QUANDO O AMOR NÃO ACABA - capítulo VII
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Durante toda aquela tarde não tive forças para sentar diante do computador e continuar minha história. Eu até que tentei, todavia, ao relembrar os momentos inesquecíveis e de arroubos daquele dia, o aperto em meu peito fazia meus olhos choverem; assim, eu me prostrei no sofá e me perdi nas lembranças. Só então, quando, tal qual um afiado punhal, elas não mais feriam meu coração, eu me tornei apto a dedilhar o teclado e prosseguir com minha narrativa.
De todas as lembranças até então, nenhuma me custou tão caro quanto as que eu comecei a narrar no capítulo anterior. Antes de criar coragem para continuar, fico aqui pensando em tudo que se passou. Então me pergunto: foi o destino que quis assim? Ou foram minhas escolhas que me engendram por este caminho? Por toda vida, fui um cético; mas agora já não tenho tanta certeza, já não acredito naquilo que acreditava com a mesma convicção. Se algum dia eu podia afirmar, sem a menor sombra de dúvida, que somos nós mesmos quem traçamos nossos destinos, hoje eu tenho minhas dúvidas. Será mesmo que determinamos nossos destinos? Ou será que aquilo que seremos e o que iremos passar já vem determinado ao nascermos? Será que existe uma força superior que determina nossos atos? Não. Eu nunca acreditei nisso! Mas diante de tudo que estou passando, não consigo aceitar que essa dor, esse sofrimento seja tão somente fruto de minhas escolhas erradas. Não é possível que eu tenha errado tanto assim? Eu não consigo compreender o porquê de uma alternativa ao invés de outra. E isso é que me deixa confuso e passivo ante a um fim senão trágico, pelo menos melancólico.
Pensando bem, não vale a pena divagar sobre o passado e o futuro. O passado não pode ser mudado e quanto ao outro não há nada mais incerto que o futuro. Do passado só podemos narrar os fatos e tirar algumas conclusões, mas não podemos nunca especular acerca do que não aconteceu, pois no passado não existe o “se”.
De modo que, agora mais calmo, sinto-me capaz de continuar minha narrativa e descrever os fatos tal como se passaram e as marcas que em mim deixaram. E ainda recordo bem, da forma mais clara possível, tudo que se passou naquele dia. Como eu poderia esquecer? Se foi ali que tudo recomeçou para nunca mais terminar de forma definitiva? E não tenho dúvida de que foram suas palavras, a maneira como ela abriu seu coração que arrebatou indefensivelmente o meu.
Como já disse, consigo relembrar esse momento como se eu o tivesse acabado de presenciar. Ainda me vejo sentado ao seu lado, sua mão balançando com o cigarro entre os dedos em sinal de puro nervosismo. Ainda a vejo me interrogando, como se minhas justificativas tivessem o efeito de fazê-la entender o que não é compreensível.
-- Como posso aceitar que o amor, que você tantas vezes disse que sentia por mim, pode ter se acabado? Não. Você não faz a menor idéia do meu sofrimento. Sabe, cara! Eu abria a janela de meu quarto todas as noites. Às vezes, eu ficava dependurada nela, outras, eu ficava sentada nela, encostada no batente, olhando para as estrelas pensando no que você estaria fazendo. Noite após noite, durante todos os dias desde que te conheci, eu ficava desejando estar de qualquer jeito contigo. Eu ia dormir quase ao amanhecer pensando em você, com o meu coração doendo de tanta saudade. Às vezes, eu chorava baixinho e as lágrimas corriam silenciosas. Mas em outras vezes, eu não conseguia conter os soluços e então minha mãe vinha me consolar. Ela dizia para eu não ficar assim, pois você não merecia todo esse amor. Aí eu discutia com ela e dizia que você era o homem mais legal do mundo... Você me machucou muito, me fez sofrer como nunca havia sofrido em toda a minha vida, cara... -- Lágrimas escorregavam de seus olhos. Eram lágrimas amargas e vermelhas tamanha a dor em seu peito. -- Eu não consigo namorar ninguém. Quando conheço um cara, começo a falar de você, de nosso amor, de quanto você me machucou. Ele até me ouve, me dá conselhos, pede para eu lhe dar uma chance que ele vai me fazer te esquecer. Mas eu não consigo, cara! -- Eu ouvia estarrecido as confissões dela. Eu mantinha minha cabeça baixa, sem emitir um único som, como se eu tivesse perdido a voz. Mas eram aquelas palavras, tão duras, tão cheias de amarguras; elas funcionavam como punhaladas em meu coração. -- Olha para mim! -- pediu-me ela, com a voz trêmula, quase implorando. Era visível o seu estado de desespero. Eu, acuado, impotente e cheio de vergonha, ergui levemente a cabeça, feito uma criança ao ser repreendida, e fitei-a em seus negros olhos. Eles brilhavam intensamente, como se no seu interior ardesse um fogo mais poderoso que o sol. As lágrimas ainda corriam, contudo davam sinais de que cessariam em breve. Ela contudo prossegui no seu desabafo. -- Eu daria qualquer coisa para estar contigo. Até abandonar minha família, se preciso fosse. Eu te juro, por tudo que de mais sagrado nesse mundo que faria isso, cara! Você entrou no meu coração, tranco ele bem trancado e depois jogou a chave fora.
Eu não encontrava palavras capazes de confortá-la, de apaziguar seu coração. Eu só sentia um remorso muito grande por tê-la feito sofrer daquela maneira. Enquanto ela falava, eu só pensava num jeito de abrandar-lhe a dor. Eu não pensava mais na minha namorada e em mais ninguém. Era como se minha vida resumisse em nós dois. E antes que eu pudesse dizer algo, ela continuou a falar.
-- Até fumar eu comecei. -- Nesse momento, Diana ergueu o cigarro entre seus dedos, como se quisesse reforçar o que dizia. -- Fiquei sem apetite, e nem comer direito eu comia... Pensei que ia morrer. Talvez até tivesse sido melhor, pois não tinha a menor vontade de continuar vivendo. Quantas e quantas vezes eu pensei em pegar o ônibus e ir atrás de você. Só não fui porque o pessoal não deixou. Quando eu estava decidida a ir, minha mãe e minhas amigas sentavam ao meu lado, na minha cama, e argumentavam até eu desistir dessa loucura. Senão, eu teria ido há muito tempo – disse ela, enxugando os olhos com a costa da mão. -- Desculpe-me por estar me abrindo com você desse jeito. Não quero que você se sinta culpado por não sentir mais nada por mim, mas eu precisava te contar tudo isso. – Agora suas lágrimas haviam cessado de brotar dos negros olhos.
-- Mas eu ainda gosto de você! É que ficamos tanto tempo longes um do outro... E eu estava me sentindo tão sozinho... Não pude evitar. De repente, a Luciana apareceu e começamos a namorar... Mas as coisas não andam muito bem entre a gente – falei.
Contei-lhe tudo, fazendo o possível para tornar certas passagens menos dolorosas.
Não que eu me achasse na obrigação de dar-lhe tantas explicações, contudo, diante dela, aquela paixão, que eu pensava que fazia parte do passado, voltava a tona, como uma chama quase extinta que, ao encontrar em abundância o que queimar, cresce de tal forma que fica fora de controle. Diante daquela jovem de 17 anos, cuja face mostravam marcas de sofrimento, eu perdia rapidamente o controle de minhas emoções. A cada segundo, a cada troca de olhar, a cada gesto, a cada palavra eu me tornava mais e mais apaixonado por ela.
-- Não precisa mentir. Eu não quero interferir no relacionamento de vocês – disse-me Diana, após eu pintar meu namoro com traços mais sombrios do que realmente aparentava.
-- Eu não estou mentindo. Juro!
Ah, querido leitor! Meu estado de arrebatamento era algo indescritível. Era como se a tivesse encontrado pela primeira vez. Era como se estivesse sendo varrido por uma tempestade. Eu simplesmente não conseguia pensar em nada. Quando a toquei levemente, todo o passado, tudo que havia sido e tudo que era desapareceu. Ela estava ali, como uma flor que se desabrocha e se oferece, num segundo desabrochar, tão pronta e receptiva. E isso me diminuía, deixava-me aturdido. E não conseguia compreender isso. E eu não sabia o que fazer.
Não sei se ela percebeu meu embaraço, todavia continuou tal como estava: atenciosa, desabrochada e disposta a me receber. Eu percebia seu estado expectante, mas não tinha forças para agir. Os minutos corriam rápidos, muito rápidos. Eu porém permanecia impassivo, não agia por causa do medo, do medo de magoá-la mais uma vez, de fazê-la sofrer mais e mais. Então, continuei num estado no qual faltam-me palavras para descrever. Talvez, eu estivesse como o universo no momento da criação: num estado de puro caos.
Só consegui sair daquele estado quando a irmã mais nova dela veio lhe chamar. Sua mãe necessitava de sua presença para ajudá-la a por a mesa do café. Estavam com visitas.
-- Posso te pedir uma coisa? -- inquiriu Diana, quando se levantou. Nesse momento, ficamos frente a frente, quase no tocando.
-- Claro que pode! -- falei, trêmulo, com dificuldade na voz, num estado de puro arrebatamento.
-- Não, deixa pra lá.
-- Fala! -- insisti. -- Pode pedir. Vai, desembucha logo!
-- Posso te dar um abraço?
Eu também queria tocá-la, abraçá-la e beijá-la, todavia faltava-me coragem. Havia o medo de que ela pudesse me rejeitar. Mas era um medo cheio de desejos, um medo que não era só medo, mas também o temor de fazer algo que a magoasse mais do que já a havia magoado antes. Ah! como meu coração palpitou de contentamento ao dar-se conta de seu pedido! Era como se ela tivesse lido meus pensamentos, como se tivesse adivinhado meu mais intenso desejo.
Naquele instante não pensei nisso, mas agora, ao relembrar aquele momento, não posso evitar que tais pensamentos venham a se ocupar de meu espírito. Fico me perguntando se aquilo foi coincidência, ou se nós dois realmente possuíamos uma ligação misteriosa, inexplicável? Ou se tudo não passou de coincidência? Ou se estavam ali, frente a frente, duas almas gêmeas, separadas por circunstâncias do destino? Ou se ela teria lido nos meus olhos o quanto eu queria tocá-la e abraçá-la? Não. Eu não sei responder. Não faço a menor idéia. O que importa são os fatos, não as suposições.
-- Pode... – respondi.
Diana aproximou-se de mim. Eu me virei bruscamente, abri os braços e deixei que ela se aninhasse, pendendo o corpo para frente. Então ela deitou a cabeça em meu ombro e apertou-me fortemente contra si. Por algum tempo, sua cabeça permaneceu inclinada, virada para o lado. Sem que eu pudesse impedir, fui tomado pelas lembranças. E meu coração – ah! pobre coração! – sentiu-se oprimido, foi tomado por uma dor pungente; uma dor como eu nunca havia sentido até então. E lágrimas minaram de meus olhos. Eram lágrimas de arrependimento, do mais profundo e sincero arrependimento. “Como eu pude ser tão cruel com uma pessoa como Diana? Como fui capaz de fazê-la sofrer assim?” Foi o que meu coração se perguntou naquele instante.
Hoje eu sei como podemos causar profunda dor em alguém sem termos noção disso. Hoje sei que as pessoas, às vezes, podem machucar umas as outras muito mais dolorosamente com palavras e atitudes do que com a violência física. Eu estava descobrindo ali, com Diana nos meus braços, o sentido da palavra sofrimento. Até então, isso não passava de mais uma palavra, como tantas outras, que pronunciamos sem fazer a menor idéia do que realmente ela representa, do poder e da essência dela. Eu estava descobrindo a dor. Pois até então tivera de tudo, do bom e do melhor. Nada me faltara. Era tímido, na verdade; mas minha timidez muitas vezes evitara ao invés de me causar sofrimento.
-- Não chore! Assim você me faz sofrer mais ainda... – murmurou ela, com a voz presa, fazendo um esforço sobre-humano para não chorar também.
-- Eu ainda te amo – falei, soluçando. Tais palavras saíram pela boca, como um animal aprisionado por muito tempo, que, ao ganhar liberdade, parte em debandada, sem rumo, em direção a um destino ignorado, sem saber o que irá encontrar e o que irá lhe acontecer. E tais palavras romperam algo, algo muito forte, que aprisionava meu coração em chamas, inflamado de paixão.
Não sei dizer o que minhas palavras provocaram em Diana. Via-se que um encantamento envolvia sua alma. Assim, ela soltou os braços, levantou a cabeça, levou suas delicadas mãos à minha face e enxugou minhas lágrimas com as pontas dos dedos. Ah! que prazer indizível, sentir seus dedos deslizando de forma tão suave e delicada nas maçãs de meu rosto! Ah, como eu queria sentir aqueles mesmos dedos mais uma única vez! Ah! o que eu não daria para sentir a mesma emoção que senti naquele instante!
-- Não chore! Não me faça sofrer mais! – pediu ela mais uma vez, como se minhas lágrimas fossem suas. Seus olhos brilhantes, trêmulos, quase derramando novamente lágrimas, mantinham-se fixos nos meus.
Minhas mãos, esquecidas em seus quadris, subitamente foram parar nos ombros dela. Então abri a boca num sorriso meio tenso, meio que perdido. Ela permanecia impassível, com seus olhos plantados nos meus. Mas eu queria me aproximar, queria desesperadamente beijá-la. Ela estava tão perto, tão ao meu alcance... Era só aproximar mais um pouquinho, que a força invisível nos atrairia inevitavelmente. E meus braços, presos ao pescoço dela, foram se dobrando, puxando-a em minha direção. E num ato involuntário, como se meus olhos derretessem, eles foram se fechando, até que tudo ficou escuro, como se numa fração de segundo tivesse entrado num mundo de sonhos. Então, eu senti seus lábios tocaram os meus num beijo ardente, apaixonado. Diana se entregou ao beijo, vencida, incapaz de dizer não. E seu corpo colou ao meu, suas pernas misturaram-se às minhas. Era como se nada mais importasse. Era como se a possibilidade de sua mãe, seu pai ou qualquer outra pessoa surgir fosse algo impossível. O mundo podia acabar a nossa volta, que nada mais nos importaria. Só o momento, só o gosto gostoso daquele ardente beijo, só a pressão macia de nossos lábios, só o entreabrir suave deles é que nos interessava. Que danassem tudo e todos! Que danasse a reputação dela! Nada nos faria interromper aquele beijo.
E nos beijamos por um longo tempo. Tempo que para nós foi insuficiente. Mas tempo suficiente para que experimentássemos as mais diversas sensações: sensação de paz, alegria, exaltação e sensação da mais intensa felicidade.
Mas ela precisava entrar. Sua mãe a aguardava. Foi a mais terrível agonia para nos desvencilhar um do outro. Foi pior do que da primeira vez, no dia em que nos conhecemos. Foi como se fossemos nos separar para sempre. Como se tudo fosse se repetir novamente, da mesma forma. E isso me atormentava, fazia-me sentir minúsculo, insignificante ante o destino. Creio que o mesmo se passava com Diana. Era visível o esforço que ela fazia para não deixar transparecer o quanto àquela separação era-lhe cara.
Talvez, a promessa de se reencontrar no dia seguinte tenha amenizado um pouco a dor da separação. Afinal aquele não era o fim, mas um novo recomeço.
Ainda vejo, querido leitor, seus dedos escorregando pelos meus até que nossas mãos se soltaram definitivamente. Ainda a vejo se afastar lentamente em direção ao portão de casa olhando para trás, na minha direção. Ainda consigo ver o estado em que me encontrava quando, finalmente, voltei a si.
Sei que talvez tenha prolongado demais, sido detalhista demais. Se por algum motivo tenha lhe fatigado demais, peço imensamente desculpas. Talvez eu tenha me empolgado demais, querendo tirar de dentro de mim essas lembranças que me custam tão cara. Talvez você ache que foi fácil, contudo, confesso-te que me custou mais do que você possa imaginar. Sinto que cada página de minhas memórias é um pedaço de mim que escapa de meu corpo. Quanto mais aprofundo nas minhas lembranças, mais fraco e debilitado me torno. Sim, querido leitor! Sinto-me fraco e cansado! No momento, não tenho disposição e nem forças para continuar. É como se trilhasse por um deserto, onde a comida se torna mais escassa, e onde a esperança de chegar a algum lugar se tornasse mais remota. E onde não há como retornar, nem desistir. Então, só me resta descansar um pouco para continuar a caminhada.
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