arrastados pelas outras ondas que não cessam de crescer. Em poucos segundos são quase todos atirados à praia como se fossem búzios. E não se trata de uma praia qualquer: é inóspita, acidentada, ácida. Muitas vezes, poluída. Incompatível com a vida. Têm de sair depressa ou morrerão. A maioria morrerá mesmo. Por sorte, a violência das águas força a entrada de poucos num imenso túnel que se inicia à beira-mar e desemboca muito além. Fazem uma longa viagem, sem retorno, através de um trajeto sinuoso por onde nunca tinham passado antes.
Não era um maremoto. Parecia mais uma invasão brusca do mar terra adentro. Como se, nos Países Baixos, vários diques tivessem arrebentado ao mesmo tempo. Ou, pior ainda, como se o nível do oceano subisse de repente, em conseqüência do descongelamento brusco das calotas polares.
Agora, a correria era por conta de cada um. Pelo desespero de encontrar uma saída. Salve-se quem puder. Impossível retornar. Muitos são atropelados e sucumbem no meio do caminho. Alguns se desviam da corrente e se perdem através de um labirinto de canais e também serão eliminados ao tentar se salvar. Os escassos felizardos que encontram um caminho livre, disparam cada vez mais rápido em busca do final do túnel. Nenhuma luz.
Quem são estes banhistas? De onde vieram? De uma enorme cidade sobre o mar. São milhões de habitantes. Mas nenhum nasceu ali. Vieram de um lugar menor e menos povoado. Uma espécie de êxodo invertido. Sim! Invertido porque chegaram à procura de melhor sorte. E quase todos encontrarão a pior morte.
Depois de atravessar aquela longa e tortuosa galeria, raríssimos estarão vivos. Para que tanta correria? Por que tamanha competição? O que buscarão? Porém o mais surpreendente está por vir. A luta não diminui depois que alcançam a sua meta. A concorrência para chegar dentro dela, não é menor do que aquela maratona sem glória. O afã com que se atiram a essa conquista é impressionante. Trata-se de uma segunda refrega. Esta não mais por uma “medalha”, senão pela própria vida.
Apenas um atingirá o seu objetivo. Somente este sobreviverá. Encontrará, afinal, um parceiro de maior envergadura que o acolherá. Sentir-se-á protegido, alimentado, abrigado. Juntos crescerão. Formarão complexas estruturas cujos mistérios, até hoje, nenhum cientista ousou vislumbrar. Conviverão durante um tempo bastante variável: um mês, um ano, dois lustros, cinco décadas. Em certos países, terão maiores chances. Quiçá, atingirão setenta, oitenta, noventa, cem anos... Mas os dois já desconfiaram, muito antes disso, do destino que os esperava. Mais ou menos nove meses depois do presumido sucesso pelo qual tanto lutou o primeiro. Só então perceberão que caíram numa armadilha: a armadilha de nascer. A arapuca de viver.

Texto de Raimundo Silveira
produção visual: CARLOS CUNHA






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CARLOS CUNHA/o poeta sem limites

dacunha10@hotmail.com




"O bom ladrão"




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