Às vezes tentamos entender a nossa existência, compreender o porquê de nossa criação, de nossa passagem por este mundo, de nosso contato com tantas outras vidas e histórias distintas; todavia, por mais que queiramos desvendar os mistérios que envolvem a origem da natureza divina, mais nos confundimos, como se a própria confusão fosse outro meio divino de nos manter afastados do “esclarecimento” mais almejado pela humanidade.
Ontem mesmo, numa daquelas típicas depressões suscitadas por longas férias, sentado numa poltrona ao lado do piano, acompanhado pela solidão e sua mestra, a escuridão, tive por instantes, a sensação de estar evadindo deste mundo, alçando vôo a terras distantes, onde a paz é corrente, a felicidade elemento inerente à consolidação dos mesmos pilares que se levantam para sustentarem esta mesma paz e a tristeza, fantasia em quadros de pintores surrealistas; figura prosopopéica em muitos dos contos de bruxarias que circundam a insignificante trajetória humana.
A busca pela explicação existencial não aconteceu por acaso, como pensam alguns, nem foi motivada por devaneios incrédulos e suspeitos de filósofos de esquina; pelo contrário, despertou-se durante a madrugada, após uma estranha crise gastrintestinal. Acordei por volta das 04 horas acometido por uma dor horrenda, cuja dimensão extrapolava toda e qualquer justificativa científica. Mesmo desviando toda minha energia a uma fracassada resistência, percebia que o ar, cada vez mais escasso, recusava-se a visitar meus pulmões, enquanto meu corpo, já combalido, cedia aos golpes da estranha enfermidade.
O que era temido logo se materializou. Estava complemente indefeso, rendido a uma força desconhecida, que me apossava sem qualquer piedade, conduzindo-me ao desespero e à crença de que aqueles eram meus últimos minutos terrenos.
Eu chorava feito criança quando dorme em seu quarto sozinho e acorda durante a noite à procura da proteção dos pais. Toda minha razão e conhecimento acumulado pareciam não ter qualquer relevância, tal era a supremacia daquele poder que se emanava diante de meus olhos, por meio de um fecho de luz altivo, de cores vívidas, embriagantes...Minha alma, ignorando minhas vontades, brigava com meu corpo, queria a todo custo libertar-se dele, de suas feridas enormes, alimentadas pelo orgulho e pela ganância - os vermes que florescem e se multiplicam dentro dos corações humanos.
O barulho de um copo quebrando, assim foi o que ouvi quando minha alma desprendeu-se de seu mausoléu, no caso, o próprio corpo. Ignorando a força da gravidade, fui subindo, livre de todos os pecados, dando adeus ao que me permitira andar, falar, mover e procriar em vida...
Muitas estrelas, com velas em punho, saudaram-me em coro, com alegria. A beleza da letra assemelhava-se às notas de Bach. Minha vontade era a de me ajoelhar diante de fascinante poder, implorar perdão por tantos erros cometidos, compreender de uma vez a minha existência, se é que ela não tivesse sido revelada através da ajuda que neguei aos que precisavam; dos berros que entoei contra os que julguei inferiores, dos arrotos de engrandecimentos que ora usei como máquinas de conquistas ou mesmo armas de humilhação.
Por mais alegre que estivesse, sentia-me pequeno, indefeso como inseto diante daquele lugar, daquelas criaturas que não se cansavam de sorrir para mim...Assim como iniciaram o coro, logo emudeceram e se curvaram ao ouvirem os primeiros passos. Angustiava-me a tensão. Uma luzerna invadiu o cenário, era impossível enxergar alguma coisa, apenas sentia-se a presença de um ser muito poderoso, pois as vozes, antes emudecidas, cantavam, agora, com mais fervor! Glorificavam alguém que eu, em minha humilde ignorância, desconhecia.
Com o pranto preso aos lábios, voltei-me ao “estranho” e pedi que tivesse pena de mim, pois era um tolo, um imbecil à procura de explicações também tolas à própria condição terrena...Uma gargalhada fora ouvida, não de escárnio, mas de alívio! Ele havia se compadecido de minhas lágrimas e de minhas palavras, pela primeira vez, sinceras! Eu havia ganhado uma segunda oportunidade! Algumas mãos vieram por trás, levantaram-me do chão e me atiraram contra um emaranhado de nuvens azuladas, contornadas por uma áurea cintilante; era impossível não admirá-las e se entregar às lágrimas...
Uma paz celestial me invadiu...Olhando para dentro de mim, percebi que a ampulheta do tempo havia se virado, minutos preciosos havia ganhado para reparar muitos de meus erros. Aos poucos eu retornava àquele que era um mausoléu e, agora, passados vinte e dois minutos - isso mesmo que você leu, apenas vinte e dois minutos - transformava-se em um belo castelo de cristal.
Na fusão do corpo com o espírito, da fé com a esperança, da alegria com a vitalidade, acordei. Estava no hospital, acompanhado de um especialista. Uma crise estomacal, motivadora de um sintoma conhecido como morte eminente, havia me acometido! Cá para nós, você acredita mesmo nessa história de “morte eminente?” Desculpem-me os cientistas, os médicos, os incrédulos, mas eu não! Pois naquele momento, encontrei o sentido de minha existência: viver cada minuto buscando o bem comum, pois o mundo de lá é tão próximo ao de cá, que às vezes, quando menos imaginamos, se fundem, para salvarem almas antes perdidas, como a minha...
* Converse com o autor desse texto através do e-mail: professorcarlosmota@yahoo.com.br
Acesse o site deste autor: www.escritorcarlosmota.com