50 anos. Ela se olhou no espelho da sala, passou a mão no rosto e pensou:
-- Até que não estou muito mal. Pra 50 anos, estou até que muito bem.
Seus olhos sorriram um tiquinho, mas sua boca permaneceu fixa. Abriu a porta do apartamento e saiu para o corredor. O marido já a esperava perto do elevador.
-- O avião chegou.
Ele sempre se referia ao elevador como "avião." Mas houve um tempo na vida deles quando ele se referiu a ela como "avião" - você aterrizou na minha alma, avião.
Calmamente, quase sem se falarem, desceram até a garagem. Entraram no carro. Silêncio para os dois.
Amarrados nos seus devidos cintos de segurança, mas pareciam pessoas atreladas a cadeiras elétricas. Ainda olhando para a frente, enquanto dirigia, ele lhe perguntou:
-- Como se sente fazendo 50?
-- Nada especial - ela respondeu. Como vc se sentiu?
-- Ah isto foi oito atrás. Eu me chateei. Depois dos 50, báu báu, tudo é diferente.
-- Diferente pra pior ou pra melhor? - ela sempre perguntava, sempre queria saber.
-- Acho que pra pior. Como vai ser pra melhor. A gente vai envelhecendo. Ou você não sabe disto?
Uma fagulha de irritação voou da voz dele para os ouvidos dela. Resolveu calar-se. Sábia orientação, que talvez só a idade traga...
Chegaram ao restaurante. Ali iriam celebrar, apenas os dois, os 50 anos da mulher. Um jantar a mais na vida deles. Agora que tinham tão pouco para comentar entre si, tinham dinheiro para entrar em qualquer restaurante. Era uma das ironias da vida.
Entraram, comeram, beberam. O gerente tinha sido iniciado na surpresa: na hora da sobremesa, um bolo com uma vela-estrela, daquelas que vêm faiscando pelo caminho da cozinha até a mesa do aniversariante. E foi assim - veio o bolo, coberto com várias frutas, brilhantes sob a camada de gelatina, ao som do "parabéns a você" e palmas de alguns dos frequentadores.
Ela fingiu surpresa ou se surpreendeu? Nos seus olhos enigmáticos, que um dia foram a grande alegria do noivo tornado marido, não se poderia ler nada. Sorriu, os lábios grossos e rosados se desprenderam, mas os olhos permaneceram fixos.
Agradeceu ao garção, que logo enfiou uma faca de cabo de madrepérola na maciez do bolo, lhe passou a primeira fatia. Entregou a faca ao marido, que se serviu de outra.
Ela agradeceu ao marido, o mesmo sorriso. Comeram suas fatias, comentaram como estava tudo delicioso. Não foi preciso apagar a vela. Ela se apagou sozinha.
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E.E.